Por Luis Bravo Martins (*)
A 30 de Outubro de 2021, Mark Zuckerberg rebatizou a empresa que fundou para Meta. Isto foi particularmente importante porque, de repente, o homem que concretizou a sua visão da Web 2.0 e mudou as nossas vidas através da massificação das redes sociais, apostou publicamente numa nova versão da web. Uma nova dimensão digital persistente, onde mundos digitais em 3D são acessíveis a partir de qualquer lado, unindo físico e digital num espaço híbrido e reinventando a nossa relação com os locais, com as pessoas e com todos os bens de consumo.
Sem concretizar muito, praticamente todas as consultoras em poucos meses anunciaram um volume de mercado massivo gerado pelo metaverso a partir em 2030 (5 Triliões de dólares, no caso da Mckinsey, ou 13 triliões no caso da CITI, por ex.). Começava assim um dos maiores hypes da história deste século.
Contudo, a definição do que é o metaverso não estava de todo fechada e entusiastas de várias tecnologias começaram a disputar a própria definição. O conceito original de Neal Stephenson, onde mundos digitais são acessíveis a partir de óculos de realidade virtual, parece ter inspirado pelo menos parte da visão de Zuckerberg; mas em paralelo, plataformas Web3 como The Sandbox, Decentraland ou Madalia World (na Ilha da Madeira) anunciaram-se como metaversos (no plural) e começaram a promover a venda de propriedades digitais dentro dos seus mundos; jogos online como Fortnite ou Roblox, com comunidades massivas de gamers e uma economia digital própria, também se assumiram como parte integrante do metaverso; a Niantic, editora do jogo “Pokemon GO” promoveu a sua própria visão dum metaverso no mundo real, baseada em óculos de realidade aumentada; no Linkedin, brotam diariamente vários especialistas que se apresentam com anos de experiência; e finalmente, várias agências de marketing promovem o seu trabalho de 3D, animação, Inteligência Artificial ou até mesmo de software de colaboração como mais uma parte do seu percurso de sucesso no metaverso.
Ou seja, muito embora o Big Bang mediático do Metaverso tenha sido útil para reavivar o debate sobre o futuro da Internet e como o devemos construir, foi tudo o que se esperava duma grande explosão: confusa, caótica e a lançar mais duvidas que certezas.
Essa confusão em relação ao conceito, aliada ao hype, criou receios e inclusivamente preconceitos em relação a um cenário de evolução complexo para uma plataforma também complexa como a Internet. A associação inicial à realidade virtual e ao Facebook também não ajudou e serviu para reavivar uma série de preocupações na opinião pública relacionadas com privacidade dos dados, segurança, saúde mental e práticas de escapismo potenciadas pelo uso continuado da tecnologia.
Mesmo assim, o metaverso institucionalizou-se como tendência inevitável: já se encontra no Hype Cycle da Gartner, nas estratégias das principais organizações e em novas funções que começam a aparecer nas estruturas destas.
Por isso, em 2023 e em diante, não é credível uma retração neste movimento ou o desaparecimento desta tendência, mas sim um enfoque maior na resolução destes receios e preconceitos. Naturalmente, isto começa pela concretização duma definição do conceito que permita a todos partilharmos uma visão futura do metaverso, bem como o estado atual da tecnologia e o caminho até lá. A VR/AR Industrial Coalition, lançada pela Comissão Europeia, é uma iniciativa criada essencialmente com esse propósito.
Mas para além disso, acredito que em 2023 veremos um maior ímpeto na regulação, na identificação das idiossincrasias que cada uma destas tecnologias isoladamente e em conjunto trazem para as nossas vidas. Nesse sentido, o envolvimento de juristas neste tema é essencial.
Da mesma forma, todos nos apercebemos que o modelo preferido do Sr. Zuckerberg se baseia na recolha de dados pessoais e comportamentais dos consumidores. Felizmente, estamos hoje todos mais atentos a este tema. A promoção de ferramentas que salvaguardem a soberania sobre os nossos dados e como estes serão utilizados, a par de políticas públicas efetivas de privacidade e segurança que nos ajudem a preparar para esta realidade, serão igualmente uma preocupação em 2023. Nesta área, organizações como a XR Safety Initiative exploram estes impactos.
Finalmente, acredito que veremos em 2023 mais headsets de realidade virtual nas mãos dos consumidores, quer pela entrada no mercado de novos fabricantes (Sim, da Apple), quer pela necessidade que as operadoras de telecomunicações têm de promover serviços 5G. Possivelmente, alguns de nós vão assistir aos Festivais de Verão 2023 a partir de casa, mas em 3D.
Por tudo isto, depois do Big Bang, 2023 trará uma nova fase cosmológica para o metaverso. O início duma fase de construção da confiança necessária para que, no final, consigamos ter uma web que nos faz melhores humanos e, em paralelo, que nos permita evitar os problemas de fake news, deep fakes e falta de privacidade presentes na atual versão da Web. Que nos permita evitar passarmos duma era da pós-verdade para uma era de pós-realidade. E para que isso aconteça, não podem ser apenas tecnólogos como eu a construir o metaverso, mas sim todos nós. Porque os desafios, bem como as mais-valias, têm impacto civilizacional.
(*) CMO da KIT-AR
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