A descoberta do grupo de estrelas que foi designado como Ophion resulta da análise dos dados da missão Gaia, que já terminou em março mas que continua a permitir aos astrónomos analisar o volume massivo de informação recolhida. Dylan Huson e a sua equipa da Universidade de Western Washington, nos Estados Unidos, desenvolveram um novo modelo de análise, o Gaia Net, que está a permitir explorar os dados, e já ajudou a descobrir o comportamento estranho desta família de estrelas.

O que está a intrigar os astrónomos é a forma rápida como o grupo de estrelas jovens deverá dispersar-se por completo, deixando um "ninho" vazio no local onde foram criadas.

“O Ophion está cheio de estrelas que estão prestes a espalhar-se pela galáxia de uma forma totalmente aleatória e descoordenada, o que está longe do que esperaríamos de uma família tão grande”, explica Dylan Huson, autor do artigo publicado sobre esta descoberta. "Isto acontecerá numa fração do tempo que normalmente levaria para uma família tão grande dispersar. É diferente de qualquer outra família estelar que já vimos", afirma.

Veja as imagens da observação da Via Láctea pela missão Gaia

O modelo Gaia Net foi pensado para aprender mais sobre estrelas jovens e de massa reduzida situadas razoavelmente perto do Sol, e os investigadores já o aplicaram na análise de centenas de milhões de espectros estelares divulgados pela release 3 da missão Gaia. Limitaram a pesquisa a estrelas "jovens", com menos de 20 milhões de anos de idade, e isso fez com que se concentrassem no Ophion.

"Este tipo de observação em massa é uma das conquistas verdadeiramente sem precedentes do Gaia", afirma Johannes Sahlmann, o cientista do projeto Gaia da ESA (Agência Espacial Europeia), citado em comunicado.

Os cientistas procuram agora resolver a questão do comportamento estranho do gruopo de estrelas, e há várias opções. A família Ophion está a cerca de 650 anos-luz de distância da Terra, perto de alguns outros grandes grupos de estrelas jovens e isso pode significar que eventos energéticos e as interações entre estes vizinhos colossais podem ter influenciado este agrupamento ao longo dos anos.

Foram também encontrados sinais de estrelas que explodiram nesta região. Estas explosões de supernovas podem ter "varrido" material de Ophion e feito com que as suas estrelas se movessem de forma mais rápida e errática.

"Não sabemos exatamente o que aconteceu a esta família estelar [...] isto muda a forma como pensamos sobre os grupos estelares e como encontrá-los. Os métodos anteriores identificavam famílias agrupando estrelas com movimentos semelhantes, mas o Ophion teria escapado a esta rede. Sem os enormes conjuntos de dados de alta qualidade do Gaia e os novos modelos que agora podemos usar para os investigar, poderíamos estar a perder uma grande peça do puzzle estelar”, admite Marina Kounkel, da Universidade do Norte da Florida, coautora do estudo publicado no The Astrophysical Journal, .

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A missão Gaia tornou-se um dos projetos mais ambiciosos de sempre no estudo da Via Láctea, fazendo mais de três biliões de medições, para obter detalhes sobre a estrutura, composição e evolução da galáxia, num projeto em que Portugal esteve envolvido desde o início. Depois de mais de uma década a mapear os céus, a 27 de março de 2025 a missão Gaia chegou ao fim, mas há ainda muito para descobrir.

No final de 2026 está prevista a divulgação de mais dados, a release 4, com um último conjunto a ser publicado em 2030. 

Portugal teve um papel pioneiro na missão Gaia, sendo a primeira missão científica espacial com envolvimento desde a fase de definição, em 2006. A equipa portuguesa, coordenada por André Moitinho (LIP e Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa), contribuiu em áreas como o controlo de qualidade dos dados, calibração astrométrica, reconstrução de imagens e otimização de parâmetros de observação.

Nos últimos anos, o destaque foi o desenvolvimento do Gaia Archive Visualisation Service (GAVS), uma ferramenta essencial para a exploração visual e interativa dos dados, utilizada por cientistas de todo o mundo.

A bordo da sonda seguem gravados os nomes de cerca de 1.500 membros da equipa - incluindo os portugueses - "como homenagem simbólica a uma missão que mudou para sempre a forma como olhamos o céu", defende a ESA.

Já próximo do fim da missão, a ESA divulgou uma animação impressionante da Via Láctea, criada a partir dos dados recolhidos pelo telescópio espacial. O vídeo oferece uma visão detalhada e transformadora da nossa galáxia, apresentando-a de um modo que antes parecia impossível.

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