Por Bruno Padinha (*)

A divulgação de potenciais aplicações para novas tecnologias peca muitas vezes por análises superficiais, ignorando os efeitos da conjugação dessas tecnologias num mundo que tenha tido tempo para incorporar todos os seus efeitos. Usando a condução autónoma como exemplo, a sua conjugação com tecnologias como data analytics e inteligência artificial, entre outras, poderá ter implicações alargadas:

  • Com mais veículos em utilização permanente diminui o número total de veículos necessário, com impacto nos produtores de veículos. Em contrapartida, o acesso facilitado à utilização de viaturas (como é o caso de menores de idade, ou de pessoas que passarão a fazer viagens enquanto dormem, entre muitos outros casos) aumentará a procura e atenuará ou anulará aquele efeito;
  • A alocação de veículos com dimensão adequada ao número de pessoas a transportar resultará numa menor massa global em movimentação, reduzindo o consumo energético;
  • Menores custos unitários por distância percorrida permitirão oferecer serviços de mobilidade mais competitivos, reduzindo as vantagens de ser proprietário de um automóvel, e com implicações profundas para a venda e modelos de financiamento automóvel atual;
  • Com algoritmos imunes a stress e a distrações, os prémios de risco irão penalizar os seguros para condutores humanos, acelerando a transição e alterando radicalmente o mercado de seguro automóvel;
  • Menos viaturas próprias, bem como a capacidade de parqueamento remoto decorrente da autonomia do veículo, resultam em menor necessidade de lugares de garagem em habitações e escritórios, com impacto nas novas construções e na libertação de espaços no interior das cidades;
  • Veículos inteligentes e um conhecimento detalhado dos fluxos de mobilidade podem tornar obsoletos conceitos como os semáforos ou as rotundas mas exigir sistemas sofisticados de gestão de tráfego em tempo real, com impacto nos requisitos das infraestruturas rodoviárias;
  • A tributação da mobilidade terá de evoluir, podendo dar lugar a cenários como a definição de uma velocidade mínima garantida, com custos e tributação acrescidos para deslocações não programadas ou para transportes considerados não essenciais em determinados horários, permitindo uma racionalização adicional do tráfego nos centros urbanos;
  • Mobilidade inteligente diminui a incerteza e aumenta a eficiência das economias: a capacidade de planear e controlar a entrega de mercadorias e a deslocação de pessoas aumenta a utilização dos recursos e o número de transações por unidade de tempo;
  • Fluxos de mercadorias autónomos reduzem a importância dos stocks nas lojas físicas, alterando o racional de utilização de espaço;
  • Maior certeza nas deslocações diárias traduz-se em mais tempo para atividades de lazer, formação ou trabalho, aumentando a produtividade e/ou a satisfação dos cidadãos.

O essencial da tecnologia necessária para que estas transformações se produzam já está disponível. À medida que a sua adoção atinja economias de escala que se traduzam na redução de custos, a velocidade de mudança irá aumentar, podendo mesmo gerar pressão para que o ambiente regulatório agilize o processo.

O ritmo de mudança pode ser incerto, mas o sentido da mesma irá com forte probabilidade incluir algumas das implicações acima identificadas. As consequências, para os cidadãos, para as empresas e para os decisores políticos, podem ser disruptivas. Torna-se assim essencial aprofundar a discussão em torno das implicações futuras da revolução digital em curso.

(*) Advisory Leader da EY Portugal