A inteligência artificial é uma das tecnologias emergentes que mais está a fazer “mexer” as economias, pela enorme quantidade de empresas a desenvolverem soluções tirando partido de IA, pela muito investigação que continua a fazer-se neste domínio e pelos milhares de milhões de euros em planos de investimento públicos e privados, já apresentados por diversos países.
Algumas das tecnologias que já estão a mudar o mundo e os negócios, graças ao poder da IA, foram ou estão a ser desenvolvidas e operadas a partir de Portugal. É tecnologia portuguesa baseada em IA que suporta os sistemas de deteção de fraude nas transações financeiras de 800 milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo os clientes de quatro dos cinco maiores bancos da América do Norte (Feedzai).
É tecnologia portuguesa, que 1800 empresas em todo o mundo usam quando interagem com os clientes a partir de uma plataforma desenvolvida pela Talkdesk, fortemente apoiada em IA. Como é também tecnologia portuguesa a que ajuda várias empresas do índice Fortune 500 a criar e treinar modelos de IA para assistentes virtuais e outras aplicações (DefinedCrowd), ou que ajuda empresas como a Booking.com ou a Logitech a responderem mais depressa ao cliente, porque conseguem traduzir rapidamente pedidos de apoio em diferentes línguas.
Este artigo integra o Especial Inteligência Artificial em Portugal
Este último exemplo refere-se à tecnologia da Unbabel, que hoje tem hubs de inovação nos Estados Unidos, na Alemanha, no Reino Unido e em Portugal e escritórios cá e em várias cidades dos EUA, integrando 175 colaboradores de 26 países, que trazem para a cultura da empresa 17 idiomas.
A Unbabel trabalha para eliminar barreiras linguísticas e fá-lo através de uma plataforma de tradução, que combina o poder da IA com o rigor de uma comunidade de tradutores humanos, que validam a tradução automática das máquinas. O software tem sido usado sobretudo em serviços de apoio ao cliente e, segundo dados da empresa, pode ajudar a diminuir tempos de resposta em cinco vezes. Tem na lista de clientes nomes como o Facebook ou a Microsoft, a PayPal ou a Under Armour, para além dos já referidos acima.
A Unbabel tem hubs de inovação nos Estados Unidos, na Alemanha, no Reino Unido e em Portugal e escritórios cá e em várias cidades dos EUA, integrando 175 colaboradores de 26 países, que trazem para a cultura da empresa 17 idiomas
Este ano, o grande objetivo da tecnológica portuguesa está em levar a plataforma para novos voos, que é como quem diz, para novas áreas de negócio. “A nossa plataforma começou por ser utilizada no serviço ao cliente, mas o futuro será ampliar a oferta. Isto implica continuar a desenvolver a IA para responder a novos desafios e à nossa missão, que é resolver o problema da barreira linguística”, explica Vasco Pedro.
No final do ano passado, a empresa anunciou um projeto de I&D que pretende melhorar a capacidade de desenvolver conversas multilingue em chats, numa parceria com a Universidade de Carnegie Mellon, o INESC-ID e o Instituto de Telecomunicações. O MAIA – Multilingual AI Agent Assistants continua este ano, com o objetivo de “construir diferentes tecnologias de machine learning para atendimento ao cliente online multilingue, onde agentes humanos são assistidos por agentes de IA” e é mais uma das atividades que ocupa 2021. “No fundo, isto significa que continuaremos a desenvolver melhorias na tradução automática que permitem avaliar o contexto da conversa, proceder a respostas automáticas e estimar a qualidade do diálogo e no futuro teremos novidades”, acrescenta o CEO e cofundador.
Didimo: Humanos digitais de alta fidelidade
A Didimo é outra startup made in Portugal que faz da IA a tecnologia central da sua proposta de negócio. A empresa, que se divide entre Portugal, Reino Unido, EUA e Canadá cria modelos digitais de alta fidelidade de cada pessoa, para interações online. A tecnologia que desenvolveu consegue criar um humano digital em 90 segundos. Como funciona a tecnologia e como tira partido da IA? A Didimo desenvolveu uma nova abordagem para extrapolar dados anatómicos 3D, a partir de imagens de origem 2D, em tempo de execução.
“Para alavancar a IA primeiro temos uma visão computacional que é utilizada para modelar programaticamente uma entrada 2D (como uma foto ou selfie) e fazer a tradução para o espaço 3D”, explica João Orvalho, Head of Technology da empresa. A Didimo também recorre à IA, na vertente de machine learning, para virtualizar programaticamente qualquer morfologia facial no mundo, a partir do treino de um modelo para o que é um 'rosto' no espaço 3D.
“Isto significa que o nosso pipeline pode ler uma fotografia e criar um didimo único que corresponda exatamente ao utilizador. Não necessita de informações como a escolha do sexo, raça ou idade. Não necessita de ajustes. O pipeline devolve simples e rapidamente o duplo digital único de um utilizador”, acrescenta João Orvalho.
Na prática, a tecnologia da Didimo pode ser usada nas mais diversas áreas, para melhorar experiências de compra ou de entretenimento. Por exemplo, pode ser usada para personalizar personagens de jogos, com aparências autênticas de humanos, permitindo aos jogadores verem-se a si próprios e aos amigos, nos seus jogos favoritos.
Como forma de personalizar experiências de compra, permite aos consumidores verem-se nos últimos modelos de roupa, acessórios ou produtos de beleza, o que para as marcas pode ser uma oportunidade para melhorar a satisfação do cliente online, mas também de baixar a taxa de devoluções dos artigos.
"O nosso pipeline pode ler uma fotografia e criar um didimo único que corresponda exatamente ao utilizador. Não necessita de informações como a escolha do sexo, raça ou idade. Não necessita de ajustes. O pipeline devolve simples e rapidamente o duplo digital único de um utilizador”, João Orvalho, Didimo
Em ambientes profissionais, a Didimo acredita que a sua tecnologia pode ajudar a criar ligações humanas nas plataformas de colaboração XR (realidade virtual aumentada ou mista), aumentando a colaboração e a eficiência dos trabalhadores e criando 'forças de trabalho digitais' mais humanas e credíveis.
A empresa tem operações em Portugal, no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Canadá, mas é no Porto que concentra mais recursos, nomeadamente a equipa técnica, de engenharia e de investigação. 2021 é um ano importante para o projeto, que nasceu em 2016 pelas mãos de uma investigadora distinguida pelo trabalho na área da IA. É o ano da comercialização da plataforma, que aperfeiçoa o trabalho acumulado, já testado por empresas como a Amazon ou a Sony
Para este ano, no roadmap da Didimo, está o lançamento de uma nova versão do Digital Human Generation pipeline, uma nova geração de humanos digitais com maior fidelidade e mais apurada na capacidade de mostrar semelhanças com o utilizador. “ Este novo pipeline irá estabelecer uma plataforma que nos permitirá avançar continuamente na fidelidade do didimo e implementar novas funcionalidades durante o segundo semestre do ano”, explica João Orvalho.
Talkdesk quer automatizar 80% das interações dos seus clientes
A Talkdesk tornou-se popular a nível global por causa da sua solução cloud para contact centers. Nos últimos anos a inteligência artificial transformou-se numa peça chave, para manter a diferenciação do produto e é uma das áreas onde o unicórnio português investe em força. Tem uma unidade só dedicada à IA que, como explica Pedro Andrade, Head of Automation da empresa, “possui recursos próprios, a desenvolver tecnologia própria, treinada e adaptada ao mundo dos contact centers”.
A Inteligência Artificial é usada para resolver três tipos de problemas: identificar situações que geram contactos, incrementar a capacidade de self-service pelos contactos e ajudar os agentes a resolver os problemas de forma mais rápida e correta. Vai ser crítica para ajudar a tecnológica a atingir o objetivo de automatizar 80% de todas as interações entre marcas e clientes.
Uma das inovações mais recentes, alinhada com estes objetivos, é o AI Trainer, uma ferramenta de Human-in-the-loop para contact centers, que já está no mercado e que a empresa garante ser pioneira.
O objetivo do AI Trainer é ajudar os clientes da empresa a resolverem um maior número de casos de forma automatizada, poupando custos, garantindo rigor e mantendo os clientes satisfeitos. Como? “Enquanto a maioria dos sistemas de inteligência artificial necessita da contratação de data scientists altamente especializados, a praticidade do AI Trainer permite que agentes com conhecimento especializado melhorem os modelos de IA de forma autónoma”, detalha Pedro Andrade. A Talkdesk soma hoje 1800 pessoas, que se dividem por Portugal, Reino Unido, França, Estados Unidos, Espanha e Austrália
DefinedCrowd aproxima português europeu do mundo dos assistentes virtuais
A inteligência artificial também é a base do negócio da DefinedCrowd. A empresa fundada por Daniela Braga desenvolveu uma plataforma inteligente de recolha, enriquecimento, processamento e transformação de dados para sistemas de Inteligência Artificial (IA) e Aprendizagem Automática e disponibiliza um conjunto de recursos para acelerar a criação de modelos de IA, que os clientes podem personalizar para os mais diversos fins.
Com várias empresas do ranking Fortune 500 na lista de clientes, a startup tem hoje escritórios em Lisboa e Porto, nos Estados Unidos e no Japão. Este ano, um dos projetos importantes da DefinedCrowd é continuar a expandir as suas bases de dados com novos modelos de reconhecimento para línguas europeias, incluindo o português de Portugal.
A preparação destes datasets vem dar resposta a um mercado com muita procura, admite Francisco España e abre caminho a um conjunto de novas integrações, entre serviços das mais diversas áreas e as plataformas de IA que interagem com os utilizadores, destaca o vice-presidente e diretor-geral da empresa. Por exemplo, torna mais provável que em breve seja possível encomendar Uber Eats em português de Portugal, através de assistentes pessoais como a Alexa.
Para além disto, o foco dos desenvolvimentos da empresa em 2021 continuam a passar por “simplificar o processo de construir IA”, sobretudo neste domínio dos serviços de assistentes virtuais. A empresa tem vindo a trabalhar na criação de um marketplace, que pretende ser um cockpit de instrumentos para quem está a criar modelos de IA, possa encontrar num mesmo local todas as peças que precisa para “montar o puzzle”. “Desde encontrar dados, treinar modelos e ter acesso a ferramentas, encontrar modelos já feitos, está tudo ali, quase como um projeto chave-na-mão, para poder criar os seus próprios modelos”, explica Francisco España.
Feedzai premiada por usar uma IA responsável
A Feedzai investe anualmente mais de um quarto dos resultados em inovação, que vai direitinha para melhorias na plataforma de deteção de fraude que instituições financeiras usam em todo o mundo. A empresa gera cerca de uma patente por mês, inovações que vai integrando no produto, através de várias atualizações ao longo do ano. Em 2021, quer manter o ritmo e está também a trabalhar para melhorar a usabilidade da plataforma e a qualidade dos modelos de machine learning, sempre numa lógica de “responsible AI”, como sublinha Pedro Bizarro, um princípio que lhe tem valido notoriedade e prémios.
A empresa que este ano se converteu no quarto unicórnio português, desenvolveu recentemente a tecnologia Fair Band, um algoritmo que acabou por ser já distinguido com vários prémios. Que particularidades tem? “Consegue encontrar modelos de machine learning que, não só são bons para detetar fraude, como são justos e afetam grupos diferentes de pessoas da mesma forma, por oposição a algoritmos que são muito bons, mas que bloqueiam uma área muito mais do que outra”, explica o cofundador e Chief Science Officer.
A Feedzai desenvolveu um algoritmo que já recebeu vários prémios, por ser um exemplo de uma utilização responsável da IA. Considera a paridade entre vários grupos e só admite modelos que façam esse equilíbrio, conseguindo fazê-lo de forma eficiente, sem que represente um custo adicional em termos de tempo para o cientista que está a criar o modelo
Os modelos enviesados podem fazer com que pessoas de um determinado grupo - se o modelo por exemplo der mais preponderância a uma zona do país que a outras - seja entre cinco a 10 vezes mais afetado que outro, e na sequência disso se veja impedido de abrir contas, ou ter acesso a outras operações.
“O algoritmo desenvolvido pela Feedzai considera a paridade entre os vários grupos, só admite modelos que façam esse equilíbrio e consegue fazê-lo de forma eficiente. Ou seja, para o cientista que está a criar o modelo o custo é o mesmo. Não vai perder mais tempo”, explica Pedro Bizarro.
Estes são apenas alguns exemplos entre as empresas portuguesas que já se tornaram ou prometem tornar-se uma referência global, graças à utilização que estão a fazer das tecnologias de inteligência artificial. Mas o quadro está longe de estar completo, muitos outros exemplos podiam ser apontados. E em breve muitos mais pode haver para apontar.
Novos projetos a caminho: que áreas se destacam?
A Faber gere um fundo que tem na IA - e tecnologias emergentes - a sua grande área de eleição e que apresenta como o primeiro fundo do sul da Europa especializado em empresas de dados e IA. Foi lançado em novembro do ano passado e já investiu em nove startups. Prossegue com a seleção de startups e com a angariação de investimento até aos 30 milhões previstos, mas entretanto já detalhou quatro investimentos, que testemunham a dinâmica de novos projetos de IA no mercado nacional.
Dois são em startups centradas na componente de infraestruturas de dados, “que se focam em resolver os problemas do acesso a dados de qualidade, privacidade e transparência dos algoritmos nas organizações”, explica Sofia Santos, partner da sociedade de capital de risco. Além da Ydata e da Aprés, o fundo já tinha investido na Sword Health e na Emotai.
A Sword desenvolveu um conceito de fisioterapia digital, assente numa solução patenteada que com o apoio de sensores e IA permite seguir um programa de tratamento à distância. A Emotai, mais recente, está focada na neurotecnologia, com uma solução que usa dados recolhidos por um dispositivo e algoritmos proprietários, para impactar de forma positiva a performance humana, em contextos como o desporto motorizado de alta competição ou de burnout em trabalho remoto. Os cinco investidores que falta anunciar estão a trabalhar em soluções baseadas em IA, para áreas como a biometria, cibersegurança, automação, eficiência de transportes, logística e saúde digital.
"O que consideramos encorajador para o futuro é pensar que os unicórnios de hoje resultam de projetos iniciados há 5-10 anos (ou mais) e, atualmente, vemos um volume significativamente maior de projetos em fase inicial, a serem lançados por equipas altamente qualificadas”, Sofia Santos, Faber.
Entre o que observa no mercado e a experiência acumulada com as empresas onde investe, a Faber acredita que as áreas da IA mais promissoras em Portugal passam por “aplicações inovadoras de machine learning ou de processamento de linguagem natural que é, de facto, pelo que temos analisado, uma das áreas onde Portugal tem potencial pelo talento e trabalho de I&D na academia”.
“Outras áreas como a visão por computador, o reconhecimento de voz e a robótica social, são também áreas de investigação que temos visto como relevantes no domínio da academia e talento produzido pelas universidades em Portugal”, elenca Sofia Santos.
Em termos de aplicação industrial, o potencial para a IA em Portugal estará sobretudo nas áreas que estão a ser transformadas de uma forma mais drástica por estas tecnologias, como é o caso da indústria 4.0, mobilidade, saúde ou área financeira.
No entanto, a Faber deixa um alerta: “estas transformações esperam-se drásticas, mas a criação de empresas relevantes demora tempo e mais do que a sua valorização financeira é importante criar as condições e ter o capital paciente para que sejam empresas sólidas no futuro e consigam resolver os desafios complexos a que se propõem”.
Dito isto, há também uma nota positiva para não descurar: “o que consideramos encorajador para o futuro é pensar que os unicórnios de hoje resultam de projetos iniciados há 5-10 anos (ou mais) e, atualmente, vemos um volume significativamente maior de projetos em fase inicial, a serem lançados por equipas altamente qualificadas”, sublinha Sofia Santos.
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