A localização Portugal, que durante anos ouvimos associada ao termo periférico, conseguiu nos últimos anos ganhar outro relevo no mapa mundo. A noção de distância mudou e os quilómetros e a geografia de sempre, num mundo mais ligado e que passou a ser observado numa perspetiva mais global, indicam agora proximidade às principais capitais europeias e uma situação privilegiada, como ponto de ligação entre o velho continente, África e as Américas.
Internamente, as boas infraestruturas rodoviárias e de telecomunicações do país, a qualidade e o preço dos recursos, a qualidade de vida ou a paz social entram também na lista de argumentos a favor do investimento em Portugal. Na sua maioria, estes são os fatores de eleição apontados por todas as empresas que escolhem o país para fixar centros de inovação ou de serviços, corroborados também pelos investidores que participaram na nova edição do EY Attractiveness Survey Portugal.
Esta mesma lista de ingredientes tem sido a base de trabalho para endereçar uma escassez de recursos que em algumas áreas começa a preocupar e que se tem intensificado com o ritmo rápido de surgimento de novos projetos.
A boa conectividade nos diferentes pontos do país - e a experiência da pandemia - tem permitido que muitas empresas adotem estratégias de descentralização dos seus investimentos em Portugal. Abrindo centros fora de Lisboa e do Porto, mas também apostando cada vez mais em modelos híbridos e remotos, que permitem contratar de norte a sul do país, sem estar nesses locais.
A qualidade, o custo de vida e a estabilidade do país têm, por outro lado, contribuído para atrair muitos recursos especializados, que vêm de fora e que ajudam a preencher vagas nas áreas onde a oferta local começa a ser mais escassa. Não há centro de inovação ou de serviços de grande dimensão, que não seja já uma manta multicultural, com gente das mais diversas nacionalidades. Muitas empresas combinam mesmo as duas estratégias para conseguirem chegar a mais talento e envolvem tudo em propostas de emprego que têm de ir muito além de um bom salário.
“Vivemos, hoje, uma era na qual o trabalho é global. Não é possível que o foco de qualquer empregador de grande dimensão se centre em exclusivo no talento oriundo de determinada região”, admite Luís Urmal, diretor-geral da SAP em Portugal, que acolhe um centro de competências internacional com 350 colaboradores, onde estão representadas 19 nacionalidades.
“Perante isto, e num mercado que não tem fronteiras, com pessoas cada vez mais qualificadas, as condições que se oferecem aos colaboradores ganharam outra dimensão, isto, se se quiser ser competitivo e atrair os melhores profissionais”, acrescenta o responsável pela SAP em Portugal.
O modelo remoto ou híbrido, por exemplo, “mais do que ser uma nova forma de gestão dos recursos humanos de uma organização, é quase obrigatório para as novas contratações. Em especial, junto dos profissionais mais jovens, que consideram este um aspeto da maior importância no momento da escolha do seu próximo projeto profissional”, admite Luís Urmal.
Siemens junta 61 nacionalidades nas equipas locais
Na Siemens há 61 nacionalidades, que falam 26 línguas diferentes, “uma autêntica Nações Unidas dentro da empresa”, como lhe chama Ricardo Nunes, confirmando que “Portugal é um país atrativo para trabalhar, o que leva muitos estrangeiros qualificados a vir para território nacional”. Ao mesmo tempo que acolhe quem vem de fora, a multinacional alemã passou por isso também a dar flexibilidade e meios para que os colaboradores possam estar em teletrabalho, “o que permite contratar em zonas onde não existem escritórios físicos da empresa”, acrescenta o CFO.
Outro caso ilustrativo da mesma tendência é o da Revolut. Com um centro de serviços em Matosinhos desde 2019. A empresa tem neste momento em aberto mais 100 vagas, que podem ser preenchidas nas instalações ou em trabalho remoto, a partir de outras localizações no país. Como explica Ignacio Zunzunegui, head of growth para a península ibérica, depois da pandemia, a fintech decidiu adotar um modelo de trabalho híbrido, que permite aos colaboradores escolherem quantos dias querem trabalhar no escritório e quantos dias preferem ficar em casa. Ao mesmo tempo redesenhou os espaços físicos para responderem melhor às necessidades do trabalho colaborativo.
Passou também a permitir que durante 60 dias em cada ano, os colaboradores possam trabalhar a partir de outro país. Muitos já passaram por Portugal nessas condições, mas considerando apenas os residentes estrangeiros, representam 40% dos 500 colaboradores do centro de Matosinhos.
Ignacio Zunzunegui acredita por isso que muito do que pode ser feito para melhorar as condições de atratividade de Portugal para este tipo de investimento passa, por um lado, passa por “valorizar o capital humano que cresce e estuda em no país”, mas também por “criar condições para que outros descubram estas qualidades”.
Este é aliás um aspeto em que Portugal já consegue alguma vantagem na comparação com outras geografias. O responsável recorda que quando a Revolut decidiu fixar em Portugal parte da sua operação global, além da qualidade do talento, da facilidade com línguas dos portugueses, da qualidade de vida e dos custos razoáveis de implementação, pesaram a favor do país as medidas aliciantes para atrair talento estrangeiro.
Fujistu criou opções de coworking em 89 localidades
Com uma estrutura quatro vezes maior que a da Revolut, a Fujitsu foi uma das primeiras multinacionais a escolher Portugal para fixar um centro de serviços internacional. Fá-lo a partir de Lisboa e Braga. A equipa, agora com 2.000 pessoas, cresce todos os anos e Carlos Neves admite que a estratégia mais recente para encontrar o talento necessário tem passado por contratar fora das grandes cidades, em distritos como Viana do Castelo, Aveiro ou Coimbra. A estes colaboradores a Fujitsu fornece hotspots WiFi que facilitam a mobilidade, mas também tem opções de coworking, em 89 localidades espalhadas pelo país.
Carlos Neves conta que a empresa promoveu também vários acordos locais para o desenvolvimento de competências digitais. “Criámos recentemente em Viseu um polo de competências nas áreas de desenvolvimento de software e consultoria digital e temos em Beja um protocolo de cooperação ao nível da Cibersegurança e Ciberdefesa com o Instituto Politécnico de Beja”. Iniciativas que facilitam o desenvolvimento de competências num universo geográfico mais abrangente e nas áreas que respondem às necessidades concretas da empresa.
Com uma abordagem diferente, mas para resolver o mesmo problema, pode apontar-se também o exemplo da Critical Techworks, resultado da parceria entre a portuguesa Critical Software e a BMW, materializada num centro de inovação já com cerca de 2.000 pessoas.
Associado aos novos recrutamentos, a empresa está neste momento a lançar iniciativas de formação em áreas de especialização, como cibersegurança, cloud infrastructure, java full-stack. “Dirigem-se a pessoas que queiram integrar estas equipas, mas precisam de maior conhecimento na área. Os participantes selecionados são integrados, desde o dia um, na empresa, com remuneração e garantia de inclusão nos projetos em desenvolvimento”, explica Pedro Vieira da Silva, chief technical titan.
A versão para Portugal do EY Attractiveness Survey vem também voltar a pôr em evidência a preocupação dos investidores “com a capacidade das universidades portuguesas em formar mais recursos nesta área [TI]”, como refere Miguel Cardoso Pinto, EY-Parthenon Leader. Luís Urmal aponta a mesma preocupação e junta à quantidade, a preocupação com a adequação às necessidades concretas do mercado, que as empresas mencionadas acima também estão a abordar.
“Há que criar as condições para que o talento que sai das universidades tenha um perfil ainda mais adequado às necessidades das empresas. É certo que existem crescentes parcerias entre a academia e o setor empresarial. Mas ainda há muito por percorrer e nós sentimo-lo por experiência própria”, admite Luís Urmal.
Em resposta, a SAP tem optado por promover parcerias com universidades e institutos politécnicos, para iniciativas que ajudem a acelerar a capacitação das pessoas para funções mais digitais. Também participa em programas de requalificação de competências, como o programa europeu Reskilling 4 Employment, que em Portugal se designa Pro_Move. A iniciativa, que já reúne várias empresas e o IEFP, pretende requalificar um milhão de pessoas em situação de desemprego até 2025 e está vocacionada para quem tem qualificação ou experiência profissional desajustada das necessidades atuais.
Na mesma linha, é uma das subscritoras do UPskill - Digital Skills & Jobs, que juntou a APDC, o IEFP e uma rede de politécnicos, para criar programas de reskill, sobretudo na área da programação, também dirigidos a desempregados ou a quem está em situação de subemprego nas TIC.
A Siemens reconhece dificuldades idênticas e põe também a tónica na necessidade de “apostar ainda mais “na requalificação de profissionais de áreas onde há desemprego, no ensino técnico-profissional, para aumentar mais rapidamente as qualificações dos trabalhadores portugueses, e no ensino superior, para que a oferta formativa esteja alinhada com as necessidades das empresas”.
Em nome próprio, a empresa também tem vindo a promover algumas iniciativas, como a criação de um programa de introdução à programação, o UBBU, e programas específicos de Academias Siemens, dirigidos aos jovens estudantes. Usa ainda uma prática cada vez mais comum nas áreas de tecnologia, um Referral Program, através do qual os colaboradores “ajudam” a recrutar talentos, recomendando profissionais adequados aos perfis em aberto.
Programas de captação de talento: várias receitas, o mesmos objetivo
Os programas de estágios e de captação de talento jovem são outra aposta forte de muitas empresas. A Vodafone é uma das companhias que segue esta estratégia, através do programa Youth, onde vai buscar talento para a atividade normal da empresa e para os três centros de competências alojados em Portugal. Anualmente abre 80 vagas para o Vodafone Youth Discover Graduates (seleção e integração de finalistas de mestrado e recém-mestres); Vodafone Youth Internships, para estudantes de licenciatura e de mestrado; e para estágios de verão Vodafone Youth Summer Internships. Destaca também o investimento no reskill e upskill interno, uma aposta que todas as empresas contactadas garantem estar já a fazer.
As respostas que o sistema de ensino, de formação, e mesmo as empresas, vão encontrando para servir a procura crescente de talento em diferentes áreas de tecnologias acaba no entanto por não servir apenas as necessidades nacionais.
“Desde a pandemia que verificamos mais uma variável – o recrutamento em Portugal de empresas internacionais que operam em modo remoto”, destaca Pedro Vieira da Silva, da Critical Techworks.
“O reconhecimento da qualidade do talento português lá fora faz aumentar a concorrência e a competição entre as principais empresas do sector. Estamos a competir não só com quem está no nosso país, mas também com empresas nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Alemanha”, admite também Carlos Ribas. “Para isso temos de ser cada vez mais competitivos a todos os níveis, não só de salários, como também noutros benefícios, e fazer uma aposta cada vez mais forte nas políticas de employer branding”, reconhece o responsável da Bosch em Portugal, onde a empresa tem três centros de inovação que dão emprego a 1.000 pessoas.
Nessa linha, a Bosch tem combinado as estratégias mais convencionais com ações “mais cirúrgicas, eficazes e eficientes” para chamar talento, como os recruitment days, que convidam os candidatos a conhecer a cultura e projetos da empresa.
“Para além disso, sabemos a importância de apresentar uma proposta de valor, que não passa apenas pelo fator remuneração, mas que englobe também um conjunto de outras propostas de benefícios, como mais oportunidades ao longo das várias etapas da vida profissional, flexibilidade em termos de gestão de tempo, e o compromisso de um maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal”. A importância deste mix foi aliás destacada pela maior parte das empresas que participaram neste especial.
O talento é sem dúvida dúvida um dos grandes temas na capacidade de Portugal para atrair grandes investimentos internacionais em áreas como esta, dos centros de inovação. Não é o único. Os investidores que responderam ao estudo da EY revelam também alguma preocupação com a “falta de estabilidade fiscal nos investimentos feitos”, destaca Miguel Cardoso Pinto.
A pesquisa mostra que 69% dos investidores consideraram a carga fiscal às empresas como um dos aspetos menos atraentes no destino Portugal, 56% também consideram aspetos menos positivos o acesso a outros mercados e o mercado doméstico. Uma das principais recomendações do estudo vai aliás para a renovação do sistema fiscal, para um modelo mais favorável à atração de investimento estrangeiro, que ajude a minimizar a ameaça de concorrência dos mercados emergentes.
Há ainda outros aspetos destacados, com especial relevância nos projetos TI. “Olhando mais em profundidade para este sector, questões de cibersegurança também estão nas prioridades dos investidores, e nesse segmento Portugal ainda tem um enorme caminho para percorrer”, admite Miguel Cardoso Pinto, que se refere aqui tanto à vertente regulatória, como à estabilidade de sistemas que garantam a segurança.
Este artigo integra o Especial Tecnológicas escolhem cada vez mais Portugal para fixar centros de competências globais
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