É comum ouvir que a tecnologia “não é boa nem má”: é aquilo que se faz dela e a máxima pode aplicar-se à Inteligência Artificial. Profetizada por alguns como uma ameaça à humanidade, há quem prefira concentrar-se no lado mais otimista, como Tiago Forjaz.
Tal como Alix Rübsaam, o especialista da Singularity University em liderança, talento, transformação e futuro do Trabalho defende que a inteligência artificial pode ser uma ferramenta poderosa para melhorar a qualidade de vida, desde que seja usada de maneira ética e responsável.
Ainda assim, que implicações pode ter nos empregos que conhecemos? E que importância dar ao talento ou às lideranças? Depois de fazer o seu keynote “Liberating Talent for the Future: Discovering your Frontiers”, durante a primeira edição do Executive Program em Portugal, Tiago Forjaz respondeu a estes e outras perguntas, numa pequena entrevista ao SAPO TEK.
SAPO TEK: Recentemente Zoltan Istvan, autor do livro “The Transhumanist Wager, defendeu que estamos na altura de aproveitar para ganhar dinheiro e não de ir para a Universidade, já que muitos empregos vão ser substituídos pela IA e não há garantias de que possam ser recreados de outra forma. Concorda?
Tiago Forjaz: Para mim fazer dinheiro começa na faculdade, precisamente. As universidades, independentemente do que se possa criticar, são ecossistemas de aprendizagem brutais. Não sei se é tanto sobre o conteúdo, mas as universidades são muito mais sobre as relações entre as pessoas e empreender é um exercício não do milagre da ideia maravilhosa, mas do milagre da companhia. Porque é muito difícil uma pessoa empreender e fazer dinheiro sozinha. Nunca vi isso acontecer muito bem.
Todos os grandes empreendedores, aliás, o próprio Elon Musk, faz parte daquilo que se chama a “paypal mafia”: uma grupeta de pessoas que encontraram uma sinergia brutal, inspiraram-se mutuamente e ficaram ricos todos.
Eu vejo a universidade como um sítio onde encontramos outras pessoas e nos apaixonamos e acho que é muito difícil fazer dinheiro sem a universidade. Há outros ecossistemas, há co-workings, incubadoras, não estou a dizer que seja o único sítio. Acho que é possível fazer as duas coisas. É possível fazer dinheiro e nas universidades.
SAPO TEK: E onde é que vai ficar o nosso talento na relação com a tecnologia?
Tiago Forjaz: Em relação à tecnologia e ao talento, estou profundamente convencido que usamos um pensamento muito binário, bom ou mau, muito infantil, um visão muito desresponsabilizada.
"A tecnologia é sempre uma consequência. É uma consequência da maneira como vivemos e daquilo que precisamos, como ferramentas para viver no tempo em que vivemos".
Infelizmente, ainda há muita ignorância sobre o potencial da tecnologia e os disparates que dizemos surgem só da ignorância: de não ter a consciência de como é que a tecnologia funciona, do que é que ela faz e do que ela não faz.
Uma coisa é verdade, é que ao longo do tempo o talento, a importância do talento, nunca mudou. Não vejo nenhum período na história da humanidade em que o talento fosse uma coisa que fosse irrelevante.
O talento contribuiu para as grandes peças musicais que nós ainda ouvimos: é isso que perpetua a identidade de uma pessoa no tempo. Todos os grandes pensadores, todos os grandes atletas, todos os grandes músicos começaram nessa descoberta do que é que é o seu talento. E, uma vez mais, não pode ser binário, não é? Ou talento ou treino, como se diz em relação ao Messi e ao Ronaldo, é patético. É ignorância achar que estas coisas são conflituantes.
"O talento é uma moeda com duas faces: potencial e performance. E para transformarmos o nosso potencial em performance, precisamos de começar no sítio certo e não dá para começar na performance".
A maior parte das organizações, das faculdades, das escolas industrializaram-se e só acreditam naquilo que é mensurável, ou seja: se não tem performance, não tem talento. E com isto, matamos a primeira fase, a fase mais embrionária, da descoberta do talento, que é quando nós temos de usar o nosso potencial, é uma coisa prazerosa, e depois sim pode ser performante.
Acho que o nosso mundo gravita muito à volta da tecnologia. Parece que as pessoas inteligentes são as pessoas que sabem programar e isso é um absurdo. Aliás, da etimologia grega, techne é indissociável da arte. A tecnologia e a arte andaram sempre de mão dada. Não é possível um artista ser artista sem um meio, sem um instrumento e olhar para a tecnologia e confundi-la com programação, algoritmos, outputs é de enorme ignorância e tenho imensa pena que assim seja.
"Eu só escolhi ser um otimista em relação à tecnologia porque a tecnologia é a única coisa que eu conheço que me vai devolver o tempo que eu preciso e quero".
Quando olhamos para o antigamente, a lavoura era feita com a força humana. Só depois é que se introduziram os animais. Hoje em dia, a tecnologia faz com que um agricultor português que esteja em São Paulo tenha um iPad e possa ver qual é o momento ideal para semear, para pôr o trator, e isso é a tecnologia que faz, que é devolver ao ser humano tempo. E nós sim, parecemos robots, a correr atrás daquilo que nos dá dinheiro, para depois nos queixarmos que não temos tempo.
SAPO TEK: Mas então o que é que nos resta fazer? E uma vez que estamos a ensinar às inteligências artificiais a serem criativas, isso também não põe em risco esse nosso lado?
Tiago Forjaz: O que devíamos fazer? Ter tempo para descobrirmos o nosso talento e usar a tecnologia a favor do nosso talento, e não ver como uma alternativa.
A criatividade para mim, é resolver problemas e, portanto, está mais próxima do design e da tecnologia do que propriamente da arte. A arte não resolve problema nenhum. A arte, quanto muito, dá voz a problemas. A tecnologia está desenhada para resolver problemas: não é trabalho da tecnologia criar problemas e por isso estamos a falar tanto de regulamentação e daqueles três passos que foram ditos, que a tecnologia tem que estar sempre sob vigilância, nunca nos pode surpreender e nunca nos pode criar problemas.
"A tecnologia existe para nos resolver problemas, a tecnologia pode ser criativa, mas não pode passar a ser uma forma de arte, no sentido em que não nos vai criar problemas".
O facto da tecnologia hoje estar a levantar tantas questões éticas é muito bom. Eu acho que enquanto humanidade, estamos a evoluir pela qualidade das perguntas que a tecnologia nos obriga a responder. Acho que isso é uma grande virtude, acho que daqui a uns anos talvez sejamos capazes de olhar em retrospetiva e ver isso.
Porque a verdade é que não há só uma forma de resolver um problema: quando damos à tecnologia a oportunidade de resolver problemas, ela encontra mil formas e nós humanos tendemos a ser muito binários. E o mundo não funciona dessa maneira. É muitíssimo mais interessante do que isso.
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