Um estudo divulgado pela PayPal no final de novembro mostrava que os portugueses permanecem entre os mais desconfiados da Europa no que se refere aos pagamentos online e são dos que mais resistem a partilhar dados financeiros para este fim. A pesquisa, realizada pela Maru/Matchbox, indicava que 64% dos nacionais admitiam o receio de partilhar dados financeiros, para concretizar pagamentos em plataformas digitais. Ainda assim há uma evolução clara nos hábitos dos portugueses, impulsionada pelas mudanças impostas pela pandemia, que se reflete na crescente adoção de novos meios e serviços de pagamentos digitais.
No mundo físico as transações sem contacto, com cartão ou recorrendo ao telemóvel, já representam 46% do total de transações, segundo dados da SIBS. O MB Way é um dos responsáveis por este crescimento, tendo em conta que um dos vectores de crescimento do serviço também passa pela crescente utilização em lojas físicas.
A aplicação já ultrapassou os 3,5 milhões de utilizadores, “uma evolução que reforça a procura crescente por serviços de pagamentos digitais”, destaca Luís Gonçalves, diretor de segmentação e gestão de mercados da SIBS, que aponta o leque de funções integradas na plataforma, como um dos fatores que a distingue.
O MB Way hoje permite fazer compras em loja ou online, gerar cartões MB NET, enviar e pedir dinheiro, levantar e utilizar o Caixa Multibanco sem necessidade de cartão, ou fazer donativos para instituições de solidariedade social. O serviço suporta cerca de 20 milhões de operações por mês.
Também por causa destes dados, a SIBS encara como definitivas algumas das mudanças trazidas pela pandemia, nomeadamente o crescimento do comércio eletrónico e da adoção de pagamentos digitais. “O contexto atípico da pandemia expôs as mais-valias e potencialidades destes métodos de pagamento e, dessa forma, aumentou a utilização por parte daqueles que já recorriam a estas soluções e, ao mesmo tempo, surgiram novos utilizadores”.
Os novos hábitos consolidaram-se e isso não aconteceu apenas no mercado de consumo. “Verificámos também a capacidade de adaptação das empresas”, destaca o responsável da SIBS. “A pandemia impôs mudanças inegáveis no comércio eletrónico e nos modelos de negócio das empresas. Algumas destas tendências já eram notórias, mas acabaram por consolidar-se e ganhar destaque neste contexto”.
Do lado dos comerciantes, a SIBS indica também uma nova tendência: o interesse crescente por novas gerações de terminais de pagamento com maior mobilidade, como o Smart POS e o mPOS, incluindo a capacidade de integrar apps no terminal. “São uma tendência clara na experiência omnicanal do retalho do futuro, fornecendo flexibilidade e uma experiência mais personalizada”.
Como refere Maria António Saldanha, country manager da Mastercard em Portugal, a pandemia acabou por mostrar “que estávamos muito bem preparados para a desmaterialização do dinheiro. Isto é, que já tínhamos a tecnologia e as soluções necessárias para ter uma economia mais digital, restava assistirmos à adoção pelos consumidores e comerciantes”.
A pandemia deu também o mote para que se começasse a olhar de outra forma para novas formas de pagamento, que ajudaram a afirmar alternativas aos cartões físicos. “Veio quebrar uma série de mitos sobre a utilização de meios digitais de pagamento e um ótimo exemplo é a utilização massificada de pagamentos contactless, quer com cartão, como com smartphones, wearables, ou smartwatches”, acrescenta a responsável.
Com mais gente a comprar e a pagar online, verifica-se uma evolução dos serviços que desmaterializam pagamentos ou transferências, para integrarem cada vez mais funcionalidades e diversificarem o número de operações suportadas. No MB Way, já se disse, isso reflete-se nos 10 tipos de operações suportadas, campanhas que entregam vouchers com prémios distribuídos por terceiros ou numa nova área de promoções, onde já estão cerca de duas dezenas de parceiros com descontos, entregas grátis e outros benefícios para os utilizadores da plataforma.
No universo das fintech, que têm tido um papel fundamental na evolução dos serviços financeiros digitais, há vários exemplos da mesma tendência, que se estendem também há possibilidade de fazer compras diversas, sem sair da app.
Revolut quer ser uma super app e vender tudo o que é preciso para planear uma viagem
A Revolut, que se tornou popular por facilitar transferências e levantamentos de dinheiro em diferentes moedas, sem taxas ou a preços mais baixos que a concorrência, não tem escondido a intenção de se transformar numa super-app e integrar a possibilidade de fazer compras na aplicação é um dos vetores dessa estratégia.
No ano passado a aplicação, que passou recentemente a operar como um banco em Portugal, foi um dos veículos para fazer chegar o Google Pay ao país. Mais recentemente lançou um serviço de reserva de alojamento, também integrado na app, associado a um sistema de recompensas, que também já é usado para outro tipo de ofertas disponibilizadas por parceiros na mesma aplicação.
O meio milhão de clientes que a empresa tem em Portugal pode usar o Stays - Estadias desde setembro para reservar viagens sem sair da app. Christopher Gutridge, Product Owner do Stays, não revela números, mas garante que os portugueses estão a acolher bem a novidade.
Têm-na usado sobretudo para reservar viagens em Portugal (27%) e Espanha (12%), bem como para outros países europeus, com destaque para França, Alemanha ou Itália. Por cidades, Lisboa, Madrid ou Berlim estão entre as mais escolhidas. No início do mês, quando o SAPO TeK falou com o responsável, o Stays também já estava a ser usado para fazer reservas para as noites de Natal e fim-de-ano, sobretudo em Matosinhos e Albufeira, de acordo com as estatísticas da empresa.
Christopher Gutridge explica que “o Stays foi desenhado como uma ferramenta para agendar alojamento, disponível para todos os clientes Revolut com qualquer plano e alinhado com a nossa visão de criarmos uma app para tudo o que se relaciona com dinheiro num mesmo local, uma verdadeira super app financeira global”.
No futuro, a empresa quer adicionar mais serviços relacionados com viagens, como voos, experiências ou aluguer de veículos e transformar a app no local onde é possível tomar todas as decisões relacionadas com uma viagem (também já tem seguros). Mas, como explica o responsável pela área de lifestyle da Revolut, este é um plano ainda sem roadmap ou datas definidas.
O que a empresa já tem como certo é que quem passou a usar serviços online e meios de pagamentos digitais “não quer passar por 100 locais diferentes, onde precisa de registar-se e estar atento a notificações e atualizações, ou habituar-se a diferentes interfaces de utilizador, quer usar super aplicações, seguras e simples”.
kevin. quer gerir 5% dos pagamentos digitais em Portugal já em 2022
Esta e outras soluções introduzidas pelas fintech têm ajudado a cativar novos utilizadores para os serviços financeiros digitais, com diferentes argumentos e inovações. A kevin., que acabou de entrar no mercado português, tem crescido rapidamente nos 12 mercados europeus onde já fez chegar a sua solução de infraestrutura de pagamento A2A (account-account), para suporte de vendas online - através de aplicações - e em loja (POS). Entra em Portugal com metas ambiciosas. A startup quer tornar-se já no próximo ano no terceiro meio de pagamento preferido dos portugueses e vê no país claras oportunidades por explorar.
“Em Portugal a maioria da população habituou-se a pagar com MB Way ou referências multibanco porque os cartões de débito não podiam ser usados no e-commerce”. Essa barreira desapareceu, mas estas soluções continuam a dominar, com destaque para as referências multibanco “que foram criadas para pagar faturas, pelo que o processo não é o mais simples e, para além do elevado custo que representa para o comerciante, não é rápido nem permite um processo simples de reembolso”, defende Rui Patraquim, o português que lidera a fintech.
A kevin. que desenvolveu uma plataforma para permitir o pagamento direto a partir da conta bancária, acredita que tem a receita certa para fazer com que os portugueses passem a ter de ir menos vezes ao Multibanco, ou a agências bancárias e usem mais os serviços do seu banco, online ou no telemóvel.
“Estamos literalmente a colocar o banco pela primeira vez no processo de compra, não só tornando-o mais seguro, mas também mais simples de pagar”, sublinha o responsável. É claro que isto irá colocar alguma pressão sobre os bancos para optimizar a experiência do utilizador, mas esta é a oportunidade para todos os interessados”, acrescenta.
Traduzindo as ambições em números, a kevin. quer alcançar uma quota de 5% no mercado português em 2022. “Para atingir este objetivo estamos a trabalhar em conjunto com os grandes comerciantes, onde o efeito da poupança resultante do corte dos intermediários no processo de pagamento, ligando diretamente os comerciantes/parceiros ao banco do consumidor, é mais relevante e pode representar uma soma maior”, revela Rui Patraquim, sem adiantar para já nomes. A empresa acredita, pela experiência que tem acumulado noutros mercados, que a solução vai ganhar rapidamente tração, principalmente nos pagamentos abaixo dos 30 euros.
Mastercard aposta nas parcerias com fintechs
Soluções como a da kevin. desafiam as empresas mais “tradicionais” do universo dos pagamentos eletrónicos, mas também estas garantem que estão a trabalhar para juntar às soluções pelas quais são mais conhecidas, novas tecnologias e formas de chegar ao mercado e cativar novos públicos. Precisamente com a ajuda de fintechs.
A Mastercard chama-lhe estratégia multirail, para poder ter “soluções que assentam nos vários rails que hoje são procurados e constituem a nova tendência dos fluxos de pagamento”. Maria Antónia Saldanha integra aqui soluções de pagamentos instantâneos, conta a conta, em ambientes open banking, ou com tecnologias blockchain, complementares às modalidades de pagamento com cartões. “Esta nova oferta, que temos disponibilizado e implementado em inúmeros clientes, conta com a colaboração estreita e em parceria com muitos destes novos operadores, caso das fintech”.
Para fomentar este ecossistema a empresa criou várias iniciativas, como o programa de aceleração Start Path, que tem permitido implementar e customizar projetos em vários pontos do mundo com a colaboração com startups.
Estas parcerias também existem em Portugal, com empresas como a Nickel, a Izicap e a Ubirider. A primeira criou uma tecnologia que cruza big data e AI para transformar o POS numa ferramenta de gestão comercial e de marketing para os pequenos comerciantes. A Ubirider (dona da aplicação Pick Hub) desenvolveu uma aplicação para facilitar a mobilidade urbana e os pagamentos dos transportes públicos, enquanto a Nickel criou uma solução que permite a um comerciante local criar uma conta de pagamentos, sem recurso a apps.
Este artigo faz parte do Especial Comércio Eletrónico em Portugal: As mudanças que vieram para ficar
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