Foi há pouco mais de um ano que o ChatGPT veio abanar o mundo e mostrar o potencial da Inteligência Artificial Generativa, mas o tempo acelerou e nos últimos meses o tema não só dominou o sector das tecnologias de informação e comunicação como se disseminou a toda economia e sociedade, ganhando espaço entre os tópicos mais relevantes.

Todas as empresas têm agora os olhos postos nesta tecnologia que promete revolucionar a forma como trabalhamos e as rotinas do dia a dia em geral, em especial no modo como interagimos com as máquinas. Mas também as pessoas perceberam que é uma evolução, e que podem ter respostas para as suas perguntas em alguns segundos, em várias línguas, criar código, imagens e vídeos numa velocidade muito superior àquilo que é possível a qualquer humano.

A par do entusiasmo, o medo da forma como a Inteligência Artificial se vai desenvolver, a necessidade de introduzir regras e contornos éticos e o receio de perda de postos de trabalho dominam também muitas das notícias que fomos acompanhando ao longo dos últimos meses, e já há sinais preocupantes que podem estender-se pelo próximo ano.

Desde janeiro de 2023 escrevemos no SAPO TEK perto de 1.000 notícias com referência a Inteligência Artificial. A primeira logo a 1 de janeiro sobre o Pixificial, um site que permite usar a sua fotografia para se transformar nos traços de figuras como Elon Musk, Michael Jackson ou Clint Eastwood. Depois disso referenciámos muitos outros serviços online com potencial para editar imagens e vídeos, criar texto e usar a Inteligência Artificial para desenvolver análise de informação, criar programas e aplicações, poemas e música, e melhorar os serviços públicos, também em Portugal. E em 2024 é provável que a tendência se mantenha.

Uma corrida para dominar a Inteligência Artificial

A revolução da Inteligência Artificial começou muito antes do lançamento público do ChatGPT, a 30 de novembro de 2022, mas a rapidez com que este bot da OpenAI conseguir chegar a um milhão de utilizadores mostra que é uma mudança incontornável.

Visto e referido ainda por muitos como “a Inteligência Artificial”, o ChatGPT já foi usado por centenas de milhões de pessoas, como o seu criador Sam Altman referiu em jeito de balanço, e está a evoluir para novas versões, em modelos mais avançados e que exigem subscrição, com a possibilidade de criar  versões personalizadas.

Esta popularidade, e o modelo desenvolvido pela OpenAI, que começou como um laboratório de investigação e organização sem fins lucrativos, fizeram com a valorização financeira crescesse exponencialmente, em especial depois do investimento da Microsoft que já soma perto de 13 mil milhões de dólares. Pelo meio a própria OpenAI teve uma “mini revolução” e uma luta pelo poder de decidir a estratégia da organização, com a saída e regresso de Sam Altman à liderança depois de alguns dias conturbados e muito mediatizados, com rumores de um projeto Q* que ameaça a humanidade.

O dinheiro aplicado está a ser rentabilizado e a parceria entre a OpenAI e a Microsoft permitiu à tecnológica avançar com o anúncio de um copiloto para o Windows e ferramentas do Office, e um bot inteligente integrado no browser Edge, que começou por se chamar Bing Chat, uma versão do motor de busca Bing, e que já mudou de nome.

Este é o vídeo do Copilot no Windows

A Google, que já estava a desenvolver os seus próprios modelos de linguagem e Inteligência Artificial, não quis ficar para trás e na mesma semana anunciou o Bard, alimentado pelo LaMDA (modelo de linguagem para aplicações de diálogo), mas também mudanças na pesquisa, nos mapas e em muitos outros serviços. Já em dezembro mostrou o Gemini, o modelo de IA multimodal que vai ser integrado nas várias plataformas e que já mostra o seu potencial no Bard e em funcionalidades no smartphone Pixel 8 Pro.

Veja o vídeo de apresentação do Gemini da Google

A corrida para ocupar este espaço faz-se com muitos outros nomes, num tabuleiro onde a Meta, Amazon, gigantes chinesas como a Baidu e outras grandes tecnológicas jogam com trunfos próprios, e equipas de investigação internas, ou com aquisições de tecnologia e startups. E aqui entra também a componente do hardware, onde a Nvidia parte com alguma vantagem no desenvolvimento de processadores que suportam os sistemas de software e onde a Microsoft, a AMD e a Anthropic também querem dominar.

O certo é que esta é uma das áreas que tem gerado mais investimento e valorização, com dados do site Stocklytics.com a mostrar que as “vencedoras” são a Microsoft, a Alphabet, a Nvidia, a Meta e a Tesla, que este ano ganharam mais 3,2 biliões de dólares na sua capitalização em bolsa.

Serviços para quase todos os gostos, mas muito potencial para explorar

Os bots como o ChatGPT, o Copilot da Microsoft, o Bard da Google ou o Claude são os que ganham mais visibilidade com a integração do potencial da IA, mas todos os dias surgem mais serviços que tiram partido da tecnologia em várias áreas e que estão prontos para ajudar no trabalho e também em problemas do dia a dia. Ainda esta semana preparámos postais de Natal com o Microsoft Designer, uma lista de desafios para os jogos em família e pedimos sugestões de receitas. E a imagem deste artigo foi também preparada com a ajuda das ferramentas de IA.

Nas empresas e nos serviços públicos não faltam também exemplos de integração da tecnologia, incluindo em Portugal, onde uma assistente digital já responde a questões sobre a Chave Móvel Digital no ePortugal e o GPJ dá indicações sobre temas de casamento e divórcio no Portal da Justiça. E há muito mais casos em desenvolvimento e teste nas empresas.

É difícil medir o potencial e antecipar limites, mesmo que as respostas tenham ainda erros e falhas, estejam longe de ser perfeitas e que tragam preocupações de privacidade e direitos de autor. Os modelos vão aprendendo com a informação que está disponível online, na cloud e nas perguntas e materiais que fornecemos, incluindo as fotografias e vídeos que queremos melhorar e transformar, mas sabemos também que quanto mais informação tiver no seu radar, melhor será a resposta da IA. E isso passa por aprender com os dados que existem, se possível sem os exemplos negativos de racismo, xenofobia ou fake news.

Uma ameaça à humanidade ou uma “força para o bem”?

Com a aceleração da IA vem também o medo de que a tecnologia possa fugir do controle humano, o que levou já a muitos avisos e cartas abertas de investigadores e cientistas sobre a necessidade de definir controles. Mas será que é possível controlar o desenvolvimento da IA? E esse controle não estará limitado a uma determinada área geográfica ou empresas que assumem um determinado código de conduta?

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Na União Europeia a discussão sobre a regulação da Inteligência Artificial já é longa e em 2021 foi apresentada uma proposta para o AI Act  que no início do mês conseguiu finalmente um acordo entre os co-legisladores europeus e que deverá conhecer a redação final em breve. Falámos com especialistas na área que elogiam o equilíbrio conseguido na redação do regulamento mas que ainda apontam algumas preocupações, nomeadamente na aplicação assim como na possibilidade de travar a inovação.

Nos Estados Unidos a abordagem é também cautelosa e já foi publicada a estratégia de proteção de infraestruturas críticas contra ameaças da Inteligência Artificial, que podem ou não assemelhar-se aos muitos livros e enredos de filmes que retratam o fim do mundo ditado pelas máquinas. E se estivermos a criar uma Skynet, como no filme do Exterminador?

A autoregulação é um dos caminhos e as próprias empresas já se comprometeram a reforçar a segurança dos sistemas de Inteligência Artificial, com acordos assinados entre a OpenAI, Microsoft, Google, Meta, Amazon, a Anthropic e a Inflection. Só que embora sejam as maiores empresas, são apenas um gota de água no oceano das que estão a criar soluções baseadas em IA.

Há quem defenda que se deve parar já o treino da Inteligência Artificial  e quem diga que a tecnologia não é uma ameaça para humanidade e sim uma força para o bem.  E o mais provável é que a virtude esteja entre as duas posições: controlando desvios e a utilização massiva na monitorização dos indivíduos e utilizando o poder já demonstrado na análise de informação e atenção ao detalhe que já deram bons resultados na identificação de casos de cancro e doenças raras e desenvolvimento de novos medicamentos.

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O risco de que a Inteligência Artificial venha a tornar obsoletos muitos dos empregos existentes mantém-se, em especial nas tarefas mais repetitivas e que podem ser automatizadas. Todas as empresas estão à procura de talento especializado em Inteligência Artificial, não só no desenvolvimento da tecnologia, mas também na sua utilização, e é importante aprender novas competências de “prompt engeneering” para tirar partido do potencial das ferramentas. Não faltam cursos para isso, e até certificações básicas desenvolvidas em Portugal.

A introdução de ferramentas de Inteligência Artificial vai trazer mais mudanças e um efeito em cascata ainda por avaliar e mesmo sendo difícil estimar o impacto no emprego, a maior preocupação está centrada no potencial de despedimentos. A lista dos empregos mais afetados já foi divulgada e uma em cada três pessoas vê a tecnologia como uma ameaça ao seu emprego, segundo dados da Boston Consulting.

Um outro estudo revela que  30 milhões de empregos, em países com economia avançada, podem ser automatizados pela inteligência artificial, e a perda de trabalho vai afetar mais as mulheres do que os homens. Mas há quem seja mais radical, como Elon Musk, que diz que as pessoas vão deixar de ter necessidade de trabalhar e receberão um salário pago pelo Governo, um Universal Basic Income (UBI).

Para já, há indicações de que poderemos estar a chegar a uma espécie de planalto, onde a evolução da Inteligência Artificial poderá ser mais lenta, travada por algumas das limitações que estão a ser colocadas ao âmbito de "aprendizagem" e regras de respostas mais éticas. As novas versões multimodais, que interpretam também imagens e vídeos, como o Gemini da Google, trazem mais capacidade e podem desbloquear estes travões, e a OpenAI promete para breve o GPT 5, a próxima versão de IA generativa com maior capacidade e também em modelo multimodal.

Os próprios investigadores discordam sobre se é possível a Inteligência Artificial evoluir para algo semelhante ao cérebro humano, e conseguir resolver tarefas cognitivas mais complexas, com a possibilidade de tomar decisões. A chamada Inteligência Artificial Geral (AGI na sigla em inglês) ainda não existe e há quem diga que pode nunca ser alcançada, mas também há quem já tenha uma data definida, como John Carmack, que saiu da Meta e que aponta para 2030 como o ano em que esse limiar de capacidade será alcançado.

E o que responde o ChatGPT a isto? O chat da OpenAI concorda e diz que "A busca pela IAG é desafiadora porque requer não apenas avanços tecnológicos, mas também uma compreensão mais profunda da cognição humana e da maneira como aprendemos e processamos informações. Embora tenhamos feito progressos significativos, ainda existem muitos obstáculos a serem superados antes de alcançarmos uma verdadeira inteligência artificial generalizada".

Mais correcto será dizer que esta é uma questão que ainda não tem resposta fechada mas que vamos continuar a acompanhar aqui no SAPO TEK.

Este artigo faz parte do Especial de análise das notícias e tendências de 2023 no mundo da tecnologia. Acompanhe ao longo da semana os artigos publicados pela equipa do SAPO TEK e a opinião exclusiva de especialistas do sector.