Por Miguel S. Albergaria (*)

Quando se fala em “tecnologia”, ocorrem-nos habitualmente objetos com utilidade prática – computadores, esferográficas… No entanto, aquele termo pode ser usado em outros sentidos. Um destes é o de uma forma de raciocínio – dito mais precisamente, “técnico” – e uma certa constituição dos conceitos como tais.

Raciocínios da forma “Se se pretende x, e y é um meio eficaz, acessível e melhor do que as alternativas para se obter x, faça-se y”. São raciocínios orientados por fins, e regulados por critérios de eficiência e oportunidade. Para o pensamento técnico, ou “instrumental”, que os implementa, conceitos como aqueles acima, ou hipotenusa, Portugal… não constituem representações de parcelas da realidade, e menos ainda nomes daquilo mesmo que há a considerar como real. Constituem antes ferramentas para a conceção do que se jogará em cada situação problemática, em vista da resolução destas últimas. Servem, pois, para organizar a experiência e orientar a ação.

Nada será mais oportuno, ou mesmo necessário, face à perturbação associada à integração social da IA e emergência da indústria 5.0 – com colaboração entre agentes humanos e artificiais –, ou à atual (des)ordem internacional. A eficiência de um pensamento técnico na atual circunstância histórica, porém, requer uma seleção cuidadosa das ferramentas concetuais a utilizar. Para o que me ocorre a noção de “instrumento de expansão” civilizacional, da autoria do influente académico americano Carroll Quigley.

A sua seleção pressupõe a utilização da ferramenta “civilização”, na sua dupla fórmula: como modo de organização social que conta com instituições formais (ex. do exercício dos poderes políticos), e que intervém tecnologicamente na natureza – patente na frase “A vida civilizada contrapõe-se à vida natural ou selvagem”. E como complexos de tais organizações, distinguidos por princípios, valores e práticas típicas, que se designam “culturais” – patente nos nomes “civilização Ocidental”, “civilização Sínica”… Me parece que a seleção prévia desta ferramenta concetual se justifica, por um lado, pelo reconhecimento da constituição de tradições que modalizam essa vida civilizada conforme desenvolvem complexos de fatores culturais dominantes, distintos uns complexos dos outros. Pelo outro lado, quando se verificam fenómenos interpretáveis como sinais de turbulência, quando não mesmo já de decadência, em espaços habitados concebíveis como tais civilizações – é o caso dos fenómenos acima apontados.

Uma vez adotada essa abordagem civilizacional, podemos ponderar a utilização da ferramenta “instrumento de expansão”. O referido historiador designa assim as organizações sociais que cumprem três objetivos: i) incentivar a invenção de novas maneiras de fazer as coisas; ii) acumular recursos que possam vir a ser investidos; e iii) alocar este excedente no desenvolvimento e implementação daquelas invenções. Quando as instituições de uma organização passam a visar manter-se indiferentemente de não cumprirem estes objetivos, gera-se maior violência, piores condições de vida para a maioria da população, e eventualmente uma decadência civilizacional (o oposto do x pretendido na fórmula inicial).

Nesse quadro, acrescentemos que cada país da civilização terá de desenhar (o y naquela fórmula) instituições de segurança, justiça, económico-financeiras, laborais, sociais e educacionais – na constituição do dito “instrumento” – que respeitem tanto a cultura nacional, quanto os traços culturais civilizacionais comuns.

Entre nós, esta ferramenta concetual afigura-se particularmente relevante logo para a identificação e o equacionamento do desafio português face a perturbações como as aqui consideradas. Uma vez que o nome “Portugal” designa, entre outras coisas, um exemplo da possibilidade de uma pequena parcela de uma civilização se distinguir tanto na inovação de um instrumento de expansão – Quigley: o capitalismo comercial, a meados do séc. XV –, quanto na ossificação desse último – o mercantilismo de Estado.

O pensamento técnico é hoje, pois, particularmente oportuno na nossa governação coletiva. Com uma identificação da missão do novo executivo, e das bancadas, no parlamento, que se constituam como ocidentais, como a do apoio ao país em alguma participação no novo instrumento de expansão que, esperemos, o Ocidente será capaz de gerar neste momento histórico. Em vez de restarmos na ossificação do instrumento com que respondemos a problemas ultrapassados.

Já a realização dessa participação, para aquém das instituições políticas, cabe-nos a nós nas nossas vidas familiares, profissionais, sociais…semana após semana.

(*) Professor do ensino secundário, São Jorge (Açores)