Por Nuno Teixeira (*)
A transformação digital trouxe às PMEs uma capacidade inédita de capturar e processar informação, no entanto entre armazenar tudo indefinidamente e eliminar prematuramente reside uma decisão estratégica crítica: que dados guardar e até quando? Esta questão, aparentemente operacional, define, na realidade, a competitividade, a conformidade legal e a responsabilidade ética da cada organização.
- O valor temporal dos ativos digitais
Os dados são o novo petróleo do século XXI enquanto ativos estratégicos, dinâmicos que alimentam decisões, otimizam processos e antecipam comportamentos e tendências. Como sabemos, comportamentos passados são o melhor preditor de comportamentos futuros e por isso a capacidade competitiva de cada empresa depende diretamente da qualidade e atualidade histórica de informação que dispõe, bem como da capacidade de transformá-la em conhecimento útil, através de análises descritivas, preditivas e prescritivas.
Contudo, os dados também “envelhecem”, isto é, tornam-se obsoletos ou desatualizados, perdendo valor e utilidade com o passar do tempo, induzindo em muitos casos a decisões erradas. Assim, é necessário questionar por quanto tempo devemos guardá-los e até quando mantêm poder preditivo real.
A fragmentação organizacional agrava o problema. Quando os dados ficam presos em silos departamentais como os do marketing, vendas ou operações, impedem uma visão global e integrada do negócio, bem como comprometem decisões estratégicas. Critérios de retenção de dados distintos dificultam não só a sua integração, como impedem a empresa de identificar padrões e oportunidades valiosas de negócio.
- Arquitetura da Informação: Custos Visíveis e Invisíveis
As arquiteturas modernas de armazenamento transformaram radicalmente a economia dos dados. Os data lakes permitem guardar volumes massivos a custos reduzidos, todavia exigem governação rigorosa do ciclo de vida da informação, da sua transformação e recombinação. Sem estratégia clara de tiering e arquivamento, os dados quentes, mornos e frios coexistem indiscriminadamente, inflacionando custos desnecessariamente.
A relação custo-performance do armazenamento vai muito além dos custos de armazenamento.
Guardar tudo indefinidamente afeta a agilidade das operações críticas: bases de dados sobrecarregadas com históricos extensos degradam a performance, aumentam os tempos de resposta e tornam os processos de backup e recuperação mais complexos e lentos.
Técnicas emergentes estão a mudar esta dinâmica. A vetorização de dados permite análises de similaridade sem processar toda a base histórica. Por sua vez, as estruturas de grafos mapeiam relações e dependências entre dados, facilitando as decisões de eliminação sem comprometer a integridade analítica. Estas tecnologias viabilizam uma retenção seletiva baseada em valor e não em volume, dando nova vida utilidade a “dados antigos”.
- Conformidade: um mal necessário ou uma postura prudente e respeitosa?
O RGPD revolucionou a gestão de dados na Europa, estabelecendo princípios como consentimento, minimização e limitação de conservação
De facto, a retenção de dados navega entre dois riscos: guardar menos do que é legalmente exigido e guardar mais que o permitido. Em Portugal, os documentos fiscais devem ser conservados no mínimo por sete anos, enquanto os dados pessoais, sem justificação legal, devem ser eliminados assim que o propósito de tratamento termina. Esta gestão de retenção não é opcional, é uma obrigação legal, complexa e cuja operacionalização, combina questões técnicas, jurídicas e processuais, e que exige um rigor absoluto às empresas, sem margem para erro.
A não-conformidade acarreta consequências severas: coimas até 20 milhões de euros ou 4% do volume de negócios anual global, processos judiciais por violação de privacidade, e danos reputacionais em muitos casos irreversíveis. Para PMEs, uma única penalização significativa pode comprometer a continuidade do negócio, não só pelos custos financeiros, mas também reputacionais. A questão deixou assim de ser técnica para se tornar existencial.
- A ética é a base invisível de toda a confiança
A ética vai além de cumprir estritamente a lei, é um penhor da confiança. A privacidade não é apenas uma conformidade regulatória, mas sim uma responsabilidade corporativa perante aqueles que confiam os seus dados. Por sua vez, reter informação pessoal indefinidamente, mesmo que legal, levanta questões éticas sobre o equilíbrio de poder entre organizações e os direitos dos cidadãos.
À medida que os consumidores se tornam mais conscientes sobre a sua privacidade, a ética no uso de dados torna-se um fator decisivo de escolha de empresas e marcas, e assim políticas claras de retenção de dados geram confiança, o que se traduz em lealdade e recomendação. De tal modo, que atualmente, os consumidores querem saber porque é que determinado produto, recomendação ou oferta lhes é dirigida. Desta forma, o desafio reside em equilibrar o valor empresarial com os direitos individuais. No entanto, como este equilíbrio é dinâmico, exige uma revisão contínua, à medida que evoluem as tecnologias, as expectativas sociais e o contexto do negócio.
- Conclusão
As empresas devem adotar uma gestão ativa dos dados, independentemente da sua dimensão, e alinhadas com a estratégia de negócio e a confiança que querem inspirar nos seus clientes, devendo-se recordar de três elementos fundamentais:
- A retenção de dados é decisão estratégica que impacta competitividade, conformidade e reputação simultaneamente;
- O valor dos dados decai com o tempo, assim guardar tudo indiscriminadamente gera custos sem benefícios proporcionais. Desta forma é necessária estratégia na gestão de dados.
- A gestão temporal de dados exige governação integrada entre negócio, tecnologia, legalidade e ética;
Para as empresas que se quiserem destacar, recomendo desde já três ações a tomar de imediato:
- Implementar uma política formal de retenção de dados com critérios claros por categoria de dados e revisão anual.
- Automatizar a eliminação baseada em ciclo de vida, removendo dependência de processos manuais.
- Designar um responsável pela governação de dados com mandato executivo e recursos adequados, em estreito alinhamento com o responsável de IT.
Num mundo em que há uma abundante datificação da realidade, é fundamental a consciência de que nem todos os dados servem, até porque não são todos iguais.
Boas decisões, com dados claro!
(*) Senior Consulting, Data, Analytics & AI da Rumos Consulting
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