Hoje é assinalado o Dia internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência, uma data que a UNESCO decidiu fixarem 2015 no dia 11 de fevereiro para assinalar a falta de diversidade de género no mundo, uma preocupação que tem feito soar os alarmes e motiva várias políticas públicas e privadas centradas na integração.
Segundo os dados da agência da ONU, os preconceitos e estereótipos de género continuam a afastar as mulheres das áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (CTEM) e menos de 30 por cento dos investigadores em todo o mundo são do género feminino. Os dados, relativos a 2014 – 2016 indicam ainda que, globalmente, as matrículas de estudantes do sexo feminino são particularmente baixas em Tecnologias da Informação e Comunicação, com apenas 3 %, ciências naturais, matemática e estatística com 5 %, e 8% a frequentarem cursos de engenharia e construção.
Em Portugal e na Europa os dados são mais animadores, pelo menos nas áreas científicas, como indica a agência de estatística europeia, Eurostat, que aponta para 6,3 milhões de cientistas e engenheiras na União Europeia, representando 41% dos empregos nestas áreas. A participação das mulheres depende dos sectores, sendo mais baixa na área da indústria, com apenas 21% de investigadoras e engenheiras, enquanto nos serviços essa percentagem sobe para 46%.
A proporção geral varia entre os 55% na Lituânia e os 28% no Luxemburgo, e em 2019, em algumas zonas, o número de mulheres ultrapassa mesmo o de homens neste sector, como acontece na Madeira, onde estão registados dados de que 57% dos cientistas e engenheiros são mulheres.
Estereótipos que levam tempo a ultrapassar
Em entrevista ao SAPO TEK, Luísa Ribeiro Lopes, presidente do .pt e coordenadora do Eixo da Inclusão da Iniciativa Nacional Competências Digitais e.2030, Portugal INCoDe.2030, explica que temos ainda hoje poucas jovens a ingressar em cursos científicos e tecnológicos.
“A desconstrução de estereótipos faz-se com educação, formação, sensibilização, socialização no seio da família, da escola, da sociedade, do mercado de trabalho, e isto leva tempo”, adianta, lembrando que “há menos de 50 anos, em Portugal, as mulheres não podiam trabalhar sem consentimento masculino, muito menos viajar; o marido tinha até o direito de abrir a correspondência delas e isto ao abrigo da legislação civil à data”.
Ligada à área das tecnologias há mais de vinte anos, Luísa Ribeiro Lopes reconhece que “fez-se um percurso extraordinário nos últimos anos”, mas alerta que “estamos ainda muito longe de atingir a igualdade”.
Recorrendo a números indica que neste ano letivo de 2020/21 Portugal conheceu um número recorde de estudantes a chegar ao ensino superior, mais de 51 mil alunos, e que embora mais de mais de 54% dos estudantes do ensino superior sejam mulheres, nas áreas de ciências, matemática e engenharias (CTEM) este número cai para 43,1%. Se afunilarmos nas engenharias já temos só 28,4% das alunas, e nas que têm maior componente tecnológica a percentagem cai para 12,4%.
“De acordo com o Índice do EIGE (Instituto Europeu para a Igualdade de Género), em 2020 as mulheres são 20,2% dos cientistas e engenheiros nos setores da alta tecnologia”, afirma.
E como se inverte esta tendência? “Sabemos que estas situações se invertem com a desconstrução dos estereótipos de género cujo processo é lento, mas também com a implementação de políticas públicas que sejam inclusivas, como prova o desempenho do nosso país no exercício de cargos público”, defende.
As quotas são um sistema de garantia de participação que muitas vezes é visto de forma negativa, mesmo pelas próprias mulheres, que preferem conquistar os lugares por mérito. Mas Luísa Ribeiro Lopes não concorda. “Sou a favor das quotas para acelerar processos de desenvolvimento igualitários, mas considero que é na educação, formação, sensibilização, conhecimento de exemplos femininos na ciência e tecnologia que devemos agir preferencialmente”, justifica.
Não faltam em Portugal excelentes exemplos de cientistas e investigadoras de craveira internacional, como Elvira Fortunato, Maria Manuel Mota ou Sofia Mensurado, entre outras.
“Vivemos hoje uma oportunidade única para incluir a igualdade de género em todos os programas de transição digital, ciência e tecnologia e, assim, aproveitar a aceleração da transição digital para melhorar esta dimensão importante de inclusão social que é a inclusão de género”, defende a coordenadora do programa do INCoDe.2030.
Oportunidades perdidas pela falta de inclusão
A questão da igualdade de género é importante a nível social, criando oportunidades iguais independentemente do género, mas também do ponto de vista económico. “Uma sociedade inclusiva e diversa é sempre uma sociedade melhor e mais justa. O mundo, a Europa e Portugal precisam de profissionais nas mais diversas áreas científicas e tecnológicas, nas engenharias, cibersegurança, inteligência artificial, computação avançada”, afirma.
Luísa Ribeiro Lopes lembra que o aumento da igualdade de género alarga a disponibilidade de talento. “Não podemos desperdiçar metade da população”, avisa, citando um estudo divulgado em março de 2020 pela Comissão Europeia que mostra que, até 2050, uma maior igualdade de género conduziria a um aumento de 6,1% do PIB per capita da União Europeia.
Este ano a UNESCO decidiu dar destaque às investigadoras e cientistas que estão na linha da frente do combate à COVID-19, muitas envolvidas na investigação de vacinas ou nas estratégias de saúde pública, mas a pandemia do novo coronavírus também trouxe maiores obstáculos à igualdade de género.
“Efetivamente a pandemia pode gerar uma nova crise dentro da já crise de saúde pública e levar ao aprofundamento das desigualdades de género com o aumento da percentagem de jovens mulheres excluídas destas áreas”, admite.
Questionada sobre o impacto de uma geração de raparigas não ser exposta à parte experimental da ciência, devido às aulas à distância, a coordenadora do programa de inclusão lembra porém que muitos dos programas de incentivo à participação das mulheres na ciência e tecnologia fizeram um esforço para manter a presença e conexão com as jovens, como é o caso dos vários webinars que hoje decorrem como o Programa Engenheiras por um dia com o tema: “engenharia é ciência?”.
Para além da diversidade nas carreiras de ciências e tecnologia a preocupação está também na literacia digital das mulheres.
“Cerca de 20% da população portuguesa está excluída do digital e também aqui a maioria são mulheres. Há que fazer um esforço muito grande para trabalharmos todos em prol de uma capacitação digital efetiva e que garanta a inclusão social e a inclusão no mercado de trabalho que os últimos tempos demonstraram ser tão dependente destas tecnologias”, sublinha.
Mudanças lentas podem não ser suficientes e Luísa Ribeiro Lopes diz que a meta de inclusão digital e a presença das mulheres na ciência e na tecnologia até 2030 já foi reconhecida como difícil de alcançar, e que “ao ritmo atual só poderemos almejar a atingir este objetivo em 2050”.
“Ainda temos um longo percurso a percorrer, não obstante aquele que já foi feito”, admite.
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