A tecnologia não é nova e há empresas e pessoas que já começaram a trabalhar com a realidade virtual ainda no início da década de 90 do século passado, como António Câmara da YDreams. A realidade aumentada veio quase logo a seguir, mas ainda não há propriamente uma massificação de soluções disponíveis no dia a dia das empresas e dos utilizadores finais. O potencial existe, e é grande, como reconheceu um painel de oradores portugueses na conferência global VR/AR Global Summit Online.
Os últimos dados da VRARA Portugal, a associação do sector que agora se juntou à APDC, apontam para que existam em Portugal cerca de 100 organizações a trabalhar em realidade aumentada e virtual. Mas isso quer dizer que o mercado está maduro?
“Portugal é sempre um bom lugar para começar um piloto e não escalar. Agora acho que há poucas pessoas que realmente entendem a revolução que se avizinha na próxima década. Tudo vai mudar”, afirmou António Câmara, professor universitário e um dos pioneiros desta área em Portugal, que tem atualmente três empresas focadas neste segmento, com projetos para a indústria mas também na área de gaming e eSports.
“Todos falam de transformação digital mas essa transformação é patética comparada com o que vamos ver nos próximos 10 anos”, defende António Câmara, explicando que a revolução vai acontecer quando fizermos a ponte entre o mundo real e o mundo virtual.
Para António Câmara, “em Portugal as instituições não percebem o potencial incrível que temos. Temos talento de classe mundial, podemos competir com qualquer um, defendeu durante a conferência, afirmando que é tempo de ser arrojado. “Temos tudo para sermos líderes mundiais, e em especial na Europa, onde a maioria das empresas que eram concorrentes da Ydreams nos últimos anos foram compradas pelos americanos ou faliram”, adianta, dizendo que “nós continuamos cá neste canto da Europa e podemos concorrer com qualquer um agora”.
Miguel Marques Paulo, da Siemens e Tiago Loureiro, VRARA Portugal, falaram também de vários exemplos de projetos que estão a ser desenvolvidos na área da indústria e do gaming, e do potencial que existe nos dois mundos que não estão assim tão distantes.
Mesmo assim, João Ricardo Moreira, da NOS Telecom, não se mostra muito otimista. “Não acho o mercado português maduro. As empresas estão a dar alguma atenção à tendência, mas ainda acreditam que é para fun ou nice to have, thick a box e dizer já fis, mas não estão conscientes do papel e potencial desta tendência”, afirmou.
“Tendem a ver o AR/ VR como um tópico de futuro, e é errado, porque é uma questão de presente, que já começou há muito tempo. E é importante pensar como é importante dominar esta linguagem, criando conteúdo, e permitir aos clientes interagir diretamente”, defendeu o executivo da NOS.
Uma estratégia que deve ser global
Mesmo com o ecossistema a crescer, Portugal é um mercado limitado para escalar soluções de tecnologias imersivas, uma ideia que ganhou consenso entre todos os oradores do painel.
“Há muitas empresas em Portugal a trabalhar há muito tempo nesta área”, reconhece Tiago Loureiro, que afirma que quem é suficientemente corajoso para investir numa área onde só conseguimos ver alguns dos passos à nossa frente merece atenção. O co-fundador da VRARA Portugal já trabalha há mais de uma década em realidade aumentada e virtual e lembra que compara o sector aos computadores pessoais nos anos 80. “Ninguém sabia bem para onde ia, a IBM achava que era uma loucura toda a gente ter um PC em casa, e vejamos agora onde estamos”, afirma.
Tiago Loureiro sublinha que “temos de pensar que o mercado é global. Por estarmos em Portugal não temos de vender em Portugal”, as empresas têm de olhar para o mundo global. “Tens de olhar um passo à frente e ver onde está a demografia e os clientes. Se souberes do que estás a falar, estando em qualquer lado, se tiveres boa internet e bom talento as pessoas vão ouvir o que tens a dizer, e ver o que tens para mostrar, e isso é o melhor cartão de negócio”. Mesmo assim defende que Portugal pode ser a localização ideal para começar, já que não há dificuldade em atrair grande talento.
Também João Ricardo Moreira defende que “temos muitas condições para prototipar e pilotar muitas soluções, mas não para escalar”, sublinhando porém que o primeiro passo é importante, trazer o conhecimento e competência e enquadrar nas necessidades de negócio, até porque as interações com os clientes são cada vez mais exigentes e no domínio da realidade aumentada e virtual estão muitas das respostas.
Na Siemens as soluções que estão a ser desenvolvidas a partir de Portugal são dirigidas aos colaboradores da empresa em todo o mundo, mas com a experiência e conhecimento dos mercados internacionais, Miguel Marques Paulo reconhece que ainda é muito difícil competir com outros mercados.
”É difícil concorrer em escala e no desenvolvimento de projetos. A Europa não está a crescer tão rápido como era esperado”, indica Miguel Marques Paulo, apontando projetos nos Estados Unidos mas também no Japão e na Coreia que estão muito mais avançados, também já com o 5G.
Um futuro muito próximo, mas com uma evolução gradual
O desenvolvimento dos headsets de realidade virtual, e a prometida entrada da Apple no mercado, podem ser os grandes impulsionadores da massificação das tecnologias imersivas, mas o 5G vem também dar uma ajuda importante, associada à mobilidade e ao potencial da velocidade de comunicações com baixa latência. O que podemos esperar nos próximos 3 a 5 anos?
Para Tiago Loureiro a mobilidade é a palavra chave e “mais tecnologias XR vão ter presença na vida do dia a dia”, afirma, não vamos estar presos a mesas e a dispositivos para navegar no mundo, vamos ter mais wearables e equipamentos ergonómicos e os conceitos vão mudar. Mas lembra também que ainda há obstáculos
“Estamos presos à tecnologia que conhecemos e estamos a criar projetos para os próximos 2 anos com base nisso, e o paradigma tem de mudar”, refere Tiago Loureiro
Para além da transformação da tecnologia, que vai ser dramática, António Câmara afirma que também a economia se vai transformar, com desenvolvimento hiperlocal. “O futuro é a comunidade e isso é possível por causa da realidade virtual e aumentada”, afirma.
As áreas do treino e da manutenção são as que vão tornar-se mainstream mais rapidamente, mas vão ser seguidas de outras mais ligadas ao consumo, garante Marques Paulo. “Vai ser a morte do PDF. Não vamos ter de ler 20 páginas quando desembrulharmos o aspirador”, defende, usando ainda também o exemplo da culinária onde vamos poder ter apoio visual para executar uma receita sem ter de procurar os ingredientes.
Tudo isto acontecerá, mas com tempo, defende João Ricardo Moreira. “Acho que sobrestimamos o potencial a curto prazo e subestimamos a longo prazo”, afirma. Os próximos passos vão ser dados em coisas menos sexy como o treino e manutenção, mas “ficarei contente se em 3 anos vir pelo menos os primeiros passos do caminho, acreditando que é uma evolução exponencial, em 5 a 10 anos”.
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