Apesar dos hábitos de consumo de séries e filmes terem mudado nos últimos anos, com o surgimento das plataformas de streaming, como a Netflix, Disney+ ou HBO, a pirataria dos conteúdos nunca deixou de existir. E a procura pelos mesmos também continua a ser uma realidade que pode ser justificada com vários argumentos, como determinado conteúdo não estar disponível nas plataformas subscritas, ou não estar de todo acessível legalmente e claro, por aqueles que simplesmente não desejam pagar para os consumir. Outra justificação é que a pirataria é cada vez mais sofisticada, sendo os conteúdos disponibilizados em streaming, muitas vezes à distância de um clique, com qualidade aceitável e até legendadas nas línguas desejadas, de acesso mais rápido e fácil do que por outros meios.

Para contrariar uma tendência crescente de acesso a conteúdos piratas, em 2015 foi assinado um Memorando de Entendimento entre a Secretaria de Estado da Cultura, a Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC) e os operadores de telecomunicações, através da Apritel, a Direção Geral do Consumidor e a DNS.pt, associação que gere o domínio .pt, entre outras entidades. Este acordo visou a proteção do direito de autor em ambiente digital e na prática barrar o acesso aos websites com conteúdos piratas. No final de dezembro de 2016, pouco mais de um ano após o Memorando, tinham sido bloqueados quase 700 websites de conteúdos ilegais em Portugal, que causavam prejuízos à indústria nacional de cerca de 60 milhões de euros anuais. Mas nos últimos anos pouco se tem ouvido falar da atuação das autoridades.

O tema do bloqueio de websites piratas voltou recentemente às notícias devido ao encerramento do My Piracy, um dos mais antigos sites de conteúdos ilegais em operações. Era também o maior website site pirata e um dos mais visitados, no geral, em Portugal, sendo listado em 14º lugar e no top 3.000 a nível global.

mr piracy
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Neste caso, o encerramento do My Piracy, no início do mês de outubro, foi descrito como vontade dos próprios responsáveis, alegando questões pessoais e não terá resultado de atuação das autoridades.

Por estranho que possa parecer, o My Piracy foi identificado no início de 2016 como um dos websites a fechar, algo que nunca aconteceu durante estes anos. Ao SAPO TEK, na altura, os responsáveis defendiam o acesso à sétima arte como direito de todos, mas que não tinham filmes ou séries alojadas diretamente no website, mas sim como agregador de endereços daquilo que existe na internet. Também ensinavam aos seus utilizadores como contornar os bloqueios impostos pela lei.

Foi exatamente sobre o facto do Mr Piracy ter sido identificado em 2016, mas nunca ter sido fechado, que o SAPO TEK perguntou ao MAPINET (Movimento Cívico Antipirataria na Internet) sobre qual a razão do website ter estado ativo durante estes anos. Na sua resposta, Pedro Lopes, secretário geral da organização, refere que “desde 2016 até aos dias de hoje foram bloqueados dezenas de domínios criados pelos responsáveis do “mrpiracy” por forma a combater o acesso ilícito, dos utilizadores, a conteúdos disponibilizados sem autorização dos titulares de direitos de autor”. Acredita também que o Memorando e a respetiva aplicação terão sido um contributo decisivo para que a situação tivesse este desfecho, acrescentou.

Questionado sobre o tempo que estes websites conseguem estar no ar, neste caso vários anos, sem que se aplique as leis, Pedro Lopes diz que as normas legais vigentes não estão adaptadas à velocidade com as coisas que se passam na internet. “O memorando de entendimento, com todas as coisas boas e más que o mesmo encerra, não pode ir muito mais além do que o mesmo estipula, e para que os responsáveis destes websites, que muitas vezes são de difícil identificação, sejam levados a querer desistir da sua conduta necessitamos de mecanismos que sejam fortemente dissuasores”.

O responsável da organização diz ainda que há facilidade de criar websites ilegais, reforçado pela conivência de alguns alojadores que facilitam os mesmos a estarem indetetáveis.

“Estamos a trabalhar em novas medidas de combate a este tipo de websites e enquanto essas medidas não forem aprovadas e/ou implementadas, iremos continuar a aplicar o Memorando como temos feito até então”, avisa Pedro Lopes.

Mr Piracy fez “soar alarmes” internacionais

O certo é que o encerramento do Mr Piracy deu origem a um novo website, no dia seguinte, o Pobre TV, que no comunicado de passagem de testemunho dizia ter herdado não só toda a base de utilizadores, como de conteúdos acumulados nestes anos todos e até o reencaminhamento do endereço. Ainda que alegasse tratar-se de um novo projeto, com novos administradores. Perante a situação, o MAPINET “culpa” a falta de normativos legais que sejam realmente dissuasores destes comportamentos ilegais.

Apesar de alegarem motivos pessoais para o encerramento do Mr Piracy, na verdade, o website português tinha sido identificado a nível internacional. E esse poderá ter sido o verdadeiro motivo para o seu encerramento.

Um documento que o SAPO TEK teve acesso, escrito pela Alliance for Creativity and Entertainment (ACE), uma coligação global de combate à pirataria, pedia ao departamento legal da Cloudflare os dados dos indivíduos responsáveis de websites constados numa lista, incluindo nomes, endereços físicos e de email, IPs, números de telefone, informações de pagamento e históricos, para procederem aos mecanismos legais para recuperar os danos causados aos respetivos autores.

Nessa lista constam diversos endereços internacionais de websites piratas, com exemplos de títulos disponíveis que infringiam as leis. O Mr Piracy era um deles, dando como exemplos a disponibilização de acesso ilegal a filmes como Beautiful Boy e Frozen 2.

mr piracy
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A Cloudflare é uma empresa americana especialista em segurança dos websites, com soluções que permitem ocultar dados de aplicações e websites. Os websites piratas utilizam para ocultar endereços de IP, por exemplo, e os respetivos dados solicitados pela ACE. Ainda recentemente a Cloudflare esteve envolvida em polémica em Portugal, relativa aos Censos de 2021, depois de levantar dúvidas sobre a segurança de privacidade da plataforma de recenseamento. O fornecimento de dados nas investigações legais ajuda a conduzir os processos, embora sejam necessárias ordens judiciais para serem desbloqueadas.

O SAPO TEK contactou a ACE para entender se foi avançada alguma intimação aos responsáveis pelo Mr Piracy, e apesar da disponibilidade para responder às nossas questões, até ao fecho desta peça não tinham sido enviadas as respostas. O mesmo para o Pobre TV, que acedeu a responder inicialmente, mas depois ignorou a nossa solicitação.

Plataformas de streaming contribuem para diminuição de pirataria

Considerando a chegada de cada vez mais serviços de streaming a Portugal, com uma elevada base de conteúdos, será que tem impacto no consumo de filmes e séries de forma ilegal? Pedro Lopes destacou os números da marktest que indicam que em 2020, alavancado pelo isolamento da pandemia, 2 milhões de portugueses têm subscrições de serviços de streaming, número que continua a crescer. “No nosso entender, este será o caminho do futuro sendo certo que esta mudança comportamental dos consumidores vai levar algum tempo, mas como vimos em época de pandemia o mesmo pode ser encurtado”. Destaca ainda, entre outros fatores, a redução da oferta ilegal com a imposição de barreiras, “que levem os consumidores a optar por não cometerem um crime”.

Pedido para traçar o panorama atual da pirataria, em comparação com o início da aplicação do Memorando, Pedro Lopes destaca a atuação da MAPINET, “uma vez que houve uma diminuição real de número de websites a oferecer conteúdos piratas”. Salienta que existem estudos a corroborar com a sua teoria, indicando a perda de tráfego dos websites piratas, mas também a desmotivação de quem consome estes conteúdos com medidas pedagógicas, assim como de prevenção criminal implementadas no bloqueio dos websites.

Mas será que os consumidores também ficaram mais exigentes no que diz respeito aos conteúdos pirateados? E qual o grau de sofisticação das plataformas ilegais? Pedro Lopes diz que o que importa é o acesso imediato ao conteúdo que se quer consumir “e isso as plataformas de streaming fazem-no muito bem”.

Por outro lado, refere que os websites piratas também evoluíram para oferecer este tipo de oferta de serviço, embora com tempos de latência e uma qualidade deficitária.

“O consumidor sempre foi exigente e estaria disposto a perder qualidade por conta da novidade. Hoje, as plataformas de streaming juntam estes dois fatores e desta forma acreditamos que este é também um fator que levará a mudanças de conduta”, sublinha o secretário geral do MAPINET.