O Regulamento europeu não precisa de transposição e entrou em vigor a 17 de fevereiro, mas faltava regulamentar algumas áreas, sobretudo as relativas às entidades de coordenação mas também a definição das contraordenações e outras questões operacionais. A proposta tinha sido aprovada em Conselho de Ministros a 24 de outubro, numa reunião onde também recebeu luz verde a NIS2, e foi ontem aprovada na generalidade pelo Parlamento, com o voto a favor do PSD e CDS-PP, a abstenção do PS, PAN, BE e Livre e o voto contra do Chega, IL e PCP. Baixa agora à Comissão de Economia onde ainda pode sofrer alterações.
O regulamento é visto por muitos como a Constituição Digital da UE pela importância que tem na regulação dos serviços digitais, em conjunto com o regulamento dos mercados digitais (DMA na sigla em inglês). As novas regras do DSA (Digital Services Act) pretendem tornar a navegação online mais segura, justa e transparente aos utilizadores, sendo aplicadas a todas as plataformas online, depois do teste inicial com 19 serviços e plataformas.
Em Portugal a ANACOM assume o papel de Coordenador dos Serviços Digitais, tendo sido designadas como autoridades competentes a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), quando inicialmente estava proposto o IGAC para esta função. Ainda antes da proposta de regulamento ser aprovada pelo Conselho de Ministros, foi preparado um relatório para o Governo, realizado em apenas 90 dias por um grupo de trabalho liderado pela ANACOM, onde foram identificadas as necessidades de alteração legal ou regulamentar e também das 32 autoridades nacionais que se juntaram ao ecossistema, como foi partilhado.
O documento que foi ontem aprovado estabelece o regime de taxas aplicáveis às entidades sujeitas ao DSA e define o regime sancionatório e de supervisão no âmbito do DSA, assim como o dever de cooperação e coordenação entre as várias entidades competentes e relevantes. As coimas podem chegar a 6% do volume de negócios anual a nível mundial, e a aplicação é coordenada entre as autoridades competentes na Europa.
Luís Alexandre Correia, coordenador do grupo de Trabalho do DSC na ANACOM, adiantou esta semana no Festival dos Direitos Digitais que já existem queixas nas matérias que são abrangidas por este novo regulamento e que a expectativa é que o número venha a crescer com a divulgação do enquadramento regulatório.
Para já estão ainda em definição algumas áreas, como a escolha dos sinalizadores de confiança (trusted flaggers), entidades que terão a capacidade de identificar e remover conteúdos ilegais e que têm de ser escolhidas segundo uma série de critérios que a Comissão Europeia deverá ainda publicar.
Falta ainda a designação de um Conselho Consultivo para o regulamento, que deverá ser criado no espaço de 90 dias depois da entrada em vigor do diploma ontem aprovado.
Para compreender melhor o que está em causa com o Digital Services Act (DSA) , o SAPO TEK preparou um explicador baseado nos dados do regulamento:
O que é o Digital Services Act (DSA) também conhecido como Regulamento dos Serviços Digitais ou Lei de Serviços Digitais
O DSA pretende regular as obrigações dos serviços digitais e das plataformas que são intermediários na ligação dos consumidores a bens, serviços e conteúdo. Aqui estão incluídos os motores de busca mas também as redes sociais, websites e mercados online, entre outros.
A ideia é garantir maior proteção aos utilizadores, assegurando que tudo o que é ilegal offline seja também ilegal online e oferecendo mais proteção dos direitos fundamentais, transparência e responsabilização das plataformas sobre violações da lei.
Entre as obrigações estão a criação de medidas para combater conteúdos ilegais online, credibilização dos mercados para evitar fraudes de serviços e produtos, assegurar o direito de reclamação das decisões de moderação de conteúdo das plataformas, maior proteção dos menores e mitigação do risco de desinformação e manipulação eleitoral, violência cibernética contra mulheres ou danos a menores online.
Está também incluída a proibição de publicidade direcionada em plataformas online com perfis de crianças ou com base em categorias especiais de dados pessoais, como a etnia, opiniões políticas ou orientação sexual e a promoção de maior transparência para toda a publicidade em plataformas online e comunicações comerciais de influenciadores.
Os chamados “padrões escuros” das plataformas online, que designam alguns truques para manipular as escolhas dos utilizadores, estão também na mira da legislação e novas medidas pretendem garantir o acesso aos dados por parte dos investigadores das principais plataformas, de forma a escrutinar o seu funcionamento e a evolução dos riscos online.
Quem tem de cumprir as regras?
Todas as plataformas online com utilizadores na União Europeia terão de cumprir as novas regras, exceto as pequenas e micro empresas com menos de 50 trabalhadores e com uma faturação anual abaixo dos 10 milhões de euros. O regulamento já tinha sido lançada oficialmente na União Europeia em agosto de 2023, aplicada a 19 serviços, entre os quais 17 plataformas online de muito grande dimensão, com 45 milhões de utilizadores ativos mensais, que terão de cumprir as novas regras, entre as quais AliExpress, Amazon, Apple AppStore, Booking.com, Facebook, Google Play, Google Maps, Google Shopping, Instagram, LinkedIn, Pinterest, Snapchat, TikTok, Twitter, Wikipedia, YouTube e Zalando.
O DSA define o que é ilegal online?
Um dos pontos fortes da argumentação da DSA é que o que é ilegal offline deve ser ilegal online, mas os legisladores garantem que não cabe a esta lei determinar o que é ou não legal, já que isso está claro noutras leis europeias.
Por isso também ficaram de forma alguns detalhes que antes tinham sido apontados, como o caso da transmissão ilegal de jogos e eventos desportivos em plataformas que não detêm os direitos de transmissão. A relatora da DSA explicou mesmo que a opção foi não referir os casos específicos.
Quais são as novas obrigações?
As empresas listadas têm várias obrigações definidas no regulamento, algumas das quais são cumulativas com outra legislação em vigor e que se aplicam a quem presta serviços na União Europeia. Mais transparência, combate aos “padrões escuros” e uma supervisão única fazem parte da longa lista de regras definidas:
- Medidas para combater os conteúdos ilegais online, incluindo mercadorias e serviços ilícitos, incluindo a possibilidade dos utilizadores sinalizarem conteúdos ilegais para que as plataformas possam identificar e remover conteúdos ilícitos.
- Novas regras de rastreabilidade dos comerciantes nos mercados online, reduzindo as burlas online, sendo as plataformas obrigadas a verifica aleatoriamente nas suas bases de dados se os produtos ou serviços são legais.
- Garantias para os utilizadores, incluindo a possibilidade de contestar as decisões de moderação de conteúdos das plataformas, com base na nova notificação obrigatória dos utilizadores em caso de restrição ou remoção dos seus conteúdos.
- Medidas de transparência abrangentes para as plataformas online, incluindo melhores informações sobre os termos e condições, bem como transparência sobre os algoritmos utilizados para recomendar conteúdos ou produtos aos utilizadores.
- Novas obrigações em matéria de proteção de menores em todas as plataformas da União Europeia.
- A obrigação de as plataformas e motores de pesquisa online de muito grande dimensão evitarem abusos dos seus sistemas através da adoção de medidas baseadas no risco, com auditorias independentes. Abrangem a desinformação, a manipulação eleitoral, a ciberviolência contra as mulheres ou os danos causados aos menores online.
- Está previso um novo mecanismo de resposta a situações de crise em casos de ameaça grave para a saúde pública e de crises de segurança, como uma pandemia ou uma guerra.
- Proibição da publicidade direcionada nas plataformas online por meio da definição de perfis de crianças ou com base em categorias especiais de dados pessoais, como a etnia, as opiniões políticas ou a orientação sexual. Exige-se maior transparência em toda a publicidade nas plataformas online e nas comunicações comerciais dos influenciadores.
- Proibição de utilizar os chamados “padrões obscuros” na interface das plataformas online, referindo-se a algoritmos enganosos que manipulam os utilizadores levando-os a fazer escolhas que não pretendem fazer.
- Novas regras para permitir o acesso aos dados das principais plataformas, por parte dos investigadores, para analisarem o funcionamento das mesmas e a evolução dos riscos online.
- Mais direitos aos utilizadores, incluindo o direito de apresentar queixa à plataforma, de procurar a resolução extrajudicial de litígios, de apresentar queixa às autoridades nacionais na sua própria língua ou de procurar obter uma indemnização por incumprimento das regras.
- Uma estrutura de supervisão única, sendo a Comissão Europeia a principal entidade reguladora das plataformas e motores de pesquisa online de muito grande dimensão (chegando a 45 milhões de utilizadores). A supervisão de outras plataformas e motores de pesquisa fica a cargo dos Estados-Membros onde estão estabelecidos. Indica-se ainda que será criado um mecanismo de cooperação à escala da UE entre os reguladores nacionais e a Comissão. Os países tiveram de designar as autoridades competentes, os Digital Services Coordinators, até este sábado, 17 de fevereiro de 2024, sendo formado um grupo independente, que se designa como European Board for Digital Services.
- As regras em matéria de responsabilidade dos intermediários foram reconfirmadas e atualizadas pelo colegislador, incluindo a proibição a nível europeu de impor obrigações gerais de vigilância.
O que podem esperar os consumidores?
Espera-se que as novas regras tenham efeito prático na forma como as plataformas se relacionam com os consumidores e prestam serviços, e a Comissão Europeia aponta alguns resultados previstos do DSA, que se estendem mesmo a uma redução de preços:
- Proibição de práticas desleais, abrindo a possibilidade às empresas utilizadoras de oferecerem aos consumidores mais opções de serviços inovadores
- Melhor interoperabilidade com os serviços alternativos aos serviços dos controladores de acesso
- Possibilidades mais fáceis para os consumidores de mudar de plataforma se assim o desejarem
- Melhores serviços e preços mais baixos para os consumidores
Quais são as multas previstas?
Quem violar as regras agora aprovadas para o DSA vai ser penalizado com multas pesadas, que são graduais e dependem do âmbito, mas que podem chegar a 6% da faturação global das empresas no caso dos serviços digitais, um valor acima do que foi definidos no RGPD.
No caso de violação reiterada das regras os tribunais nacionais podem mesmo chegar a banir as empresas do território europeu.
Nota da Redação: Foi adicionada informação sobre a votação na generalidade. Última alteração 12h31
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