Por Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço – IA (*)

A conjuntura de 2020 afetou fortemente a Ciência, mas ainda assim, apesar do encerramento temporário de observatórios e a suspensão de muitas das atividades científicas, a Astronomia continuou a ver mais longe e a sondar mais profundamente os mistérios do Universo. E os investigadores portugueses continuaram a dar provas da excelência a que nos têm habituado.

Perto de nós, as nuvens de Vénus foram notícia mais de uma vez durante este ano. Para além da anunciada, mas ainda não confirmada, descoberta de fosfina, um composto potencialmente indicador da presença de microorganismos, foi também revelada uma disrupção atmosférica de longa data e à escala planetária nas nuvens baixas do planeta, algo nunca antes observado no Sistema Solar. Anunciada pela Agência Espacial Japonesa (JAXA) e pela NASA, esta investigação contou com a colaboração do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).

A descoberta e caraterização de planetas que orbitam outras estrelas – os exoplanetas – marcou 2020 com a confirmação de que um planeta parecido com a Terra orbita a estrela mais próxima do Sol, Proxima Centauri. Esta espantosa revelação foi apenas possível com a sensibilidade do ESPRESSO, um instrumento instalado no Very Large Telescope, do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile, e cuja construção teve mão portuguesa através do IA.

Este espectrógrafo está a dar cartas no estudo das atmosferas de exoplanetas, como o anúncio, também neste ano, da possível existência de nuvens e chuva de ferro em WASP-76b. Este planeta extremamente quente é ainda assim mais “fresco” do que os 3200 ºC do exoplaneta descoberto pelo telescópio espacial CHEOPS. Lançado em dezembro de 2019 e testado com sucesso nos primeiros meses deste ano, esta missão da Agência Espacial Europeia (ESA) conta também com o envolvimento ativo de Portugal e é parte da estratégia para promover no nosso país a investigação sobre planetas em órbita de outras estrelas.

Entre as estrelas, uma das mais brilhantes no céu começou a perder brilho no final de 2019. A supergigante vermelha Betelgeuse pareceu anunciar, ao longo de vários meses de 2020, o seu fim cataclísmico. Mas tal não deverá acontecer nos próximos milhares de anos, e a mais provável causa terá sido a ejeção de grande quantidade de material para o espaço e que, ao arrefecer, terá bloqueado parte da luz da estrela. A explicação final e completa tem de esperar pelo retomar das observações, interrompidas pelo fecho temporário dos observatórios devido à pandemia.

Ainda que de forma menos dramática, a maioria das estrelas, incluindo o Sol, apresenta variações de atividade que conduzem a alterações de brilho. As explosões solares são disso exemplo, com consequências nas telecomunicações e na rede elétrica. Porém, um estudo de 2020 que comparou o Sol com estrelas semelhantes, revelou que, pelo menos nos últimos 140 anos, a nossa estrela se tem mostrado pouco ativa. Para bem da Terra e do leitor, é necessário nos próximos anos compreender melhor a origem da atividade do Sol, e saber se a sua máxima amplitude está ainda por se manifestar. O fortalecimento da presença de Portugal no Telescópio Solar Europeu, em 2020, é um bom prenúncio para o futuro desta investigação no nosso país.

Ativas são também as galáxias em que o seu buraco negro supermassivo central está a “engolir” matéria. Um tipo específico destas galáxias manifesta forte emissão nas ondas rádio. Em 2020, o MeerKAT, uma das recentes infraestruturas em radioastronomia e um dos precursores do observatório SKA, de que Portugal é um dos países fundadores, continuou a antecipar a ciência que será possível com radiotelescópios cada vez mais potentes e promissores. Num estudo com participação portuguesa do IA e que utilizou dados do MeerKAT, foram descobertas duas novas galáxias gigantes em emissão rádio e próximas entre si, o que indicia que serão mais comuns do que se pensava.

Mais esquivas são as primeiras galáxias na história do Universo, por serem também as mais distantes e difíceis de observar. A mais longínqua foi confirmada em 2020 – já existia 420 milhões de anos após o Big Bang, quando o Universo tinha apenas três por cento da idade atual, e manifestava já nesses tempos remotos atividade produzida por um buraco negro central.

No centro do prémio Nobel para a Física em 2020 estão também os buracos negros. O maior reconhecimento nesta área premiou Roger Penrose por mostrar que os buracos negros são uma consequência direta da teoria da Relatividade Geral de Einstein, e também Reinhard Genzel e Andrea Ghez, que descobriram que um objeto compacto com quatro milhões de vezes a massa do Sol governa as órbitas das estrelas no centro de nossa galáxia Via Láctea.

Estas revelações sublinham o papel fundamental dos instrumentos e observatórios atuais, e o tremendo potencial das infraestruturas atualmente a serem construídas. Mas 2020 assistiu à paragem dos maiores observatórios durante meses, e os projetos de novos instrumentos em fase de construção sofreram atrasos, como alguns em que Portugal e o IA participam: espectrógrafos da próxima geração para o estudo de exoplanetas e galáxias, a serem instalados em observatórios do ESO, no Chile, e sistemas para missões espaciais da ESA.

Ainda assim, e para a investigação nacional, este ano trouxe passos importantes: a ESA aprovou a missão Ariel, a primeira dedicada ao estudo das atmosferas de exoplanetas, e que conta com forte participação portuguesa do IA; os dois instrumentos científicos do Euclid – o telescópio que irá penetrar em 10 mil milhões de anos da história do Universo e no qual Portugal participa – passaram nos testes e vão ser montados no telescópio; Portugal, através do IA, lidera a partir de 2020 o desenvolvimento de um dos sistemas do telescópio Athena, que fará uma radiografia do Universo nos raios X; e em 2020 completaram-se 20 anos da adesão de Portugal à maior organização intergovernamental europeia em Astronomia, o Observatório Europeu do Sul (ESO).

A comunidade astronómica espera também reativar o papel da comunicação de ciência, posta à prova em 2020. Inúmeras atividades presenciais, de pequena e grande escala, foram canceladas, levando à redução severa no número de visitantes em eventos e centros de ciência, como os planetários. Foi evidente o esforço do público em manter o contacto com a ciência, e a astronomia em particular, promovendo e assistindo às atividades online, nomeadamente as muitas realizadas pelo IA. Este será talvez um paradigma que veio para ficar, mas para 2021 deseja-se que, aos poucos, se possa também retomar as atividades presenciais. São estas que estreitam laços com o público e criam experiências de impacto duradouro: espreitar por um telescópio, visitar um planetário ou centro de ciência, ou receber um cientista na escola.

Espera-se que o ano de 2021 possa marcar, mais do que o retorno à normalidade, uma ainda maior dinâmica de descobertas científicas sobre o Universo e o nosso papel nele. A presidência portuguesa do Conselho da União Europeia será também uma excelente oportunidade para fortalecer a atividade científica no nosso país, assegurando a consolidação da sua excelência internacionalmente reconhecida, em particular na área da Astrofísica e Ciências do Espaço.

(*) Texto do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) com contribuições dos investigadores Vardan Adibekyan, José Afonso, Alexandre Cabral, Francisco Lobo, Polychronis Papaderos, Sérgio Pereira, Filipe Pires, João Retrê e Nuno C. Santos.

Este artigo faz parte do Dossier O melhor e o pior de 2020. E as expectativas para 2021. Leia aqui todas as análises e artigos deste especial

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