Por Vítor Palmela Fidalgo (*)
Quando Lisboa acolhe mais uma edição da Web Summit (de 10 a 13 de novembro), o mundo volta a virar os olhos para a inovação tecnológica. Startups, investidores e criadores preparam-se para apresentar ideias que prometem reinventar tudo: da saúde à mobilidade, da energia à cultura digital.
O impacto da IA é transversal. Inventores, artistas, engenheiros e advogados estão todos a tentar decifrar o novo jogo e as regras ainda estão a ser escritas. Vivemos um momento histórico em que tribunais, legisladores e juristas tateiam, com mais ou menos fé, os contornos desta nova realidade.
Seja como for, convém reter alguns conceitos fundamentais. Antes de mais, a propriedade intelectual, (de que de propriedade é pouco mais do que uma metáfora histórica…) apenas é protegida para satisfazer determinadas necessidades socioeconómicas. A proteção não se justifica por si mesma.
Independentemente da perspetiva filosófica que se adote, seja a da tutela da personalidade, a lockeana ou a utilitarista, a conclusão é sempre a mesma: o ser humano está no centro da proteção conferida pelos direitos de propriedade intelectual (marcas, patentes, designs, direitos de autor, segredos de negócio, entre outros). Quando essa justificação desaparece, a regra é simples e elegante: o bem intelectual permanece no domínio público.
Por isso, se uma obra é gerada por um sistema de IA sem contributo humano criativo, a conclusão lógica é que não deve ser protegida. O “mérito” pode ser da máquina, mas o direito continua a olhar para o ser humano como a fonte da criatividade.
Este ano, por ocasião de uma conferência, desafiei o Midjourney. Pedi-lhe que representasse um dos episódios mais icónicos do Novo Testamento: o batismo de Jesus Cristo no rio Jordão, pelas mãos de João Batista. O resultado? Uma imagem de uma notável qualidade estética. Mas, sejamos honestos: o mérito não foi meu. Infelizmente, o meu talento para as artes visuais sempre foi, para ser simpático, modesto. Limitei-me a escrever o seguinte prompt:
E aqui começa o dilema: será que esta simples frase me torna autor da obra? Diria que não. O prompt é demasiado elementar para revelar qualquer “toque” de originalidade pessoal. A criatividade está toda do lado da máquina, ou melhor, do conjunto de milhões de imagens que alimentaram o seu treino.
Ainda assim, os tempos estão a mudar. Recentemente, um tribunal chinês surpreendeu a comunidade jurídica ao reconhecer a autoria de uma imagem gerada por inteligência artificial com base na complexidade e especificidade do prompt utilizado. Esta decisão reabre um debate central para o futuro do direito de autor: onde termina a intervenção humana e onde começa a “criatividade” algorítmica?
Mas, como referi antes, os problemas gerados pelos sistemas de IA podem ser vistos de outro ângulo. Mais do que a questão sobre quem é o titular do resultado criativo (“output”), a grande discussão tem sido se estes sistemas podem ser treinados com obras ou materiais protegidos por direitos de propriedade intelectual (“input”). É verdade que, em regra, os dados, entendidos como qualquer representação digital de factos, atos ou informações, não pertencem a ninguém. A norma é a liberdade de uso e circulação. O problema é que este conceito é demasiado amplo. Dentro dele cabem também imagens, vídeos, textos e outros conteúdos que podem estar protegidos por direitos de propriedade intelectual.
O Direito europeu prevê algumas exceções para o uso de obras em treino de IA, mas estas são bastante limitadas. Já nos Estados Unidos, o debate é mais incerto: a tradicional cláusula do “fair use” está agora a ser posta à prova para ver se consegue enquadrar estas novas utilizações tecnológicas.
Por agora, é preciso cautela. Promover a inovação é essencial, mas proteger e remunerar os criadores também o é. Como quase sempre, a virtude estará no equilíbrio, na ponderação entre todos os interesses em jogo. A história ainda está a ser escrita e os próximos capítulos prometem ser decisivos.
(*) Sócio e Advogado na Inventa, Docente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
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