Por Pedro Rocha Vieira (*) 

Já todos sabemos que o Orçamento de Estado para 2022 não foi aprovado - o que, desconsiderando eventuais imperfeições da proposta e todo o cenário político, se mostra uma pena.

Este OE é especialmente importante para o momento de transição que vivemos, uma vez que efetiva a execução da aplicação de prioridades da agenda europeia, como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e as bases do Portugal 2030, muito focados na transição verde e digital. Para além disso, acontece num contexto singular em que se enfrentam desafios distintos.

Primeiramente, o de promover um estímulo de crescimento económico depois da crise financeira, equilibrando uma lógica de mercado com a necessidade de algum intervencionismo; depois a necessidade de promoção de uma agenda de transição digital e verde; por último, salienta-se o desafio de assegurar o investimento inteligente dum dos maiores pacotes financeiros que Portugal alguma vez recebeu.

Este não é um exercício fácil e por isso requereria um diálogo e uma concertação muito mais alargada e consciente a nível dos partidos da Assembleia, de forma a que tivesse sido possível elaborar um verdadeiro Orçamento de Estado alinhado com uma visão de longo prazo para o país e que não ficasse refém das lutas políticas e partidárias de curto prazo.

Um orçamento traduz uma visão, neste caso política, que deve expressar não apenas o investimento público em certas prioridades e linhas estratégicas, mas também ser capaz de criar incentivos ao investimento privado e apoiar a capitalização das empresas, através de incentivos relevantes e um contexto facilitado (i.e. incentivos competitivos e adequados e contextos favoráveis a industrias específicas, ou seja incentivos sem um contexto jurídico adequado são ineficientes), de processos contínuos e céleres (i.e. deve haver uma certa continuidade dos incentivos com base em processos simplificados, em vez de picos de candidaturas com timings apertados e desadequados às diferentes maturidades dos actores económicos) e com critérios claros e estáveis (i.e. convém que as regras se mantenham por algum tempo e que sejam claras para qualquer actor económico sério e interessado).

Tão importante como a visão é a sua boa execução e, acima de tudo, o impacto e retorno que se pretende atingir com o investimento em causa. À semelhança das empresas, os orçamentos devem permitir viabilizar a execução da estratégia. Boas métricas são essenciais para perceber se os orçamentos permitem viabilizar a estratégia e qual a melhor forma de lá chegar. Sinto alguma falta deste foco durante a discussão e elaboração dos Orçamentos (de Estado).

Apesar de ser um exercício que pode ser sempre melhorado, e por isso sempre atacável e criticável, é importante sabermos refletir sobre o Orçamento e o que representa em termos de visão e as suas implicações na vida do país e aproveitar os próximos tempos para tentar fazer as melhorias possíveis na especialidade e até apontar alguns caminhos para o próximo Orçamento de Estado. Isto se o Orçamento for aprovado.

Na minha opinião a política pública de um orçamento deve começar por olhar de forma muito séria para a fiscalidade como uma das principais (se não a principal) alavancas de estímulo ao investimento, e pensar bem quais as áreas onde pretende estabelecer contratos sociais com os privados e terceiro sector, e só depois olhar para os sectores onde deve promover investimento público direto relevante, que deve ser sempre acompanhado por um nível ambicioso de reforma do estado. Perspetivas que não ficam muito claras neste Orçamento de Estado, que poderia ter ido um pouco mais além, em particular em matéria fiscal e de reforma de Estado.

Também os desafios da transição energética são enormes e um risco potencial para a competitividade europeia no curto prazo, como se está a perceber com a recente crise energética, pelo que é determinante encontrar uma forma de criar os incentivos adequados para promover uma transição sustentável com incentivos que penalizem os comportamentos errados, ao mesmo tempo que suportam os investimentos adequados. Mais uma vez, uma lógica de incentivos fiscais forte pode ser mais relevante do que o investimento público directo.

Por outro lado, de forma a promover a produção e indústria verde, seria importante clarificar as regras para a promoção de novas fontes de energia verde, assegurar por exemplo as condições para investimento significativo em energias off shore e em temas como o hidrogénio verde, que são desafios que só podem ser abordados numa lógica de cadeias de valor integradas, desde incentivos financeiros, assegurar condições de procura a médio-longo prazo e licenciamentos mais facilitados e adequados aos ciclos de investimento que estas industrias justificam. Também na gestão dos recursos hídricos e a na floresta e na biodiversidade, a aposta não é clara e alinhada com os desafios. Precisamos duma reestruturação profunda da lei e do contexto da água e uma visão da floresta que vá para além do tema dos incêndios, apesar de ser uma aposta essencial.

Por fim, o mar, que é uns dois ativos estratégicos mais importantes que Portugal tem, merecia uma aposta mais clara, para além da lógica de preservação e investigação dos oceanos, que é muitíssimo importante, é importante apostar de forma clara numa dimensão económica mais abrangente e relevante, como as pescas, a aquacultura, os portos e transportes, a energia off-shore e turismo, que ao ser promovida de forma sustentável pode ser geradora de grande valor económico, para além de contribuir para a descarbonização e preservação de forma mais moderada e equilibrada. No entanto, a aposta nos hubs azuis e nos port tech clusters, associado a outras iniciativas como os test beds e outras linhas do PRR, já representam uma base interessante para a construção duma estratégia nacional azul com a ambição que Portugal merece, pois este é o momento de afirmar Portugal como um hub global para a economia do mar.

Este Orçamento de Estado tem mérito e algumas boas novidades; mais do que isso, este é um momento essencial para viabilizar a aplicação das verbas europeias do PRR e PT2030. Independente do modelo final a ser aprovado, estamos confiantes de que o modelo final do OE não representará um recuo em temas essenciais, como a competitividade laboral e fiscal. E que existirá abertura para o melhorar na especialidade, de modo a assegurar uma melhor execução. Temos uma oportunidade única, e com recursos, para acelerar a recuperação, afirmação e convergência de Portugal com o resto da Europa.

(*) Co-founder e CEO da Beta-i

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