Por António Paulo Santos (*) 

Em vésperas das eleições conducentes à formação daquele que será o XXV Governo Constitucional, e do qual, a esta data, não se conhece ainda a cor política, o setor audiovisual enquanto participante ativo da indústria criativa nacional, não pode deixar de assinalar a indiferença a que foi votado durante o mandato do Governo cessante, sem vislumbrar qualquer razão justificativa, e de acalentar a expectativa legítima de que o futuro Executivo venha a ter uma postura mais dialogante.

É certo que nos últimos dias, talvez nalgum assomo de arrependimento ou sentimento de culpa, pela falta de atenção ao setor, foi aberta uma consulta pública com prazo até 16 de junho, sobre um diploma legislativo que visa reformular o sistema de apoios e incentivos ao cinema e audiovisual, com uma dotação total de 250 milhões de euros (ME) a aplicar até 2028. Sabemos que não é pouco dinheiro, importando agora saber quais serão os critérios aplicáveis à distribuição das verbas uma vez que, tradicionalmente, o cinema acaba por ter mais oportunidades que a produção para televisão, por força de critérios que nem sequer são aplicáveis a esta última, tais como prémios e nomeações em festivais, etc. E também será importante perceber qual a parte a alocar aos eventos e quem a gerirá. Em princípio, a execução do SCRI.PT ficará a cargo do Turismo de Portugal, integrado no Ministério da Economia e será integrado noutro programa chamado “Portugal Events”, para eventos na área das indústrias criativas, audiovisual e cinema. Mas o diploma em consulta é muito parco em detalhes, que é justamente onde o Diabo costuma estar, e, desta vez, não é aquele Diabo da austeridade de que se costuma falar na campanha eleitoral em curso…

Há riscos demasiado grandes, o setor da criação e produção cultural está a ser esmagado pelo peso opressivo das redes sociais, as grandes agregadoras que tudo absorvem e nada querem pagar! E os meios tradicionais concorrem em desigualdade de condições com a desinformação que grassa na Internet…sobretudo quando ninguém os desmente, repondo a verdade. Em breve seremos governados por uma geração que não lê jornais, não vê programas de informação e não quer saber de investigações jornalísticas rigorosas. Na verdade, não é preciso esperar pelas gerações mais jovens…já há idosos, no poder, que também só sabem ou julgam saber o que lhes chega através do telemóvel. E o Direito? E a Justiça? E a Humanidade? Estaremos a perder os nossos traços mais característicos?

De futuro, por favor, mais atenção ao Direito de Autor e aos Direitos Conexos. Nós estamos cá, participamos, ajudamos, explicamos a importância dos temas. O anterior Governo deixou atrasar o trabalho, e pelo meio houve eleições. Resultado: Portugal acaba de ser condenado no Tribunal de Justiça da União Europeia no pagamento de uma multa de 2,5 milhões de euros, pelo atraso na transposição de duas importantes diretivas de 2019 em matéria de Direitos de autor. De acordo com o TJUE, em comunicado, o montante foi fixado “atendendo à gravidade da infração, à sua duração e à necessidade de assegurar o efeito dissuasivo da sanção financeira para evitar reincidências”.

Mas há que ouvir o setor: há normas em vigor que resultam de uma deficiente transposição das referidas Diretivas. E essas falhas poderiam e deveriam ter sido já corrigidas, até porque existe o risco sério de impedirem que o reforço dos direitos tenha o efeito visado.

Este Governo apostou fundamentalmente na preservação e valorização do património cultural. Monumentos, Palácios, Museus, Bibliotecas. Digitalização de arquivos e coleções culturais. Muitas destas medidas estão consideradas no PRR, é importante executá-las, e até resultam de uma opção do Governo anterior, que negociou e escolheu as prioridades. Tudo bem: também há uma rede de teatros e cineteatros que carece de intervenção.

Em linha com o perfil da própria Ministra, a marca deste Governo foi um conjunto de medidas ligadas à preservação e valorização do património cultural, à formação e criação cultural e artística, ao acesso e à democratização da cultura, incidindo, em particular, nas obras literárias, na promoção do acesso ao teatro, apoio a bandas sinfónicas e a orquestras regionais e o fortalecimento, diversificação e flexibilização do regime do mecenato cultural.

Também é sabido que o Plano Estratégico 2024-2028  para o ICA, IP e sua ação no setor do cinema e audiovisual já havia sido homologado pelo Ministro Pedro Adão e Silva, então cessante, quando o atual Governo tomou posse e que a desburocratização no ICA vinha já da lei de 2018. Só agora surgiu o alargamento dos fundos com o SCRI.PT, conforme referido.

Diz o adágio popular: mais vale tarde, do que nunca. Saudemos, pois, o Momentum jusautoral, e esperemos que tenha a eficácia desejada. Todo o setor audiovisual observa, expectante, e colaborante, os esforços deste Governo para deixar a sua marca pessoal.

Venha o próximo, seja ele qual for, e que seja melhor, mas por favor…oiça o setor!

 (*) advogado e diretor-geral da Associação para a Gestão Coletiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais