A iniciativa foi hoje apresentada no Lisboa Games Week e quer reunir toda a comunidade ligada aos videojogos em Portugal: desde a indústria de produção, a academia, os investidores, entidades públicas governamentais, organismos privados e qualquer outro stakeholder que tenha interesse no tema. O objetivo é claro: não só fomentar a indústria de produção nacional, como procurar o reconhecimento internacional.
Foi este o tema de uma das palestras no âmbito do Lisboa Games Week, cuja próxima edição ficou agora marcado para os dias 17 a 20 de novembro de 2022, mas a Fundação AIP/FIL não quis deixar hoje de lançar a “primeira pedra” dos seus planos, referindo que a ligação à indústria nacional de produção de videojogos é muito importante.
O painel de apresentação do Digital Valley fez essa ligação e contou com a presença do seu líder Carlos Mora, juntamente com outras entidades, da APVP (Associação de Produtores de Videojogos Portugueses), a Fundação AIP, TECPARQUES, Techframe e Portugal Ventures.
Carlos Mora revelou alguns números sobre a indústria dos videojogos em Portugal, que vale 31 milhões de euros e conta com 1.270 profissionais ligados à produção, em empresas como a Miniclip, Marmelade, assim como em inúmeros estúdios independentes que nos últimos anos têm mostrado os seus projetos em iniciativas como os Prémios PlayStation Talents, IndieX e promovidos pela APVP.
Segundo Carlos Mora, que também é professor na Tech Frame, o Digital Valley é um movimento agregador para criar um cluster de videojogos em Portugal. O mercado é dinâmico e faturou 31 milhões de euros por ano, entre 2016 e 2019, que é um número interessante para Portugal, mas uma gota no oceano quando comparado com o valor do mercado mundial. No Reino Unido a indústria faturou 2,9 mil milhões em 2012 e 4 mil milhões em 2014, tendo 1.500 empresas e 60 cursos dedicados a videojogos. Mais uma vez, uma enorme disparidade com a realidade nacional. Olhando para Espanha, fatura-se 2 mil milhões de euros por ano.
E quem são os atores? O ensino superior e o ensino profissionalizante, ambos são necessários para a indústria diz Carlos Mora. Há também empreendedores que desejam criar a sua empresa e ter na mão o futuro do seu projeto. A imprensa, incluindo bloggers e influenciadores, também contabilizam para a comunicação dos projetos. As empresas âncora são empresas estrangeiras que chegam a Portugal para investir. Os Parques de Ciência e Tecnologia também vão ser importantes neste movimento, para alojar as startups e produtos de videojogos.
Depois “o dinheiro tem que vir de algum lado, e por isso os Business Angels, um tio ou irmão, podem ser financiadores de projetos, assim como entidades que podem ajudar, tais como empresas de capitais de risco”, explica Carlos Mora. As Associações, numa primeira linha, representam as empresas e os profissionais da área, e por fim as agências de captação. O legislador deve também intervir na formação do sector, defende.
E como se vai organizar? Tem um Board com atores que vão contribuir com as orientações. Há 19 pontos planeados, incluindo a formação e especialização, com a academia a definir os cursos com a informação que as empresas e produtos necessitam. A investigação e disseminação de conhecimento são áreas de vanguarda tecnológica e é necessário fazer investigação.
O ponto seguinte é a sensibilização, dizer à comunidade que não se trata de um grupo de nerds com novas ideias, mas sim algo com impacto que pode gerar muitas receitas. A instalação e sedimentação de novos talentos, que tragam da academia novos jovens para trabalhar na indústria. A promoção de eventos e as redes de financiamento são também pontos a reter. Por fim, a criação de uma Marca “jogos made in Portugal” e projeção internacional. O quadro fiscal é também um dos pontos desde movimento.
Um caminho que pretende ser trilhado com o envolvimento de todos os players da indústria
A TechFrame, representada por Gorete Lopes, diz que embora a empresa não estivesse ligada a esta área, nos últimos anos começou a produzir um videojogo “Universe 51”. Os fundadores estão ligados ao ensino superior, tiveram de formar jovens, obtiveram apoios de alunos que estagiaram em Inglaterra. Na empresa deparou-se com diversos problemas, incluindo o investimento, que está a fazer com capitais próprios.
Agora sente necessidade de dar o passo seguinte, ter acesso a inventivos fiscais e de financiamento que são escassos em Portugal, para o desenvolver o projeto que tinham em mãos. A empresa acabou por formar os próprios trabalhadores e nesse sentido, começou a contactar o resto da indústria para criar uma academia que fosse boa para todos.
A TechFrame passou a trabalhar para criar não só a formar profissionais como a ajudar a resolver a parte “burocrática” associada à indústria. “Já existem alguns apoios, a nível de autarquias, por exemplo”, afirma. O objetivo é, no fundo, criar uma organização que albergue os diversos players da indústria, de forma a envolver as entidades, a industria e associações para de alguma forma chegar às entidades governamentais.
Para Pedro Saraiva da Tecparques este projeto é um grande desafio. O responsável pela rede nacional, com 23 parques tecnológicos, tem como desafio “sentar” pessoas em todo o país. Acredita que com a pandemia não vão todos voltar aos espaços físicos. Quando os espaços foram criados era disponibilizar ecossistemas para apoiar de diversas formas, interligando e apresentando a quem tem uma ideia de negócio, encontrar parceiros para as desenvolver, acesso a financiamentos, apoio institucional, etc.
Da Portugal Ventures, Helena Maio, tem estado investida em diversos projetos semelhantes. Trata-se de um parceiro que serve para mitigar os riscos, mas também potenciar o investimento. “Fiquei contente porque as duas primeiras empresas mostradas no pequeno vídeo de apresentação tiveram o nosso apoio”, salienta. Em 2006 fez o primeiro investimento ligado a videojogos, acrescentando que uns correram bem outros não tanto, mas que se aprendeu sempre, referindo que se trata de um sector que é preciso ter atenção, referindo que a industria cresceu 12,5% durante a pandemia, quando outros simplesmente pararam devido à COVID-19. E reforça que os videojogos é uma indústria mais importante que o cinema e música, com projeção de crescimento de 15% por ano. “Os investidores não podem deixar passar este tipo de oportunidades”, referindo-se à indústria dos videojogos.
Para a Fundação AIP, representada por Fátima Vila Maior, a participação é ajudar na economia e apoiar o crescimento das empresas. Diz que organizou em 2013 e 2015 os eventos culturais de Lisboa, tendo nas suas últimas seis edições do Lisboa Games Week mostrado o melhor que se faz em videojogos em Portugal, dentro do que se faz a nível internacional. “O Lisboa Games Week já está ao nível de um Madrid Games Week, entre outros eventos internacionais”.
O Digital Valley acaba por ser uma montra, um fechar de um círculo de um caminho que a associação tem vindo a trilhar, trazendo para Portugal nomes internacionais. Acredita que o gaming vai ter saídas profissionais muito interessantes, com médias de salário acima do que atualmente estamos habituados no país. Salienta que recebeu 63 mil pessoas no seu espaço de 20 mil metros quadrados na última edição presencial do Lisboa Games Week, e, portanto, vê a sua posição de apoio para uma indústria que funciona como um todo.
Para Ricardo Flores, da Associação de produtores, este movimento Digital Valley faz todo o sentido, para ajudar em todos os aspectos, da formação, ligação às universidades, apoiar economicamente, a fim dos projetos chegarem mesmo ao mercado. “Os produtores portugueses ou estrangeiros a investir em Portugal têm todo o interesse que o ecossistema cresça, que receba massa critica para se impor na área criativa em Portugal”. O produtor diz que a pandemia trouxe muitos “olhos” para Portugal, assim como muitos profissionais que regressaram ao país para trabalhar remotamente lá para fora. Diz que Portugal pode ser um hub de contratação de talento, para trabalhar cá dentro e lá para fora. Existem áreas nos videojogos onde os estúdios se juntam e partilham recursos, e vê este movimento como incentivador de unir os estúdios e produtores.
Gorete Lopes defende que o Digital Valley pretende ser inclusivo, oferecer condições a todos, mas que os seus membros devem estar disponíveis para prestar os seus serviços. Diz que isso é bom, para mostrar que existe mão de obra especializada, uma vez que os jogos são transversais a todas as tecnologias. Ser um fornecedor de serviços vai poder enriquecer o cluster.
Para a Portugal Ventures, a indústria representa sempre um risco, mas também é aliciante por ser altamente compensatória. Quando a entidade acredita nos projetos diz que investe com capitais de risco, “sem pedir contrapartidas quando algo não corre bem”. Mas é realista quando diz que não são logo a venda dos jogos produzidos que vai significar o retorno investido, mas a possibilidade de uma empresa ser depois adquirida por uma empresa maior, internacional.
Perguntou-se da plateia, o que é que, em termos de financiamento, não funcionou até agora, e o que agora vai começar a funcionar. Gorete Lopes diz que se pretende fazer um calendário de ação, onde são atribuídas responsabilidades nas áreas críticas, incluindo os apoios e financiamentos. Da sua parte, quer contribuir com a organização, o compromisso em estabelecer os contactos e promoções, abertas a propostas para serem encaminhadas aos parceiros corretos.
O SAPO TEK perguntou qual a diferença entre o Game Invest, há 15 anos, onde a Portugal Ventures investiu e diz ter perdido, o que tirou credibilidade à indústria. Mas Helena Maio lembra que a indústria fez um longo caminho, e que o estado atual não é comparável. Não se está a falar apenas em videojogos para entretenimento, mas gamificação para empresas, para sistemas de saúde, fisioterapia, etc. A indústria da publicidade também está de olhos postos nos videojogos, nas marcas que colocam os seus produtos nos títulos mais famosos.
A maturidade de 2006 e em 2021 é totalmente diferente, salienta Helena Maio. Ricardo Flores acrescenta que apesar do Game Invest “não ter dado em nada”, muitos dos profissionais hoje a trabalhar na indústria vieram dessa iniciativa, que têm agora muitos anos de experiência, seja em Portugal e no estrangeiro e nunca pararam de trabalhar.
E se correr bem? Portugal está preparado para essa escalada? Pedro Saraiva diz que se trata de pessoas, há que haver uma cultura de empreendedorismo, pedras que são fundamentais para assegurar a manutenção da indústria. Mas remata que o potencial está lá.
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