Os números mostram que ainda estamos longe da desejada igualdade de género. Na Europa serão necessários mais 60 anos para que a paridade seja alcançada e o número é ainda mais assustador a nível global, com as Nações Unidas a apontarem para um cenário a 300 anos, alertando para a existência de um retrocesso a nível da igualdade de género.
Nas áreas da ciência, tecnologia, engenharia e matemáticas (STEM no acrónimo em inglês para Science, Technology, Engineering and Mathematics) a representatividade das mulheres é baixa e isso tem um impacto a nível social mas também de competitividade económica. A ONU alerta para o facto de em 2050 75% dos empregos estarem ligados a estas áreas, onde as mulheres têm uma baixa presença, sendo o reduzido acesso à internet e a baixa literacia digital um fator de exclusão.
Um estudo da McKinsey & Company, realizado junto de mais de 60 milhões de trabalhadores na Europa, mostra que apenas 22% das mulheres europeias ocupam cargos tecnológicos em empresas. Para a consultora, a Europa terá de aumentar o seu talento tecnológico feminino em mais de 1,6 milhões, alcançando um equilíbrio de 40/60 até 2027, e isso terá um efeito direto no Produto Interno Bruto. Se a percentagem de mulheres em empregos tecnológicos duplicasse até 2027, o PIB da União Europeia poderia aumentar em até 600 mil milhões de euros.
São muitas as iniciativas que procuram atrair mais mulheres para as áreas tecnológicas e em Portugal a evolução tem sido positiva, como sublinha Luisa Ribeiro Lopes, a coordenadora do InCoDe.2030, citando números do Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade de 2022 (DESI na sigla em inglês).
“Em termos globais melhorámos no índice de capital humano, e no número de mulheres especialistas em TIC estamos com 21%, acima da média europeia”, adiantou ao SAPO TEK Luisa Ribeiro Lopes, destacando que esta é uma mensagem positiva.
“Gostava de acreditar que os números têm a ver com o trabalho que tem sido feito com ações positivas e de política pública, com envolvimento de várias entidades públicas e privadas”, destaca a coordenadora do InCoDe.2030, que tornou a igualdade de género um fator transversal a todas as medidas do programa de educação, formação e inclusão nas TIC.
Entre as iniciativas destaca o programa Engenheiras por um dia em que já foram impactadas mais de 12.550 jovens, o Apps for Good e o Eu Sou Digital, ou o UpSkill, onde 40% dos alunos formados já são mulheres.
Mesmo assim, e apesar dos dados que mostram uma evolução positiva, Luisa Ribeiro Lopes alerta para o facto de não podermos descansar e baixar os braços com risco de existirem retrocessos. “É importante que o poder político continue a estar atento a estas questões e que faça uma aposta forte nas políticas públicas de igualdade de género”, reforça.
Para a coordenadora do InCoDe.2030, Portugal poderia fazer da inclusão um desígnio de política pública. “Podíamos tentar liderar na área de inclusão e para isso precisamos de aceleradores, de programas de inclusão e de iniciativas, e também de quotas”, defende a gestora.
Processo lento para captar o talento e competências das mulheres
Apesar de satisfeita com os dados que colocam Portugal acima da média europeia, Luisa Ribeiro Lopes lembra que este é um processo lento, e que mesmo com números acima da média nas TIC continua a haver uma distribuição deficiente entre as várias áreas.
As mulheres ocupam mais lugares nas tecnologias “mais soft”, com menor representatividade na área de cibersegurança, blockchain, inteligência artificial e análise de dados, que estão também entre as mais bem pagas. “É importante também aqui introduzir mais diversidade, e não só de género, porque nestas áreas temos de conseguir mapear nas empresas a diversidade da sociedade”, afirma, lembrando que se não conseguirmos atrair mais mulheres estamos a desperdiçar competências e talento.
O programa Engenheiras por um dia é um das iniciativas que pretende combater os estereótipos de género a segregação sexual nas escolhas educativas e profissionais. Integrado na Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação – Portugal Mais Igual o programa foi criado em 2017 e desenvolve várias ações junto de jovens do terceiro ciclo e do ensino secundário, com sessões de role model e mentoria, onde já participaram mais de 12.500 jovens.
A rede de parcerias tem vindo a crescer e conta já com 61 escolas/agrupamentos de escolas, 23 instituições de ensino superior e 97 entidades parceiras, 14 das quais são municípios.
É também o Programa Engenheiras Por Um Dia que está responsável pela operacionalização da Aliança para a Igualdade nas TIC, que pretende estender o trabalho de inclusão às empresas, com foco na promoção da inclusão digital das mulheres e participação nas engenharias e tecnologias. "A Aliança visa ainda desenvolver iniciativas que contribuam para a ação e reflexão do papel da igualdade de género nas áreas tecnológicas emergentes", explica ao SAPO TEK Margarida Mateus da Associação Portuguesa para a Diversidade e Inclusão.
A Aliança "conta atualmente com 58 entidades signatárias", um número que tem vindo a aumentar ao longo do tempo e a envolver as entidades parceiras na realização de diversas atividades no âmbito do Programa Engenheiras por Um Dia", refere Margarida Mateus. Recorde-se que aquando do lançamento da iniciativa tinha sido referido a existência de mais de 100 parceiros.
Não existem dados concretos sobre a mudança que as organizações que adeririam à Aliança aplicaram, mas a indicação é de que são empresas de grande dimensão com uma estratégia de Diversidade e Inclusão bem definida. "Dentro do eixo do Género destas empresas, a Aliança é encarada como um compromisso da organização no que diz respeito à atração e retenção de talento feminino", refere Margarida Mateus.
"Numa época em que as organizações têm dificuldade em encontrar profissionais para as áreas TIC e, de forma mais demarcada, mulheres, a participação no Programa Engenheiras por Um Dia bem como o Compromisso da Aliança refletem, por um lado, esta preocupação/dificuldade e, por outro, a necessidade de contribuir para uma estratégia consertada de combate à segregação das escolhas profissionais, apostando no impacto positivo de um conjunto de ações de sensibilização, mentoria e iniciativas de role model, para futuras gerações de profissionais", acrescenta.
Diferença de salários pode chegar a 12 mil euros por ano
O desequilíbrio de funções dentro das TIC é também retratado no estudo da McKinsey & Company que revela que as áreas de desenvolvimento e gestão de produto (46%) e de engenharia, ciência e análise de dados (30%) são as que contam com uma maior representação feminina. Do outro lado do espectro estão as áreas de DevOps e Cloud (8%), sistemas (15%) e engenharia core (18%) que, segundo os especialistas, têm maior volume de procura.
Também na Adecco, uma empresa especializada em recursos humanos e recrutamento, Joana Filipa Almeida, Team Leader IT em Lisboa, reconhece que normalmente as mulheres “ficam mais na área de BI, Data Analytics, Analistas Funcionais. Tudo o que são Infraestruturas, Programadores, Cloud é muito mais um mundo de homens”, sublinhando que esta é a realidade com que se tem deparado. A nível de salários, mesmo sem ter dados concretos, diz que “de uma forma geral as TIC não fogem ao que acontece no mercado: homens auferem um vencimento superior”.
A tendência é semelhante à registada de forma global. Dados do Eurostat indicam que em média as mulheres recebem menos do que os homens, com uma diferença de 13% nos 27 Estados Membros em 2020, registando uma melhoria de 2.8 pontos percentuais desde 2010.
No mundo das tecnologias a Landing Jobs aponta para uma distância na Europa que pode ultrapassar os 12 mil euros anuais.
Curiosamente as mulheres que responderam ao inquérito da empresa nos Estados Unidos e Ásia ganham mais do que os homens nessas regiões. A Landing Jobs questiona mesmo se a balança se está a equilibrar, já que a tendência não é observada em mais nenhum local.
Os dados são reforçados pela análise da Brighter Future, da Fundação José Neves, em relação aos salários dos licenciados. Em 2020, o salário médio dos trabalhadores licenciados foi de 1.877€ e os números mostram que existe uma diferença muito significativa entre géneros. “O salário médio dos homens licenciados foi de 2.211€, um valor 36% superior ao salário médio das mulheres com licenciatura (1.629€)”, refere a organização.
No estudo adianta-se ainda que “tendo em conta a diferença salarial verificada entre homens e mulheres com licenciatura, não é surpreendente que os homens ganhem mais do que as mulheres na maioria das profissões qualificadas, que constam na plataforma Brighter Future”. Apenas em seis das 129 profissões qualificadas, as mulheres licenciadas têm um salário médio superior ao dos homens com licenciatura, e isso só acontece numa área ligada às ciências e TIC, em relação aos técnicos em redes, sistemas de computadores e Web.
O gráfico de todas as profissões pode ser consultado aqui.
Nota da Redação: a notícia foi atualizada. Última atualização 23h21
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