Os serviços de acesso à internet via satélite Direct 2 Devices (D2D), ou seja, sem acesso sem a necessidade de antenas adicionais, ainda estão a dar os primeiros passos. Mas os testes, que começaram nos Estados Unidos entre a Starlink e a operadora T-Mobile, começam a expandir-se para outros territórios. Depois das chamadas telefónicas bem-sucedidas, as empresas esperavam lançar o serviço ao público no final de 2024.

A operadora japonesa AU, que pertence ao grupo KDDI, anunciou no início de abril o lançamento do serviço de conetividade via Starlink D2D, tornando-se a primeira operadora na Ásia a oferecer a tecnologia, disponível comercialmente no Japão.

Os testes realizados nos Estados Unidos são promissores, levando as principais fabricantes de smartphones a atualizar os seus modelos para serem compatíveis com a tecnologia D2D. Atualmente já existem cerca de 50 modelos de smartphones preparados para comunicar diretamente com os satélites, incluindo os equipamentos da Apple desde o iPhone 14, família Google Pixel 9, Motorola Razr e Edge e versões Moto g. Do lado da Samsung tanto a família Galaxy A como os modelos desde o S21 e dobráveis Flip e Fold a partir da terceira geração. E claro, os modelos da operadora T-Mobile REVL 7.

Serviços de comunicações da T-Mobile via satélites da Starlink previstos para o final do ano
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Considerando estes primeiros passos, o SAPO TEK abordou a ANACOM para compreender o contexto da tecnologia na Europa, mais concretamente em Portugal. O regulador diz que a tecnologia para o efeito já existe e “dependerá das ofertas comerciais que os operadores de serviços de comunicações via satélite entendam disponibilizar no mercado português”.

O regulador afirma que está a acompanhar com muita atenção o desenvolvimento das tecnologias de comunicação via satélite, incluindo as emergentes D2D. É explicado que a convergência deste tipo de comunicações está atualmente em análise dos fóruns internacionais, tanto a nível regulamentar, como ao nível da compatibilidade rádio entre os serviços.

No entanto, em alguns países com extensas áreas terrestres sem cobertura móvel, no caso dos Estados Unidos e Austrália, já é permitido a prestação dos serviços D2D, “desde que operem sem proteção e não causem interferências prejudiciais a outros serviços de administrações vizinhas”, nota a ANACOM. No caso dos Estados Unidos, o regulador indica que existe um conjunto de restrições, tais como as limitações na potência emitida pelo satélite em áreas fronteiriças.

Relativamente à Europa, são apontadas algumas questões técnicas, associadas a “interferências em zonas transfronteiriças poderão ser mais difíceis de endereçar do que acontece nos EUA, dado o grande número de países e respetivas fronteiras”.

Os serviços D2D estão a ser discutidos para a preparação da próxima Conferência Mundial das Radiocomunicações (WRC-27), bem como a nível europeu, nomeadamente no Grupo de Política de Espectro de Radiofrequências (RSPG), refere a ANACOM. Há estudos de compatibilidade internacionais da UIT-R, para determinar a atribuição na WRC-27 as faixas de frequências a autorizar para os serviços D2D.

Na Europa, foi colocado em consulta pública, que terminou no dia 28 de março, um rascunho de opinião sobre o quadro regulamentar para o D2D, “abordando tanto a utilização de faixas de frequências atualmente atribuídas ao serviço móvel terrestre e consignadas aos operadores móveis, como as faixas do serviço móvel por satélite”.

Nesse sentido, como ainda está a ser desenvolvido uma abordagem regulamentar europeia, Portugal continua a aguardar os resultados para adotar os regulamentos para a prestação de serviços D2D.

Comunicações por satélite com antena são residuais em Portugal

Para perceber melhor o contexto das comunicações D2D, o SAPO TEK pediu ao regulador um ponto de situação sobre os serviços de satélite com antena, como é o caso do Starlink da SpaceX ou até do futuro projeto Kuiper da Amazon. Até ao final de 2024, o total de acessos à Starlink representava menos de 1% do total de internet fixa.

A ANACOM esclarece que nos termos previstos na Lei das Comunicações Eletrónicas Nº16/2022 de 16 de agosto, a oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas em Portugal é livre e está apenas sujeita ao regime da autorização geral, “sem prejuízo do regime aplicável à utilização do espectro de radiofrequências e de recursos de numeração”. Não está sujeita a qualquer decisão do regulador ou qualquer ato prévio da ANACOM. Mas o regulador indica que as empresas que pretendam oferecer os serviços ao público são obrigadas a comunicá-los previamente.

Na lista atualizada pela ANACOM, acessível ao público, são registadas as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações via satélite, entre elas a Starlink e a Amazon Kuiper Portugal. A lista tem operadores como a MEO e a NOS como prestadores de comunicações por televisão por subscrição (TVS) com acessos via satélite (DTH). No quarto trimestre de 2024, o número de acessos TVS por DTH representava 6,5% do total de assinantes do serviço, tendo baixado 7,5% face ao mesmo período do ano passado. O acesso a TVS continua em queda, desde que atingiu os seus valores máximos no primeiro de 2012.

Como mostra a imagem da cobertura de redes de satélite dos prestadores a operar em Portugal, estão listadas as empresas como a Starink, Nextweb, Quantis Global, EchoStar Mobile, Iridium Itália e Leosat Portugal.

cobertura satélite
cobertura satélite Cobertura de satélite. Fonte: Anacom

Quanto a vantagens e desvantagens do serviço de satélite em relação ao 5G e fibra ótica, a ANACOM destaca as tecnologias têm características distintas. A fibra ótica apresenta como vantagem a alta velocidade, baixa latência, elevada fiabilidade e capacidade de transmissão de grandes volumes de dados. Mas isso é associado a elevados custos de implementação, sobretudo em redes em áreas rurais ou remotas.

O 5G tem elevada velocidade, baixa latência, acrescentando-se a mobilidade e suporte de um elevado número de equipamentos móveis. Mas aponta as falhas de cobertura, sobretudo nas zonas sombra ou geografias com relevo mais acidentado.

Neste contexto, as comunicações por satélite têm como vantagem a sua cobertura global, incluindo áreas remotas e sem infraestruturas terrestres, móveis ou fixas, tem disponibilidade imediata e elevado grau de mobilidade. Mas oferece desvantagens, como a maior latência e ser suscetível a condições meteorológicas mais adversas, como a chuva. Por isso, segundo a ANACOM, a escolha entre as tecnologias dependerá das necessidades específicas de cada utilizador.

O regulador diz que, com a entrada em operação de novas constelações (Low Earth Orbit - LEO), será possível ofertas de acesso por satélite mais acessíveis. “Esta tecnologia poderá contribuir para melhorar a conectividade em regiões mais desfavorecidas, promovendo a coesão territorial e a inclusão digital”.

Na Europa, o único serviço comercial em operação, dentro do enquadramento D2D é o serviço de mensagens de emergência disponibilizado pela Apple em 12 países, onde se inclui Portugal. Este permite utilizar um protocolo rádio proprietário da comunicação do iPhone (desde a versão 14) com os satélites do operador Globalstar, que depois são reencaminhados para a proteção civil. Segundo a Anacom, a Apple utiliza faixas de frequência do serviço móvel por satélite, utilizando terminais proprietários e os respetivos smartphones.

ANACOM reconhece valor das comunicações por satélite e sugeriu a tecnologia para a rede de emergência

O regulador reconhece o valor decisivo que as comunicações por satélite, nos serviços de emergência, segurança e proteção civil, em situações críticas. “Estas permitem garantir e reforçar a resiliência das comunicações em caso de falhas das redes terrestres, especialmente em cenários de desastres naturais ou em regiões onde as infraestruturas são vulneráveis ou inexistentes”.

O D2D pode assegurar a comunicação ativa entre as equipas de intervenção, como bombeiros, socorristas e forças de segurança em cenários críticos como sismos, incêndios florestais, inundações ou tempestades severas, ajudando a coordenar as operações, partilha de informação em tempo real e respostas mais rápidas às populações afetadas. E acrescenta a ANACOM que estes serviços permitem aumentar a resiliência dos sistemas de comunicação nacional, funcionando como um plano B automático em caso de falha das redes móveis tradicionais.

“A importância das comunicações via satélite tem sido destacada pela ANACOM há vários anos. Após os incêndios florestais de 2017 foi destacada a importância das ligações via satélite como alternativas essenciais para manter as comunicações operacionais em contextos de emergência, reforçando-se, dessa forma, a capacidade de resposta e coordenação das entidades envolvidas na proteção civil”, aponta o regulador.

Na análise ao incêndio de 2017, que destruiu a infraestrutura de telecomunicações, deixando as populações isoladas durante dias, foi elaborado um relatório com 27 medidas para proteger a rede, entre elas as ligações via satélite como alternativa em caso de falhas.