A Inteligência Artificial tornou-se nos últimos anos um tema incontornável, extravasando em muito o mundo da tecnologia e das empresas e entrando no léxico corrente do dia a dia, na forma como acedemos à informação, como trabalhamos e planeamos as férias, os treinos e as ementas das refeições. Muito mais rápido do que a revolução da Internet, a IA começa a estar em todo lado, ao mesmo tempo, e é simultaneamente uma ameaça ao emprego e um companheiro da vida pessoal e profissional, um confidente e até um namorado(a).
Desde que em novembro de 2022 a OpenAI apresentou ao mundo o ChatGPT o ritmo da evolução acelerou de forma extraordinária. Em 2025 os lançamentos de atualizações aos modelos de linguagem, com a integração de ferramentas de geração de fotografias e vídeos cada vez mais aperfeiçoados, e a capacidade de “entender” o mundo e o contexto, usando as câmaras e os microfones para “ver” o nos rodeia, sucederam-se a um ritmo vertiginoso, difícil de acompanhar mesmo para quem trabalha na área. E a integração de capacidades de IA em aplicações, plataformas e hardware seguiu o mesmo caminho.
A sensação é de que todos os dias há novidades de funcionalidades, ferramentas e novos desenvolvimentos nas capacidades dos modelos. ChatGPT, Gemini, Claude, DeepSeek e outros LLMs e chatbots ainda não atingem o nível da Inteligência Artificial Geral (AGI na sigla em inglês para Artificial General Intelligence), com a aptidão de imitar as capacidades cognitivas do cérebro humano, mas é possível que não estejam muito longe. E fala-se mesmo na proximidade de uma Superinteligência, que possa ultrapassar as competências humanas, e que Mark Zuckerberg acredita que vai ser acessível a todos, trazendo maior benefício para desenvolvimento pessoal.
Nas empresas a voragem de desenvolver projetos de IA é grande, e assumida, canalizando muitos investimentos das áreas de Tecnologias de Informação, e com desafios ocultos apontados pela Gartner.
A falta do retorno desejado para o negócio é um dos problemas, e é isso mesmo que mostrou um estudo do MIT, o projeto NANDA, com o relatório "The GenAI Divide: State of AI in Business 2025" que indica que 95% dos projetos de Inteligência Artificial falham em gerar impacto real no negócio.
O que está a falhar? O estudo indica várias razões para este insucesso, sobretudo na liderança dos projetos, que não têm orçamento para a operacionalização, mas também a formação dos utilizadores, que não estão preparados para tirar partido das ferramentas. E depois há o problema da qualidade dos dados – e não apenas do volume – porque sem informação fiável de base, e bem estruturada, não é possível produzir bons resultados. São más notícias para um sucesso rápido nas organizações mas com problemas que podem ser resolvidos de forma relativamente fácil.
Os despedimentos e substituição de profissionais por agentes são um dos grandes receios, apesar de alguns analistas apontarem para a criação de outros perfis e novos empregos. Os últimos números apontam para mais de 20 mil despedimentos nas tecnológicas na Europa este ano e nos EUA os valores são mais elevados.
E que competências serão necessárias no mercado do futuro? Um novo relatório do McKinsey Global Institute indica quais as competências humanas que vão prevalecer, num mundo onde as pessoas, robots e agentes inteligentes têm de trabalhar em conjunto, e o cenário é optimista para qualidades humanas.
Há oito competências de elevada prevalência - comunicação, gestão, operações, resolução de problemas, liderança, atenção ao detalhe, relacionamento com o cliente e escrita - continua a ser fundamental em todos os setores.
Novos modelos e o desafio da China à “inteligência ocidental”
A corrida para modelos mais eficientes, com mais capacidade de processamento e capazes de “entender” o contexto, com funcionalidades multimodais que associam ao texto a capacidade de produzir imagens e vídeos, tem levado à disponibilização de novas gerações das ferramentas. Qual é o melhor? Essa é uma pergunta de resposta difícil, e mesmo as várias ferramentas de benchmark têm resultados distintos na avaliação das capacidades dos vários modelos.
Na verdade, a escolha dos modelos deve depender das tarefas, e numa avaliação recente o GPT-4/GPT-4o, da OpenAI, e o Claude 3 Opus da Anthropic, revelam melhores resultados para raciocínio geral e tarefas complexas, enquanto o Gemini 2.5 Pro da Google revela o melhor entendimento do contexto e bom custo-benefício. Para código, Codestral ou GPT-4 são indicados como mais adequados, e o Perplexity Pro, que usa vários modelos, também aparece bem na classificação. Para código aberto e eficiência as opções são o Llama 3 da Meta, o DeepSeek e Falcon.
E claro, estes dados estão sempre a evoluir com os novos anúncios. A OpenAI apresentou em novembro o GPT 5.1 , três meses após o lançamento do GPT-5 que foi criticado, mas em dezembro lançou a versão GPT 5.2, depois da Google ter lançado o Gemini 3, que foi pensado para perceber melhor o contexto e a intenção por detrás de cada pedido, combinando dados provenientes de vários tipos de fontes como texto, imagens, vídeo e áudio, em vez de processar todas essas fontes individualmente.
O Claude da Anthopic e o Perplexity estão também na corrida, enquanto a Microsoft faz o caminho do Copilot mais focado no trabalho e na integração com o Windows e as ferramentas do Office e uma nova camada de inteligência, o Work IQ.
Mas, apesar de estarem no centro das principais notícias, não são apenas as plataformas europeias que estão na corrida para o domínio da Inteligência Artificial. A DeepSeek surpreendeu meio mundo (ou o mundo inteiro) com o anúncio de um modelo mais eficiente, e de baixo custo, logo no início do ano. A startup fundada em 2023 conseguiu treinar o seu modelo por uma fração do valor usado pela OpenAI, o que foi apontado como uma conquista relevante e abanou, pelo menos durante algum tempo, os cálculos de valorização de empresas como a Google e a Nvidia, e chegou a assustar os mercados.
Em dezembro a chinesa DeepSeek anunciou dois novos modelos de raciocínio e divulgou testes de performance que mostram a capacidade da tecnologia para desafiar o ChatGPT e o Gemini da Google.
Não faltam porém avisos em relação aos riscos de segurança e os obstáculos para o domínio global podem crescer maiores em chegar às empresas e a utilizadores nos Estados Unidos se for integrada na “lista negra” da Casa Branca, como parece ser a intenção do Governo norte americano.
Uma estratégia para 2026, a Amália e a família do Evaristo
Em Portugal os números de muitos estudos partilhados sobre a adoção das empresas e utilizadores não trazem um consenso, mas apontam geralmente para uma taxa elevada de utilização e confiança. A ambição do Governo é grande nesta área e a Estratégia Digital Nacional, a Agenda Nacional de Inteligência Artificial e o Pacto para as Competências Digitais representam em um investimento total de mil milhões de euros, que pretende "colocar Portugal entre os 10 líderes digitais da Europa até 2030".
Entre os dados mais recentes, um estudo da Magma Studio, em parceria com a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e a Data Science Portuguese Association (DSPA), revela que 94,8% dos profissionais em Portugal já usam IA, com 73,1% a fazê-lo semanalmente e 48,2% a usar a tecnologia diariamente. No entanto, apenas 30,3% acreditam que as suas empresas estão a adotar a IA de forma estruturada e estratégica.
A análise da Deloitte para o mercado português, no estudo Digital Consumer Trends 2025 indica que a maioria dos portugueses já conhecem e usam ferramentas de inteligência artificial generativa, quase sempre para fins pessoais .
Sem surpresas, o ChatGPT é a ferramenta de IA mais popular, com 76% dos portugueses a indicarem que conhecem e três em cada cinco a usarem. O Gemini da Google e o Copilot da Microsoft surgem nas posições seguintes.
O crescimento da utilização nas empresas e nos cidadãos faz-se sem que o Governo tenha apresentado ainda a prometida Agenda para a Inteligência Artificial, que só deverá ser iniciada no primeiro semestre de 2026, integrando as linhas do Plano de Ação da Estratégia Digital Nacional para 2026-2027, que foi publicado ontem em Diário da República.
A Agenda Nacional de IA assenta em quatro pilares, entre os quais a infraestrutura, a adoção e integração nas empresas, o talento e reforço das competências e a responsabilidade, com o desenvolvimento e utilização da IA ética, transparente e segura.
Segundo o partilhado, "a implementação será feita através de mais de 30 iniciativas que envolvem instituições públicas, empresas, academia, centros de investigação e parceiros internacionais, garantindo uma abordagem coordenada e de impacto", que não são detalhadas.
O LLM português AMÁLIA, que foi anunciado pelo Primeiro Ministro na abertura do Web Summit 2024, faz parte da estratégia, mas ainda não está disponível publicamente. O modelo de linguagem de português de Portugal tem um investimento previsto de 5,5 milhões de euros, aos quais se somam outros investimentos já na área, contando com o envolvimento de uma equipa composta pela Universidade Nova de Lisboa, o Instituto Superior Técnico, a Universidade de Coimbra, a Universidade do Porto, a Universidade do Minho e a Fundação para a Ciência e Tecnologia.
A equipa do AMÁLIA - acrónimo de Assistente Multimodal Automático de Linguagem com Inteligência Artificial, deu conta em setembro de que já estava concluída a versão final e foi feita uma “apresentação técnica em setembro a um conjunto restrito de jornalistas, sem considerar os meios técnicos.
Ainda ontem uma notícia da Lusa referia ter tido acesso a um relatório técnico da equipa de investimento e desenvolvimento que indicava que o AMALIA-DPO tem “o melhor desempenho entre os modelos totalmente abertos por uma margem considerável, obtendo mesmo os melhores resultados entre todos os modelos em lexicologia e semântica, demonstrando um domínio robusto das competências linguísticas específicas”.
O estudo não está disponível e apesar de termos solicitado, não tivemos acesso aos dados do relatório elaborado por João Magalhães (UNL) e André Martins (IST), coordenadores, e uma equipa de cerca de 20 pessoas da Universidade de Lisboa e da Universidade Nova de Lisboa.
Também com foco no português, na Faculdade de Ciências de Lisboa o Grupo de Fala e Linguagem Natural (NLX) e a spinoff OUSAR.AI estão a desenvolver outra família de chatbots e LLMs abertos para a Língua Portuguesa, onde o Evaristo.ai é a “personagem” principal, mas com uma família que está a crescer.
Todos têm nomes bem portugueses, como o Albertina (codificadores), Serafim (vetorizadores) e Gervásio (descodificadores), e podem ainda não ser conhecidos pela maioria dos portugueses. O trabalho que está a ser feito quer ser uma base para a IA soberana, e a proteção de uma autonomia linguística, cultural e geopolítica face ao domínio de Big Tech como a OpenAI ou a Google com os seus ChatGPT e Gemini, ou o chinês DeepSeek.
O Evaristo.ai foi apresentado em junho deste ano, como o primeiro chatbot de IA aberta para a língua portuguesa, e está disponível para quem o quiser experimentar. No início de novembro, ganhou um “primo” que é especialista em Administração Pública e o crescimento da família pode não ficar por aqui.
2026 com mais Inteligência Artificial (uma previsão que não corre o risco de falhar)
É sempre difícil fazer futurologia, e definir o que o próximo ano de 2026 vai trazer, mas de certeza não erramos se dissermos que a Inteligência Artificial, e os agentes de IA, vão continuar a dominar. E que, tal como aconteceu noutras tecnologias, como a Internet ou a Cloud, o caminho de adoção pode não ser tão rápido como as empresas tecnológicas gostariam, mas vai acontecer, até porque este é uma evolução integrada em muitas das ferramentas, que vão tornar-se cada vez mais presentes e persistentes.
Se olhamos para esta generalização com confiança? Uma avaliação cautelosa dirá que tem de ser olhada com prudência, e com regras éticas bem definidas, com o AI Act da União Europeia a apresentar uma base sólida, que pode ser limada mas que tem os princípios básicos.
Entregar todos os dados e todas as decisões a uma Inteligência Artificial que ninguém sabe muito bem como funciona de facto, e que pode alucinar, não é uma boa decisão para os indivíduos, para as empresas e para a humanidade, e o pensamento crítico será sempre importante para avaliar as respostas da IA e validar os resultados das tarefas que lhe entregamos.
Até porque como diziam os nossos avós, "cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém".
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