As empresas portuguesas que investem num conjunto relativamente básico de tecnologias de suporte à atividade têm uma produtividade maior. A diferença média é de 21 milhões de euros para 5,5 milhões de euros, de acordo com um estudo apresentado esta terça-feira pela Deloitte, na conferência Moving Forward to a Portugal Digital, organizada pela estrutura de missão Portugal Digital.
Desenvolvido pela consultora e pela Universidade de Coimbra, o estudo recorreu à análise de dados (INE) sobre a utilização da TIC nas empresas, para medir níveis de intensidade digital. Concluiu que, nas 6 mil organizações analisadas, só 6% têm condições para integrar um cluster digital, aqui definido como grupo de empresas que combinam os seguintes fatores: recrutam recursos TI, têm acesso à internet de alta velocidade (1 Gb/s ou mais) e usam, pelo menos, uma das seguintes tecnologias - cloud, big data, IA, IoT, robots, ou ERP + CRM. Verificou-se ainda que o peso destas empresas, onde se destacam as atividades de Reparação de Computadores e de Equipamento de Comunicação e Atividades de Informação e Comunicação, num conjunto de variáveis económicas é grande. Concentram, por exemplo, 24% do Valor Acrescentado Bruto e 27% do investimento.
Na comparação destes indicadores, entre grandes empresas e PME, no total da amostra, salta à vista a diferença flagrante, naquelas que conseguem atingir um nível básico de intensidade digital: 97,3% das grandes organizações e 70% das PME. Também aqui o critério de análise foi a utilização de ferramentas digitais, neste caso, cloud, big data, IA, ERP e CRM.
O estudo permitiu ainda tirar conclusões em relação ao impacto do investimento das empresas em recursos humanos especializados, sobretudo na área das TIC (os dois sectores que mais o fazem também são os apontados acima). Concluiu-se que estas empresas têm um efeito multiplicador em diferentes áreas: investem 10 vezes mais, têm uma produtividade nove vezes superior e o volume de negócios também é, em média, seis vezes superior.
Preços das comunicações em Portugal penalizam empresas
A pesquisa apresentada no evento promovido pela Estrutura de Missão Portugal Digital, analisou igualmente o impacto das infraestruturas disponíveis na digitalização das empresas. Verificou-se que as organizações com acesso a internet de alta velocidade têm uma produtividade maior - o seu VAB é quase três vezes maior que o do conjunto das 6 mil empresas analisadas.
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A este propósito, o relatório sublinha a importância de promover medidas que levem à redução dos preços das comunicações em Portugal, nomeadamente dos cabazes mais usados pelas empresas, sublinhando que o preço médio do cabaz de banda larga móvel e fixa em Portugal é muito superior à média europeia. A maior diferença identificada é na internet fixa, onde o valor médio apurado na UE representa o 15º melhor preço do ranking e Portugal só surge na 24ª posição da mesma tabela.
Pela voz de Rui Gidro, a Deloitte deixou no evento um conjunto de outras recomendações, que também constam desta Avaliação do Potencial Económico da Transição Digital em Portugal, apuradas tendo por base os números trabalhados, mas também o feedback recolhido em mais de 65 sessões de trabalho com diferentes partes interessadas (entre as quais, cinco workshops de auscultação e cinco sessões de discussão).
Recomenda-se que continuem a chegar ao terreno medidas que ajudem a promover a intensidade digital das PME e a utilização de tecnologias como a cloud, big data e IA neste segmento. Assim como medidas que reforcem os mecanismos de partilha de conhecimento entre empresas, associações e sector público.
No domínio das competências digitais sublinha-se a importância de capacitar as camadas de gestão das empresas com competências digitais e de procurar tirar mais e melhor partido dos programas nacionais e da UE, para aumentar o número de indivíduos com competências digitais.
Esta avaliação da Deloitte e da Universidade de Coimbra também dedicou espaço à análise dos apoios públicos disponíveis e aos progressos já feitos por Portugal, rumo às metas europeias da Década Digital. Concluiu que Portugal posiciona-se acima da média da União Europeia nas metas correspondentes ao nível de intensidade digital das PME e na adoção de inteligência artificial. Na adoção das tecnologias Cloud e Big Data fica abaixo desse indicador.
Em matéria de competências digitais, verificou-se que Portugal apresentou, em 2021, valores ligeiramente acima da média da União Europeia na maioria dos indicadores. Ainda assim, para alcançar as metas traçadas terá, por exemplo, que duplicar o número de especialistas em TIC até 2030, aumentar o número de mulheres especialistas em TIC e de licenciados nas mesmas áreas.
Também nas infraestruturas, Portugal consegue posicionar-se melhor que a média europeia em algumas áreas, como na cobertura por rede gigabit, e está bem lançado na cobertura do 5G, mas frisa-se que o país precisa de fomentar a participação nos planos europeus para um conjunto de áreas agora consideradas críticas para a região, como a produção de semicondutores, a implantação de nós periféricos ou a aceleração quântica.
Literacia digital e falta de recursos desafiam digitalização nas empresas
No primeiro debate do mesmo evento, centrado nos desafios e oportunidades do digital para Portugal, um dos temas mais destacados, do lado dos desafios, foi o da heterogeneidade do tecido empresarial português. Como destacou Luís Guerreiro, do IAPMEI, 99,9% das empresas são PMEs, com uma média de 3,2 pessoas, e apenas 1.704 são grandes organizações, com estruturas mais preparadas para as mudanças que a transição digital e energética exigem. Do lado da agência, explicou o mesmo responsável, tem-se tentado passar a mensagem ao tecido empresarial que “a digitalização tem de ser vista como um processo contínuo”, que implica coragem de rever processos, vencer resistências à mudança e literacia digital nas estruturas de decisão.
Alexandra Vilela, da Agência Nacional de Inovação, também colocou a tónica na heterogeneidade do sector empresarial, para recordar outros dois aspectos que condicionam o ritmo da digitalização das organizações: o sector onde se inserem e o território (acesso a infraestruturas de comunicações e outras).
A responsável lembrou ainda que, sendo as empresas organizações orientadas ao lucro, as suas prioridades em matéria de digitalização tendem, naturalmente, a orientar-se primeiro para as mudanças que permitam ganhos rápidos com menos investimento - relação com o cliente ou com a cadeia de valor. As medidas orientadas aos fatores de produção, com maior impacto potencial na economia, tardam em chegar ao terreno, pelo que é nessas áreas que os programas públicos têm um papel mais importante.
O desafio dos recursos humanos foi também apontado por todos os intervenientes neste debate, tanto pela escassez, como pela falta de capacidade das empresas para reter talento e pagar salários competitivos. Sem otimização pela digitalização não se alcançam níveis de produtividade que suportem melhores salários. Sem mais e melhores recursos, a modernização não se faz, como destacou Alexandra Vilela.
Sandra Fazenda, da APDC, trouxe ao debate o programa Upskill, conduzido pela associação e apontado como uma referência a nível internacional, entre as iniciativas de requalificação para as TIC. Fruto do contacto que estas e outras iniciativas da APDC têm permitido com o tecido empresarial, a responsável destacou a urgência de combater o desconhecimento da tecnologia e deixar claro às empresas que, sem mudar processos, a tecnologia pouco pode fazer. “As oportunidades rapidamente podem transformar-se em ameaças, se as empresas não tiverem as ferramentas certas”. Uma forma de lá chegar, defendeu, é terem um “champion”, responsável por identificar os melhores caminhos para a digitalização da sua organização e que seja capaz de “energizar a mudança”.
Por entre grandes desafios também se reconhecem grandes oportunidades. Joana Almodóvar sublinhou as que se relacionam com o momento de redefinição da indústria europeia e da sua capacidade produtiva, em áreas como os semicondutores e outras. A responsável do Gabinete de Estratégia e Estudos defendeu que “o posicionamento de Portugal [nesta reindustrialização da Europa] não está fechado” e a digitalização deve ser encarada, não só como uma via para modernizar o que já existe, mas também para tentar capitalizar sobre estas novas oportunidades.
Com os fundos do PRR a chegarem ao terreno e o Portugal 2030 no horizonte, os oradores sublinharam a importância de selecionar bem os projetos a apoiar, considerando que é importante que sejam de empresas, mas também dos ecossistemas que as envolvem e que têm um papel fundamental na sua modernização. Importa garantir mecanismos para ir adaptando os instrumentos às necessidades do mercado, o que exige uma boa capacidade de monitorização de resultados, promover cada vez mais a colaboração e continuar a apostar em força nas qualificações, sublinhou-se também.
Estratégias Nacionais de Dados, Web 3 e Territórios Inteligentes em preparação
A conferência Moving Forward to a Portugal Digital foi iniciada por Mário Campolargo, secretário de Estado da Digitalização e Modernização Administrativa, que passou em revista boa parte das medidas do Governo na área da digitalização e capacitação de recursos humanos nas empresas. Referindo, por exemplo, o lançamento esta semana da rede nacional de Test Beds.
O responsável garantiu que o executivo tem como prioridade, nesta fase, consolidar os resultados e competências já desenvolvidas e criar outras, que ajudem a afirmar um Portugal mais competitivo e que alinhem com as metas da Década Digital.
Nesse espírito, lembrou que está em marcha o processo de auscultação para uma nova estratégia para o digital, que irá vigorar até 2030. Esta estratégia macro vai articular com um conjunto de Estratégias Nacionais mais específicas, num conjunto de áreas consideradas críticas: dados, Web 3, territórios inteligentes e inteligência artificial, a lançar ainda este ano. No caso da IA trata-se de uma revisão da estratégia já em vigor, que vai beber à experiência das iniciativas entretanto realizadas.
Mário Campolargo sublinhou ainda que Portugal está neste momento a assumir a liderança da aliança Digital Nations, que junta os países com melhores serviços públicos em linha. No último ano subiu uma posição no DESI, o índice de digitalização da União Europeia e desde 2010 melhorou 10 posições no Open Data Maturity Report, como resultados concretos do trabalho que tem vindo a ser feito no domínio da digitalização.
O secretário de Estado sublinhou, no entanto, que “o potencial económico da transição digital não se realiza via decreto”. O Governo criou a visão estratégica, alocou os meios humanos e técnicos, “mas é do lado das pessoas e das empresas que está o capital humano capaz de transformar as nossas instituições, a nossa economia e a nossa sociedade”.
Recorde-se que Portugal aloca 20% do PRR à transição digital e no PT2030 fará também uma aposta significativa nesta área, através do Programa para a Inovação e Transição Digital, com uma dotação que ronda os 4 mil milhões de euros.
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