Jeff Bezos e Richard Branson protagonizaram recentemente um importante episódio na corrida ao espaço com civis a bordo das suas naves espaciais. Primeiro foi o patrão da Virgin Galactic a viajar na sua VSS Unity num voo que durou cerca de 90 minutos, naquele que disse ter sido uma “viagem de uma vida”. Depois foi o líder da Amazon, que esteve 10 minutos no espaço a bordo da sua New Sheppard. Mais um sonho realizado.
Mas sonhar com a ida ao espaço é comum a muitas crianças que respondem querer ser astronauta nas primeiras perguntas colocadas sobre o seu futuro. E esse sonho foi também partilhado por Jared Isaacman, o fundador e CEO da plataforma de pagamentos Shift4 Payments, o comandante da missão Inspiration4, aquela que pretende ser a primeira missão do mundo de uma viagem ao espaço totalmente operada por civis.
“Tanto quanto me lembro, sempre sonhei em ir ao espaço. Quando era criança disse à minha professora do jardim de infância que um dia iria fazer uma jornada ao espaço e viajar entre as estrelas”, disse Jared Isaacman em entrevista ao SAPO TEK. Reforça que sempre soube que iria acontecer, mas não sabia quando. É pública a paixão do milionário pela aviação e viagens espaciais. Participou em espetáculos de voos e até fez a circunavegação pelo planeta em aviões, até surgir a oportunidade de viajar ao espaço.
Em jovem considerou uma carreira na NASA, “mesmo sabendo que era extremamente difícil conseguir assegurar um lugar como astronauta profissional”. Mas depois encontrou a sua paixão por tecnologia e começou a sua jornada no empreendedorismo, lançando a sua primeira empresa aos 16 anos, a partir da cave da casa dos seus pais. “Por duas décadas, gerir, crescer e evoluir o meu negócio foi o meu foco principal, para além da aviação, é claro”.
Primeiro voo comercial da SpaceX terá direito a documentário na Netflix
Tudo começou em fevereiro, depois da SpaceX ter realizado a primeira viagem de teste tripulada para a ISS. Rapidamente anunciou os seus planos para a primeira missão comercial tripulada, a Inspiration4, composta por quatro tripulantes e liderado por Jared Isaacman, que representa o primeiro pilar da missão: Liderança.
Os restantes lugares seriam preenchidos ao longo do ano. A data estava marcada para o final do ano, depois ajustada para setembro. O objetivo, esse nunca se alterou, o de transformar esta missão numa campanha de solidariedade a favor do St. Jude Children’s Research Hospital. Tendo sido um dos lugares leiloado para angariar fundos para o hospital, estimando-se inicialmente um levantamento de 200 milhões de dólares.
Veja na galeria fotografias da missão Inspiration4:
Para anunciar a missão, Jared Isaacman pagou do seu bolso mais de 5 milhões de dólares por um anúncio de 30 segundos durante o Super Bowl em fevereiro. O anúncio referia-se à ação de solidariedade, tendo conseguido atrair 13 milhões de dólares de doações. E o próprio acrescentou mais 100 milhões.
O segundo lugar da nave foi doado a Hayley Arceneaux, uma assistente médica do St. Jude, também ela uma sobrevivente de cancro quando era criança. E por isso, representa o pilar Esperança. “A minha família foi mesmo ao Centro Espacial em Houston, alguns meses antes de eu ser diagnosticada com cancro, e claro, desejei ser astronauta quando lá estive”, contou a jovem médica ao SAPO TEK. Pouco depois, quando tinha 10 anos, descobriu que tinha uma leucemia, e quando foi tratada no St. Jude experienciou a esperança pela primeira vez desde o seu assustador diagnóstico. “Desde esse momento soube que iria voltar a este hospital, para trabalhar aqui”.
Hayley Arceneaux não se contém na excitação de estar envolvida num projeto pioneiro, de fazer parte da tripulação civil nesta missão espacial. “As viagens espaciais nunca mais serão as mesmas depois disto, e estou emocionada porque a nossa tripulação será aquela que vai abrir a fronteira para uma nova geração de exploradores”. A jovem será também a médica da tripulação a bordo da nave.
O terceiro lugar seria entregue através de uma competição lançada na plataforma Shift4 Payment de Jared Isaacman e consistia nos candidatos criarem uma loja online e partilhar as suas ideias de negócio, assim como as suas aspirações na viagem ao espaço através das redes sociais. O vencedor foi a doutora Sian Proctor, que ficou encarregue do pilar Prosperidade. Proctor parecia estar “predestinada” a preencher a vaga da missão, pois já tinha anteriormente tentado candidatar-se à seleção de astronautas da NASA. Por duas vezes. Uma delas, em 2009, chegou à 47ª posição entre 3.500 candidaturas, até ser eliminada do programa.
Por fim, o quarto e ultimo pilar, que representa a Generosidade, foi sorteado entre aqueles que fizeram as doações para o hospital St. Jude. Calhou a Chris Sembroski, um veterano da guerra do Iraque, engenheiro na Lockheed Martin. Quem venceu até foi um amigo seu, mas ao não poder participar na missão, recomendou Chris ao líder da missão, que aceitou a substituição.
“A minha vida tornou-se bem mais ocupada desde que fui escolhida para fazer parte da Inspiration4”, salienta Hayley Arceneaux, sentindo-se sensibilizada com as histórias que ouve de outras crianças que continuam a batalhar contra o cancro ou que foram curadas, mas têm sido inspiradas pela missão. “Adoro falar com os meus pacientes sobre a missão e inspirá-los para sonhar sobre como será o seu futuro”. No entanto, diz que o mais importante é que a missão não afetou o trabalho que faz como assistente médica no St. Jude, sentindo-se “afortunada por trabalhar com as crianças mais corajosas do mundo”.
A missão deu origem a uma série documental experimental no Netflix em parceria com a TIME Studios, que será lançada quase em tempo real, composta por cinco partes. Os primeiros dois episódios estrearam no dia 6 de setembro, os dois seguintes no dia 13 de setembro, e ao manter-se o lançamento marcado para o dia 15, terá uma parte final nos últimos dias do mês. A série vai focar-se no dia a dia dos tripulantes, da escolha, o treino e testes até ao lançamento, sendo a última parte dedicada à viagem espacial. Espera-se que o documentário tenha acesso sem precedentes ao interior da nave durante o lançamento.
Inspiration4 vai abrir portas à comercialização das viagens espaciais. Mas houve muito treino pela frente
Jared Isaacman afirma que para além do importante aspeto humanitário da missão, esta representa um marco importante para a jornada da comercialização das viagens espaciais. “Acredito que no futuro, as viagens espaciais se tornem uma coisa do dia-a-dia. Assim que soube que teria a oportunidade de comandar a primeira missão totalmente civil ao espaço, a minha mente foi na direção de encontrar uma forma de tornar este passo super simbólico nessa direção. Por isso é que decidimos lançar concursos para democratizar esta missão ao dar uma oportunidade a todos os que estavam interessados de preencher os dois últimos lugares, que representam Prosperidade e Generosidade”.
O líder da missão explicou ao SAPO TEK que a oportunidade de criar o projeto Inspiration4 aconteceu muito rápido no final de 2020. “Compreendendo o significado histórico e a tremenda responsabilidade que surgiu para comandar a primeira missão totalmente civil ao espaço, decidi logo de início que queria usar este momento para inspirar a humanidade, ao mesmo tempo ajudar a combater o cancro juvenil aqui na Terra”, salientando que não precisou de um grande pitch à SpaceX, porque a empresa de Elon Musk suporta os mesmos ideais.
Mas da ideia à concretização foram necessários muitos meses de preparação da equipa. Receberam treino no veículo de lançamento, assim como a cabine espacial, sobre as mecânicas orbitais, operar em microgravidade, em alta gravidade e gravidade zero, assim como outros tipos de testes. Além disso, treinaram para estarem preparados para situações de emergência, a operar o fato espacial, assim como exercícios de entrada e saída da nave. Por fim, fizeram simulações completas ou parciais de toda a missão.
Com parte do treino, o líder da missão disse que teve planos de levar toda a tripulação para as montanhas. “É muito importante estarmos confortáveis quando estivermos desconfortáveis juntos num espaço fechado, em condições severas. E quero ter a certeza que todos nos damos bem nestas circunstâncias na Terra, antes de irmos juntos para o espaço”.
Logo assim que foram anunciados os dois últimos membros da equipa, no final de março, partiram juntos para completar o primeiro treino. “Estou contente de anunciar que todos se graduaram no treino de centrifugação, onde fomos expostos a forças-G, semelhantes às que iriamos experienciar durante o lançamento”, destacou a jovem Hayley Arceneaux ao SAPO TEK. A representante do pilar Esperança refere ainda o treino de sobrevivência à água, lições de mecânica orbital e outros cursos de preparação. “Na altura do lançamento, seremos todos astronautas comerciais certificados pela FAA. E no meu caso, ainda vou receber alguns treinos adicionais, porque serei a oficial médica de bordo”, salienta. A jovem terá de estar familiarizada com todos os recursos disponíveis na cápsula e estar preparada para qualquer situação que venha a surgir com a tripulação durante o voo.
Hayley Arceneaux refere que a sua mensagem para as pessoas que estão a lutar contra problemas, seja de saúde ou sociais, é de esperança. “Obviamente que nem todos tiveram cancro na infância, mas todos têm sempre de superar algo. Por isso é que me sinto tão honrada em representar a Esperança nesta missão. “Esperança” tem sido o tema da minha vida, desde que vim para o St. Jude onde todos os funcionários são implacavelmente esperançosos e ajudam a compreender a importância e o real papel que a esperança tem na recuperação”, disse-nos a jovem, reforçando que essa é a sua força de condução há quase 20 anos e a mensagem que quer partilhar com a sua participação na missão.
Nem 10 nem 90 minutos: Tripulação vai passar três dias em órbita da Terra
Se olharmos para os voos de Jeff Bezos e Richard Branson, que duraram 10 e 90 minutos no espaço, ida e volta, respetivamente, mais que turismo, foi um mero passeio. É que a Inspiration4 vai colocar a cápsula Crew Dragon e respetivos ocupantes em órbita em torno da Terra durante três dias. Ainda antes do tempo ser definido, Jared Isaacman tinha explicado ao SAPO TEK que a duração da missão seria determinada pelos consumíveis disponíveis a bordo da nave.
Destacou ainda que o voo, caso todas as condições estivessem reunidas, ficou marcado para o dia 15 de setembro (até 18), com o lançamento do Falcon 9 block 5 a partir do Centro Espacial Kennedy, “no histórico Complexo de Lançamento 39A, o mesmo onde partiram as missões Apollo e Space Shuttle”, pormenorizou o líder da missão. A viagem vai ser feita em baixa órbita terrestre, que durante os dias seguintes “vai continuamente eclipsar mais de 90% da população da Terra”.
Questionado sobre o nível de perigo da missão e a sua dificuldade, o comandante da Inspiration4 salienta que há sempre riscos nos voos espaciais. No entanto, reforça que a SpaceX desenhou, construiu, testou e voou múltiplas missões “com um dos mais seguros e avançados sistemas de voo espacial tripulados alguma vez construídos”, demonstrando total confiança na empresa de Elon Musk e o seu compromisso implacável na segurança.
A jovem médica não se sente nervosa para esta aventura, ainda que não saiba ao certo se vai sentir um formigueiro quando embarcar no foguetão. “Conheci todos os engenheiros da SpaceX que vão liderar todos os aspetos da missão. Eles têm um longo registo de segurança e inspiram-me muita confiança, da mesma forma que o nosso comandante da missão, Jared Isaacman”, confessa-nos Hayley Arceneaux, acrescentando que se trata de um líder incrível e que nasceu para liderar esta missão de civis ao espaço.
Quanto à sua família, sempre recebeu total apoio. “Quando fui convidada para a missão disse de imediato que sim. Mas depois disse que deveria falar primeiro com a minha mãe. Liguei-lhe e disse-lhe que não ia acreditar, mas que era verdade: St. Jude convidou-me para ir ao espaço”, descreveu-nos o momento em que recebeu a novidade. Mais tarde, ligou ao seu irmão e cunhada, ambos engenheiros aeroespaciais, que a acalmaram de qualquer ansiedade, assegurando que as viagens ao espaço eram seguras.
Apesar da missão Inspiration4 ser pioneira no que diz respeito ao turismo espacial, Jared Isaacman acredita que algures no futuro, “talvez daqui a 50 a 100 anos, as pessoas se desloquem pelo espaço, provavelmente entre colónias na Lua e em Marte”. Mas sobre a sua missão, acredita que a Inspiration4 vai figurar nos livros de história ao representar a pedra basilar na jornada para a comercialização das viagens espaciais. “Sinto-me incrivelmente afortunado por esta oportunidade e estou comprometido a sugerir o propósito de cada pedaço de altitude que alcançarmos. Por isso é que a recolha de donativos para a St. Jude teve uma grande importância para a nossa missão, porque se a civilização vai poder viajar entre as estrelas, é melhor darmos passos significantes para encontrar curas para o cancro entre as crianças”.
E será que acredita que o Homem vai chegar a Marte? “O progresso que a SpaceX está a fazer com a Starship é muito promissor. Acredito na missão de Elon [Musk] e a SpaceX de tornar a humanidade numa espécie multi-planetária”, refere o líder da missão, embora afirme que a exploração e colonização de Marte não significa que estejam a desistir da Terra, “mas é importante ver a o plano geral de como a humanidade vai precisar de encontrar opções adicionais por diversas razões, seja daqui a 100 ou a 1.000 anos”. Jared Isaacman diz que temos “todos os ovos num único cesto” e por isso, à semelhança de outros exploradores no passado, será necessário puxar pelos limites e pelas fronteiras, sejam nos oceanos da Terra ou distâncias longínquas no espaço. “É da nossa própria natureza de puxar pelos limites de onde estamos para o crescimento e avanço da civilização”.
A missão foi anunciada em finais de 2020, inserido num contexto pandémico, mas a COVID-19 não impediu os procedimentos normais de uma missão desta envergadura. Jared Isaacman explicou que a SpaceX tem proteções extensas, muito semelhantes ao processo formal de quarentena que começa 14 dias antes do lançamento, e que o médico residente da empresa tem garantindo que o ambiente de trabalho seja seguro.
“O centro de treinos da tripulação está em quarentena, com acesso restrito a apenas algumas pessoas críticas ao treino. Todos verificam diariamente a temperatura e vestem equipamento de proteção, incluindo luvas e máscaras”, explica o líder da missão, salientando que toda a área é desinfetada duas vezes ao dia. Explicações dadas antes da vacinação ter atingido os níveis atuais.
Independentemente da viagem ao espaço da missão Inspiration4 ser um “stunt” de promoção do turismo de luxo, do mediatismo para as empresas e nomes envolvidos, não deixa de ser um marco importante para a humanidade. A possibilidade dos voos espaciais se tornarem um dia quase tão comuns como viajar de avião ainda são utópicos, mas uma vez quebrada essa barreira, tudo pode acontecer.
No dia 3 de setembro, a SpaceX recebeu a autorização para o lançamento da missão no dia 15. E a tripulação da Inspiration4 está completamente credenciada para viajar ao espaço. Sem dúvida, a esperada recompensa de meses de trabalho árduo de treinos e formação. Caso as condições não se reúnam no dia marcado, há nova janela de oportunidade no seguinte, 16 de setembro, com horas ainda por determinar. Quando faltaram três dias para o lançamento, a SpaceX irá diminuir a janela de 24 para cinco horas, jogando com as condições meteorológicas. Mas também serão definidas a trajetória do voo e os diversos pontos de aterragem de emergência ao longo da costa da Flórida. A equipa liderada por Jared Isaacman vai chegar ao Centro Espacial Kennedy no dia 9 de setembro para cumprir os últimos detalhes da missão, assim como a quarentena de protocolo para todas as missões ao espaço.
Três dias a viajar pelo espaço, em órbita pela Terra, será certamente uma memória inesquecível para os tripulantes da Inspiration4. Mas há um mimo extra que a SpaceX preparou para a equipa: como a Dragon vai permanecer em órbita sem o habitual objetivo de acoplar na Estação Espacial Internacional, a empresa de Elon Musk retirou o módulo da doca. No seu lugar colocou uma redoma transparente, inspirada diretamente na cúpula da ISS, oferecendo à tripulação uma paisagem incrível do planeta, visto a partir do espaço. E isso sim, muito provavelmente, poderá valer "cada cêntimo" que custou o passeio...
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