Alcançado após uma ronda final de negociações de mais de 16 horas, o acordo europeu sobre a Lei dos Serviços Digitais, que complementa a já aprovada sobre os mercados digitais, surge quase um ano e meio depois de Bruxelas apresentar a sua primeira proposta, em dezembro de 2020, e traz novas obrigações para plataformas de serviços de Internet utilizadas por centenas de milhões de pessoas na UE.
A partir de agora, milhares de empresas passam a ter de possuir um representante europeu para operarem em território comunitário, permanecendo sob a égide deste novo pacote legislativo, que pretende ser um novo padrão global contra a proliferação de conteúdos ilegais, a desinformação e a opacidade dos algoritmos que regulam o conteúdo das redes sociais.
As gigantes tecnológicas - cerca de 30 empresas utilizadas por mais de 45 milhões de usuários mensais na União Europeia - estarão sob supervisão direta da Comissão Europeia e terão de pagar uma taxa anual de 0,05% sobre as suas receitas globais para financiar essa vigilância, para a qual Bruxelas contratará novos especialistas no setor.
Esses gigantes tecnológicos terão de analisar anualmente os seus riscos sistémicos e atuar para os reduzir, especialmente conteúdos ilegais com efeitos adversos sob direitos fundamentais, processos democráticos, segurança pública, violência de género e menores, e conteúdos com consequências sérias para a saúde física ou mental dos utilizadores.
As principais ferramentas para encorajar os gigantes digitais a cumprirem serão multas, cujo valor pode ir até 6% da faturação global da empresa infratora. As novas regras preveem ainda, no caso de repetidas violações graves dos requisitos, a proibição da operação em território europeu.
As empresas digitais serão obrigadas a moderar os conteúdos nelas publicados com “recursos adequados” e a eliminar conteúdos ilegais, algo que até agora dependia de um código de boas práticas não vinculativo e ao qual as empresas aderiam voluntariamente.
Nos termos do acordo agora alcançado, os usuários terão um procedimento mais claro para denunciar conteúdo ilegal online e as plataformas terão de agir rapidamente para o remover, além de terem de informar o denunciante das ações que tomaram.
Novas garantias são também incluídas para que esses avisos sejam processados de uma forma não arbitrária e não discriminatória, bem como para que os consumidores possam comprar produtos ou serviços online sob um controlo mais rígido da identidade dos comerciantes.
A nova lei proibirá ainda a recolha de dados sobre raça, religião, orientação sexual ou outros assuntos sensíveis para direcionar publicidade, bem como anúncios direcionados a menores ou técnicas de conceção do interface destinadas a enganar o utilizador, levando-o a permitir o rastreamento dos seus dados.
O usuário terá o direito a que lhe seja dada pelo menos uma opção não baseada no rastreamento de seu perfil para escolher como o conteúdo lhe será recomendado, opção essa que deve ser apresentada de forma tão clara quanto aquelas que usam dados do utilizador.
Adicionalmente, as maiores plataformas, como o Facebook ou o Twitter, terão de dar à Comissão e às autoridades dos Estados-membros acesso aos seus algoritmos e, em geral, os serviços digitais terão de ser mais transparentes sobre a forma como é determinada a informação que chega a cada utilizador, revelando, por exemplo, se usam filtros ou se automatizam a moderação de seu conteúdo.
A negociação entre as instituições europeias, cujas etapas finais coincidiram com a invasão russa da Ucrânia, introduziu ainda um novo conceito que não constava da proposta inicial: um mecanismo em caso de crise que Bruxelas pode acionar por recomendação de especialistas dos Estados-Membros.
Isto permitirá analisar o impacto das atividades das grandes plataformas na crise em questão e exigir que tomem medidas para limitar qualquer ameaça urgente durante três meses.
Bruxelas tem vindo a alertar desde antes do início da guerra na Ucrânia, assim como durante a pandemia de COVID-19, para o risco de disseminação de desinformação online e de manipulação da realidade, um fenómeno que quer agora combater com a nova Lei dos Serviços Digitais.
Uma vez fechado o acordo entre os negociadores do Conselho e o Parlamento, ambas as instituições terão de rever e dar novamente luz verde ao acordo final, que entrará em vigor 15 meses após a sua publicação no Diário da República da UE ou a 01 de janeiro de 2024.
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