Por Miguel Lourenço Carretas (*)

Para quem recebeu com estranheza e espanto a notícia que a República Portuguesa foi condenada ao pagamento de 2,5 Milhões de Euros pelo atraso na transposição da Diretiva do Direito de Autor no Mercado Único digital, vale a pena recordar, muito sucintamente, o que nos trouxe até aqui.

A Diretiva é publicada em 17 de abril de 2019, culminando assim um longo e muito participado processo legislativo europeu. A sua transposição deveria ter ocorrido até 7 de junho de 2022.

Em termos práticos, Portugal dispôs, como todos os outros Estados Membros, de cerca de dois anos para transpor a Diretiva, mas não o fez. Por isso, logo em 23 de julho de 2021, a Comissão notificou Portugal para o cumprimento.

No final de Setembro de 2021 (quase quatro meses após o termo do prazo), dá entrada na Assembleia da República uma proposta de Lei de Autorização legislativa do Governo que, “inexplicavelmente” é alterada no seu texto e título para proposta de Lei destinada a ser discutida e aprovada, em texto legislativo final na Assembleia. Isto, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação formal e, pasme-se, sem que tenha existido qualquer reunião do Conselho de Ministros, único órgão que poderia alterar o tipo de proposta que tinha aprovado.

O Procedimento legislativo acabou por não ser concluído em virtude da dissolução da Assembleia da República, no dia 5 de dezembro.

Em maio de 2022, a Comissão dirige nova notificação a Portugal, ato preliminar ao processo que acabou por ser instaurado no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em março de 2023. É assim que, com o Governo em funções há mais de um ano, tem início o processo que acabou por condenar Portugal pelo incumprimento, condenando também os contribuintes portugueses a pagar 2,5 Milhões de euros.

A Diretiva em causa só é efetivamente transposta em 19 de junho desse ano, alterando assim o Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.

Esta muito resumida sucessão de factos, faz com que não seja de estranhar que o TJUE tenha necessitado apenas de quatro parágrafos para confirmar o incumprimento de Portugal. De pouco mais precisou para fixar o montante da sanção.

“Tudo isto existe, Tudo isto é triste, Tudo isto é fado…”.

Parece que aquele “modo funcionário de viver” que O’Neil tão bem descreve, nos condenaria necessariamente … a ser condenados. Mas não, até porque nada disto ocorreu por falta de aviso.

Enquanto alguns (poucos) procuraram atrasar o processo – sejam, uns, por não aceitarem  o que constava da Diretiva, sejam, outros, porque queriam, contra o texto Europeu, o Direito de Autor e o bom senso, introduzir na Lei nacional, em proveito próprio, normas que o legislador europeu rejeitou - a esmagadora maioria das entidades representativas dos criadores e das industrias culturais, criativas e de media, alertaram para os riscos do atraso e defenderam o óbvio: uma transposição próxima do texto da Diretiva.

Os factos vieram a demonstrar que estes últimos tinham razão. Não só porque oportunamente avisaram que esta “multa” era não só possível como altamente provável, como também porque transposições que, por boas ou más razões, se afastaram do texto que deveria ser a sua fonte, estão a ser postas em causa em ações perante tribunais superiores dos respetivos Estados Membros ou no próprio TJUE.

De facto, a decisão é triste, mas não teria de ser o nosso fado. Isto, mesmo para aqueles que concordam com o poder do TJUE sancionar os Estados Membros condenando-os a pagar quantias financeiras peticionadas pela Comissão Europeia.

E nem sequer é verdade que o processo de transposição esteja completamente concluído. É que o diploma que finalmente transpõe a Diretiva para a Lei nacional, prevê que um conjunto de litígios agora previstos no Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos, sejam dirimidos por um centro de mediação e arbitragem Institucionalizada e especializado nestas matérias. Mais, esse centro virá também, e finalmente, a colmatar outra escandalosa inércia legislativa, esta que vem desde 2015, na medida em que deverá também ser competente para resolver os litígios previstos na Lei que regula as Entidades de gestão coletiva do direito de autor e direitos conexos.

Ora, inexplicavelmente, a indicação deste Centro de Arbitragem e Mediação que corresponde a um compromisso político entre os dois principais partidos nacionais, não foi feita, até à data, com claros prejuízos, quer para os titulares de direitos, quer para os utilizadores.

Uma vez mais, a culpa morrerá solteira. E tudo isto é tanto mais triste quanto sabemos que, por exemplo, Portugal ao contrário dos seus parceiros na União Europeia não gasta um cêntimo no financiamento de uma estratégia integrada de exportação de música. Tal investimento tem sido incessantemente solicitado ao Estado e sempre por ele negado.

2,5 milhões investidos nesta área não resolveriam o problema estrutural da dificuldade de internacionalização da música nacional, mas bem aplicados, davam uma boa ajuda, não só à cultura, como à economia nacional e à estratégia de afirmação internacional de Portugal.

Visto deste prisma, já não é fado, nem triste. Dá dó.

(*) Jurista | Diretor Geral da AUDIOGEST