Por Miguel Oliveira (*)
A evolução rápida da Inteligência Artificial (IA) trouxe à tona questões que vão além da tecnologia em si, revelando as limitações humanas na forma como criamos, compreendemos e prevemos o impacto dessas tecnologias. Dados recentes, apresentados num estudo que comparou previsões de investigadores em 2022 e 2023, indicam que as expectativas para avanços tecnológicos significativos na IA foram ajustadas em até 48 anos, ilustrando o impacto dos vieses cognitivos na forma como interpretamos e projetamos informações sobre o futuro. Este artigo tenta examinar como tais vieses influenciam as nossas decisões e previsões tecnológicas, com implicações significativas para o futuro da IA e da sociedade.
O artigo “Thousand of AI Authors on the Future of AI”, revelou uma revisão surpreendente nos marcos previstos para a IA de alto nível (HLMI, High-Level Machine Intelligence). Enquanto a investigação de 2022 previa uma probabilidade de 50% para o surgimento de HLMI em 2060, a investigação de 2023 alterou essa estimativa para 2047, representando uma redução de 13 anos em apenas 12 meses. A previsão para a automação completa do trabalho também sofreu uma revisão drástica, diminuindo em 48 anos.
Este fenómeno não é reflexo apenas de avanços tecnológicos acelerados, mas também da forma como nós, humanos, processamos informações e geremos incertezas. A queda exponencial das previsões expõe um paradoxo: enquanto as “máquinas” progridem em capacidade e precisão, as projeções humanas revelam inconsistências emocionais e cognitivas que podem comprometer decisões de longo prazo.
Entre os principais vieses que influenciam as projeções apresentadas, destacam-se a preferência pelo status quo, o viés de otimismo ou pessimismo, a ancoragem temporal e o viés de confirmação. Os humanos tendem a subestimar a velocidade de mudanças disruptivas por um apego ao estado atual das coisas. As emoções desempenham um papel crucial na interpretação de avanços tecnológicos, levando alguns especialistas a exagerar ou a subestimar o ritmo dos avanços. Além disso, muitos procuram informações que reforcem as suas crenças preexistentes, ignorando evidências contraditórias. Estes vieses não só distorcem as previsões, mas também influenciam decisões políticas, económicas e sociais relacionadas com a adoção de novas tecnologias.
A investigação também sugere que, ao serem questionados sobre o advento da HLMI ou da automação total, os especialistas não respondem apenas com base em dados, mas também na sua "distância emocional" face a estas mudanças. Por exemplo, prever que a HLMI surgirá em 2040 pode refletir mais um conforto com essa ideia do que uma análise fundamentada. Isso reforça a importância de separar emoções de análises ao lidar com temas complexos como a IA. A incapacidade de o fazer não apenas compromete a precisão das previsões, mas também cria barreiras à inovação e à preparação para o futuro.
A fragilidade dos vieses cognitivos humanos não deve ser vista como uma fraqueza insuperável, mas como uma oportunidade para refletir e adotar medidas que reduzam o seu impacto. Algumas soluções passam por aumentar a literacia das pessoas para pensarem de forma mais crítica, incluir diferentes perspetivas nas discussões, usar ferramentas de IA para identificar e corrigir vieses, e garantir que as decisões sejam justificadas com dados claros, reproduzíveis e verificáveis. Com isto, espera-se que o processo de tomada de decisão seja o mais informado possível.
A Inteligência Artificial é tanto um espelho como um catalisador para as fragilidades humanas. Ao reconhecer e abordar os vieses cognitivos que influenciam as nossas interações com a tecnologia, podemos construir um futuro mais equilibrado e informado. O desafio não é apenas avançar tecnologicamente, mas também evoluir cognitivamente, ajustando as nossas projeções e decisões para refletirem não apenas as nossas esperanças e medos, mas a realidade objetiva e os potenciais da IA.
(*) Coordenador do Programa PsicologIA na Transformação Social da Ordem dos Psicólogos Portugueses
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