Por Jeferson Valadares (*)
Temos vindo a observar um notável aumento no estabelecimento de empresas com maturidade na indústria de videojogos em Portugal, onde a atração de talento nacional tem desempenhado um papel crucial nessa tendência. Cada vez mais, filiais e sucursais de empresas já estabelecidas nos Estados Unidos e na União Europeia estão a optar por Portugal como sede dos seus escritórios. Claro que o mix património, segurança, lifestyle, mão de obra qualificada e o ambiente de negócios e inovação ditam esta escolha por terras lusas, mas será só isso?
Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o volume de negócios de 2021 para as empresas que têm como atividade principal a produção de videojogos é de mais 23 Milhões num universo de cerca de 80 empresas mas, dados recentes do Statista, revelam um mercado francamente maior em termos de negócio apontando para uma receita de 365 milhões de euros até ao final de 2023, estimando também que o número de jogadores em território nacional alcance os cerca de 3 milhões até 2027. Em todo o mundo, 3,5 mil milhões de pessoas jogam videojogos em consolas, computadores e dispositivos móveis, sendo este último o maior segmento, representando 74% das receitas globais.
Dada a solidez do mercado global de videojogos, urge a criação de um ecossistema vigoroso que promova o desenvolvimento de startups, pequenas e médias empresas, e que continue a atrair multinacionais que, por inúmeras razões acima descritas, apontam a mira a Portugal. Apesar da atual dimensão modesta da indústria no país, esta é notavelmente heterogénea. Nós temos emergido como um centro de excelência para a indústria de videojogos, impulsionado por um talento em ascensão e um valor de mercado promissor. Estas características criam um ambiente propício ao florescimento do setor e das empresas de tecnologia, tornando o país uma escolha ideal para investimento e inovação.
É importante notar que atualmente, em Portugal, ainda não existem apoios públicos específicos de natureza fiscal ou financeira para a indústria de videojogos. Embora benefícios fiscais como o SIFIDE, Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e ao Desenvolvimento Empresarial, possam auxiliar na investigação e desenvolvimento para esta indústria, principalmente para empresas de médio e grande porte, é fundamental implementar mais medidas de suporte para fomentar o sucesso das micro/pequenas empresas e a criação de videojogos como produção cultural. Existem ainda benefícios fiscais focados na contratação, como o regime de visto de residente não habitual, que oferecem suporte aos profissionais contratados, embora não estejam especificamente direcionados para as empresas de videojogos. Este apoio não deixa de ser relevante, uma vez que as empresas necessitam dessa agilidade fiscal para a concretização dos seus projetos e também por atrair talentos experientes e mais seniores da indústria para Portugal, colmatando a escassez de mão-de-obra nessa categoria profissional.
Observamos ainda assim que outros estados membros da União Europeia oferecem incentivos como tax-credits ou subsídios para os produtores de videojogos, algo que é relevante para fortalecer a competitividade das empresas. Em diversos países, são oferecidos apoios que reduzem a carga fiscal nos primeiros dois anos de vida da empresa, contribuindo significativamente para a viabilidade do setor. Além disso, a criação de programas estatais, como grants, para jovens criadores que iniciam as suas empresas, tem sido implementada com resultados promissores noutros países da UE. Considerando o contínuo interesse das empresas em escolher Portugal, mesmo sem o suporte do estado, levanta-se a questão sobre as possíveis consequências positivas caso esses apoios fossem realmente implementados.
Se olharmos para a situação europeia, Portugal detém um notável número de instituições de ensino relacionadas com a dimensão da nossa indústria de videojogos. Contudo, muitos recém-formados optam ainda por “fugir” para carreiras em Tecnologias da Informação ou até mesmo emigrar. No ano de 2021, a APVP, Associação de Produtores de Videojogos Portugueses, identificou 19 cursos superiores ligados aos videojogos, mas ainda assim, não existe uma comunicação efetiva com essas entidades para alinhar os programas curriculares com as exigências da indústria. É imperativo que o sistema educacional estabeleça um diálogo com as empresas, para garantir que as formações são realmente pertinentes na prática. As escolas portuguesas muitas vezes carecem de compreensão sobre o ambiente empresarial do país, e é crucial reconhecer e orientar os estudantes para as possibilidades de carreira que os esperam após a graduação.
No processo de aprovação de novos cursos pelo A3ES, a associação encarregada da acreditação do ensino superior, seria benéfico consultar quem está por dentro da indústria. Nesse sentido, contar com a experiência da APVP como parceira na área poderá proporcionar valiosas perspectivas do setor para assegurar a relevância desses cursos no mercado. Dessa forma, criava-se um diálogo com as empresas e criadores do setor para verificar se os programas curriculares realmente atendem às necessidades reais da indústria, potencialmente facilitando a criação de estágios ou parcerias mais diretas. Afinal, o que adianta termos uma abundância de cursos superiores e laboratórios de pesquisa em videojogos em Portugal, se os formados não conseguem encontrar emprego no próprio país?
A indústria de videojogos, ao ser cultivada de maneira estratégica, oferece um caminho promissor para reter talento em Portugal, contrariando a tendência de emigração. Ao investir nesta indústria em ascensão, o país pode fornecer oportunidades de carreira atraentes e tecnologicamente avançadas, alinhadas com as paixões e competências dos jovens. Isso não apenas poderá atrair e manter profissionais altamente qualificados em solo nacional, mas também impulsionar a economia através do desenvolvimento de um ecossistema de inovação e criatividade. O êxito de videojogos como Super Mario Bros, Angry Birds e Last of Us na cultura contemporânea revela como os videojogos são a mais recente fronteira da expressão cultural - e possuir uma indústria robusta é a maneira mais eficaz de fazer parte dessa nova cultura como criadores, não apenas como consumidores.
É essencial sensibilizar algumas entidades públicas para a existência desta indústria e o seu potencial de crescimento. Ao alinharmos com as projeções de crescimento a nível global e europeu da indústria de produção de videojogos, Portugal emerge como um país atrativo para investimento. Embora a indústria dos videojogos em Portugal seja, em termos de faturação, por vezes subestimada e considerada como um “parente pobre” de IT, o seu potencial é notável e merece mais reconhecimento e apoios. Até porque esta indústria tem inspirado múltiplos setores e fileiras como o cinema, o desporto, o workplace e até o marketing, com o advento da gamificação.
(*) presidente da APVP - Associação de produtores de videojogos portugueses. A APVP é uma associação sem fins lucrativos que procura promover, organizar, defender e representar a indústria portuguesa de desenvolvimento e produção de jogos de vídeo
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