Nos últimos anos, o mercado de emprego na tecnologia tem crescido consecutivamente. A digitalização das empresas locais explica parte deste aumento, mas é a escolha cada vez mais de Portugal como destino de investimento, de empresas com grandes centros de serviços e competências, que mais tem contribuído para mudar a realidade do emprego em Portugal, na área da tecnologia.
Em ano de expectativa e incerteza, em relação aos efeitos do abrandamento da procura em muitas áreas, aos efeitos da inflação e da guerra na Ucrânia, mote para uma onda de despedimentos a nível internacional, as previsões das empresas do sector continuam a ser otimistas, ainda que mais moderadas do que em anos anteriores.
“O mercado de TI continua em crescente ascensão em Portugal. O sector deve continuar forte e dinâmico, uma vez que a área de TI é estratégica no processo de modernização e de resposta aos desafios que têm surgido”, defende Patrícia Horta, Section Manager da equipa de tecnologia da Hays Portugal, que espelha a mesma previsão no seu Guia anual do mercado de emprego. A falta de recursos em algumas áreas e a necessidade de responder à procura em projetos, que não vão parar, fazem com que assim seja.
Como acrescenta Duarte Fernandes, responsável de operações da Kwan, empresa de IT Staffing e outsourcing do grupo Rupeal, é também isso que explica o facto de pouco se notar o efeito dos despedimentos que têm vindo a ser anunciados, na quantidade de mão de obra disponível. “Se as start-ups e as empresas muito dependentes do financiamento de investidores podem estar a ser obrigadas a abrandar alguns projetos, nas empresas mais sólidas, como as big corporate, os projetos mantêm-se”. Em algumas, a falta de recursos para responder aos projetos em carteira era tal, que permite absorver o talento que vai ficando disponível e não chega, garante o responsável.
Onda de despedimentos tem pouco impacto na disponibilidade de talento
Dados da Revelio-Labs, citados no estudo The Human Age do ManpowerGroup, mostram isso mesmo e indicam que, dos mais de 140.000 trabalhadores de tecnologia dispensados desde março de 2022, 72% encontraram novos empregos no prazo de três meses - números globais.
“Poderá haver algum efeito de contágio, relativamente às tomadas de decisões das grandes tecnológicas, que estão a anunciar alguns cortes, mas diria que estes acontecem mais numa lógica de proteção de uma eventual recessão”, defende Pedro Amorim, Managing Director da Experis - grupo Manpower.
Várias empresas do sector do emprego estão a olhar para os anúncios de despedimentos das últimas semanas e meses da mesma forma, mais como uma necessidade inevitável de ajustes, depois de um crescimento anormal durante a pandemia e para tranquilizar investidores, do que como uma antecipação de cenários muito negativos.
Joana Sousa Freitas, Team Leader IT da Adecco Recruitment, admite que "o cenário de uma eventual crise económica poderá provocar alguma retração ao nível do investimento, quer em empresas nacionais quer internacionais". Mas a responsável também reconhece que, dos "inúmeros fatores, com maior ou menos previsibilidade, que podem influenciar o mercado de trabalho na área de IT em Portugal, a escassez de talento e a crescente competição de empresas estrangeiras em Portugal, têm sido os mais relevantes.
Pedro Moura, responsável de marketing da Landing.jobs, compara o sentimento atual com aquele que se vivia no início da pandemia. “O padrão é muito similar”. A “incerteza sobre o panorama económico leva a um natural abrandamento das contratações durante uns meses (não em todas as empresas), seguido de uma explosão de contratações”. O responsável acredita que esta recuperação - depois de algum abrandamento no ritmo de colocação de ofertas, como apontam algumas empresas, e de decisões de contratação, como destacam outras - começará a sentir-se já em Fevereiro e Março, atendendo a alguns sinais que o mercado já vai dando. Nas empresas de outros sectores poderá demorar mais algum tempo.
“Em resumo, em 2023, assistiremos a um otimismo e confiança moderados por parte das empresas para contratação no sector tecnológico, que irá com certeza ter um efeito de contágio nas empresas cujo core não é a tecnologia, mas que pretendem continuar a investir na transformação digital ou na transformação do seu negócio”, acredita Pedro Amorim.
Para as empresas que vão continuar a contratar, capacidade salarial e flexibilidade no modelo de trabalho são ingredientes chave para atrair e reter talento. A possibilidade de trabalhar remotamente afirmou-se definitivamente como um critério de seleção por parte dos colaboradores. Ainda assim, o salário, pelo menos até um determinado patamar, continua a ser o primeiro ponto de análise numa oferta de emprego. As empresas portuguesas continuam claramente em desvantagem neste domínio.
“Portugal tem um desafio grande nesta área, com as empresas nacionais a praticar salários ainda abaixo dos fixados pelas multinacionais que recrutam em Portugal e que promovem igualmente a flexibilidade no que respeita ao modelo de trabalho”. A vantagem da concorrência internacional agrava-se ainda mais porque “a fiscalidade em sede de trabalho continuará a ter um peso significativo do ponto de vista da competitividade, que vai continuar a traduzir-se na perda de recursos qualificados para mercados recetores com maior poder de contratação do ponto de vista de remunerações”, defende Pedro Amorim.
Salários vão continuar a subir, mas menos
Nesta área dos salários não se espera uma inversão da tendência dos últimos anos, nem global nem local. Os mesmos fatores que no passado fizeram disparar muitas remunerações mantêm-se.
“A tendência de subida dos salários deve manter-se. Até porque as empresas que operam em território nacional não concorrem apenas entre si para captar talento, mas a nível global”, confirma Patrícia Horta. O ritmo de subida, por seu lado, deve abrandar.
Os dados compilados pelo Global Tech Talent Trends 2022 da Landing.jobs mostram que, entre 2021 para 2022, os salários em Portugal na área da tecnologia cresceram, em média, 36%, uma subida que não encontra comparação nas duas décadas anteriores.
A edição deste ano do estudo está em preparação, mas os primeiros indicadores analisados apontam para uma quebra considerável no ritmo de crescimento que se deve, não só ao cenário macroeconómico, “mas sobretudo por estar em curso nas empresas uma reavaliação da evolução da relação entre os salários na tecnologia e a capacidade dessa mesma tecnologia gerar valor para as organizações”, explica Pedro Moura. “Crescimentos explosivos de salário geralmente são feitos em cima de alguns exageros e deficiente estruturação”, acrescenta o responsável de marketing da Landing.jobs.
Competição internacional é forte
A escolha de Portugal para fixar centros de serviços internacionais, como muito se tem referido, tem um peso cada vez maior no mercado de emprego local e nos salários. Como destaca Rui Miranda, CEO da Teamlyzer, a guerra intensificou ainda mais essa tendência, provocando "uma deslocalização muito grande de empresas que tinham os seus polos tecnológicos naquela zona e que os deslocalizaram para cá, umas trazendo as mesmas equipas, outros contratando em Portugal".
Mas não é só com as empresas internacionais, que fixam hubs de inovação em Portugal, que as companhias locais têm de concorrer. Competem também com as empresas que recrutam em Portugal para trabalho remoto noutras geografias.
A Landing.jobs, conseguiu apurar que nos primeiros meses de 2022 16,8% dos profissionais de TI estavam nesta situação: a trabalhar em Portugal, com um salário da Alemanha ou dos Estados Unidos, por exemplo. “Nos dados de 2023 aposto num crescimento deste valor, já que muitas empresas de países mais ricos estão mais atentas à necessidade de conjugar melhor, custos com profissionais de tecnologia e qualidade desses mesmos recursos”, refere Pedro Moura. Portugal tem para oferecer o melhor de dois mundos, qualidade elevada e preço baixo, mesmo com o aumento significativo dos vencimentos em áreas tecnológicas nos últimos anos.
Por outro lado, o modelo remoto também tem facilitado o inverso, e ajudado a trazer recursos mais escassos para Portugal, sendo cada vez mais comum empresas locais contratarem fora para suprir necessidades internas. "Tivemos de nos virar para alternativas, como as outras empresas também fazem e colmatar a falta de recursos, indo buscá-los a outras geografias” explica Duarte Fernandes. "O Brasil é um dos países com o qual existe uma relação forte. No ano passado, atrouxemos de lá 70 pessoas e neste momento temos mais 40 em pipeline", acrescenta o responsável da empresa que fornece recursos TI a empresas já instaladas em Portugal e apoio a companhias que querem fixar-se em Portugal.
Mas se alguns destes contratos implicam vir morar para Portugal, outros não. “Atualmente, temos recursos em outsourcing que estão a trabalhar no Brasil, Nigéria, Arménia, entre outros países, sendo, por isso, o teletrabalho uma solução efetiva para alargarmos a nossa área de sourcing e de contratação”, exemplifica a Manpower.
Não existem dados oficiais que permitam quantificar o peso do trabalho remoto nas áreas tecnológicas em Portugal, mas a Adecco admite que esta se transformou "numa das variáveis com maior impacto no processo de decisão da aceitação de um novo projeto profissional", como sublinha Joana Sousa Freitas. Pela sua própria experiência, a empresa calcula que "entre 80 a 90% das empresas [em Portugal] na área tecnológica estão num modelo 100% remoto ou híbrido".
Outro efeito importante desta flexibilização dos modelos de trabalho, também por quantificar, é ser um facilitador de uma maior mobilidade geográfica. "No que concerne à distribuição geográfica, apesar de o maior número de oportunidades ainda se concentrar nos grandes centros urbanos (Lisboa, Porto, Coimbra, Braga), o que verificamos é que através dos modelos híbrido e remoto há um considerável aumento de oportunidades de emprego para pessoas que habitam fora desses mesmos centros urbanos", confirma a responsável da Adecco.
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