A descoberta foi anunciada ontem pela NASA numa conferência de imprensa onde se destacou o potencial científico da amostra recolhida pelo rover Perseverance. A amostra, que foi designada Sapphire Canyon, tinha sido retirada da rocha Cheyava Falls e é uma das 27 que o robot da NASA recolheu na Cratera de Jezero, por onde tem circulado nos últimos anos.  

Segundo os dados partilhados ontem num artigo publicado na revista Nature, a amostra contém potenciais bioassinaturas, uma substância ou estrutura que pode ter origem biológica e que poderá vir a confirmar que Marte pode ter suportado vida microbiológica há milhares de milhões de anos. Ainda assim os cientistas são cautelosos e dizem que "são necessários dados e estudos mais aprofundados antes de se poder chegar a uma conclusão sobre a ausência ou presença de vida".

Não perca nenhuma notícia importante da atualidade de tecnologia e acompanhe tudo em tek.sapo.pt

Sean Duffy, o administrador interino da NASA, não deixou porém de classificar esta descoberta como histórica, atribuindo créditos ao presidente dos Estados Unidos.

"Esta descoberta do Perseverance, lançada sob o primeiro mandato do presidente Trump, é o mais perto que já estivemos da descoberta de vida em Marte. A identificação de uma potencial bioassinatura no Planeta Vermelho é uma descoberta inovadora e que fará avançar a nossa compreensão de Marte", afirmou Sean Duffy.

Os dados recolhidos na amostra ficam agora à disposição da comunidade científica que poderá realizar estudos adicionais que confirmem ou refutem o potencial biológico da amostra Sapphire Canyon.

Veja as imagens partilhadas neste estudo

O robot Perseverance partiu para Marte, na missão Mars 2020,  a 30 de julho de 2020 e pousou no planeta a 18 de fevereiro, na cratera Jazero, depois de "7 minutos de terror". Esta localização tinha sido previamente escolhida pelo seu potencial científico. O Perseverance tem partilhado imagens que permitem conhecer melhor o local.

Veja as imagens da missão Mars 2020

Seguindo um percurso previamente definido, mas que é ajustado consoante a evolução das descobertas, o Perseverance chegou às Cataratas de Cheyava em julho de 2024, enquanto explorava a formação "Bright Angel". Este é um conjunto de afloramentos rochosos nas margens norte e sul de Neretva Vallis, um antigo vale fluvial com 400 metros de largura, esculpido pela água que inundou a Cratera de Jezero há milhões de anos.

Recorrendo aos instrumentos científicos do robot, os cientistas descobriram que as rochas sedimentares da formação são compostas por argila e silte, materiais que na Terra são excelentes bases de preservação da vida microbiana passada. São também ricos em carbono orgânico, enxofre, ferro oxidado (ferrugem) e fósforo.

Descoberta de moléculas orgânicas em Marte "alimenta" busca por vida extraterrestre
Descoberta de moléculas orgânicas em Marte "alimenta" busca por vida extraterrestre
Ver artigo

Joel Hurowitz, cientista ligado ao projeto Perseverance e autor do artigo publicado na Nature, afirma que “A combinação de compostos químicos que encontrámos na formação Bright Angel pode ter sido uma rica fonte de energia para o metabolismo microbiano”, mas lembra que “só porque vimos todas estas assinaturas químicas convincentes nos dados, não significava que tivéssemos uma bioassinatura potencial. Precisávamos de analisar o que estes dados poderiam significar”.

Não é a primeira vez que se encontram amostras com potencial de indicação de vida em Marte. Ainda este ano os cientistas que analisam amostras a bordo do rover Curiosity, da NASA, descobriram as maiores moléculas orgânicas já encontradas em Marte. Publicada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, a descoberta oferece novas pistas na busca por sinais de vida passada no planeta vermelho e reforça os planos de trazer amostras marcianas para análise na Terra.

Veja o vídeo de explicação preparado pela NASA

SHERLOC e PIXL: Instrumentos de análise a bordo do Perseverance

O rover da NASA tem a bordo uma série de instrumentos para recolha e avaliação das amostras de solo marciano, ainda antes de estas poderem ser enviadas para a Terra. A NASA indica que os primeiros a recolher dados sobre esta rocha foram os instrumentos PIXL (Planetary Instrument for X-Ray Litochemistry) e SHERLOC (Varrimento de Ambientes Habitáveis ​​com Raman e Luminescência para Orgânicos e Químicos).

Depois de terem identificado manchas coloridas na rocha Cheyava Falls, os instrumentos encontraram um padrão distinto de minerais dispostos em frentes de reação (pontos de contacto onde ocorrem reações químicas e físicas) a que a equipa chamou manchas de leopardo. Segundo a informação partilhada, As manchas continham a assinatura de dois minerais ricos em ferro: a vivianite (fosfato de ferro hidratado) e a greigita (sulfureto de ferro).

"A combinação destes minerais, que parecem ter-se formado por reações de transferência de eletrões entre o sedimento e a matéria orgânica, é uma possível impressão digital da vida microbiana, que utilizaria estas reações para produzir energia para o crescimento", refere a NASA.

Estes minerais podem ser gerados sem a presença de vida, como acontece com altas temperaturas sustentadas, condições ácidas e ligação por compostos orgânicos, mas estas rochas não apresentam evidências  de que estas condições tenham ocorrido.

Os cientistas dizem ainda que a descoberta foi particularmente surpreendente por envolver algumas das rochas sedimentares mais jovens que a missão investigou. "Uma hipótese anterior supunha que os sinais de vida antiga estariam confinados a formações rochosas mais antigas", refere o documento da NASA.

"Esta descoberta sugere que Marte pode ter sido habitável durante um período mais longo ou posterior na história do planeta do que se pensava anteriormente, e que as rochas mais antigas também podem conter sinais de vida que são simplesmente mais difíceis de detetar", indica a mesma fonte

Perto de 50 missões a Marte, mais de 50% sem sucesso

A exploração de Marte começou há mais de 60 anos, em 1960, e as primeiras tentativas de abordagem ao planeta vermelho foram da União Soviética. A NASA só fez a primeira viagem a Marte em 1964 com a Mariner 4, que foi bem sucedida na abordagem ao planeta.  Muitas outras missões se sucederam, numa disputa entre os Estados Unidos e a União Soviética, e em 1998 o Japão foi o primeiro país fora deste duo a tentar atingir Marte, mas sem sucesso.

Em 2003 a Agência Espacial Europeia (ESA) colocou em órbita o Mars Express, que continua a rondar o planeta até 2026, mas a missão do rover que levava a bordo falhou. Várias sondas continuam operacionais em órbita, como o InSight, que aterrou em 2018, o ExoMars 2016.

Muitas das missões tinham como objetivo observar o planeta a partir de órbitas baixas, mas outras tentaram "amarar". O Mars Pathfinder, de 1996, foi o primeiro veículo a navegar no solo marciano, e esteve operacional durante mais de 80 dias. Já em 2003 a NASA conseguiu pousar mais dois robots, o Spirit e o Opportunity, que estiveram operacionais por 2208 e 5351 dias marcianos (sols), respetivamente.

Nos últimos anos o interesse pela exploração de Marte aumentou com a possibilidade de se preparar a primeira viagem de humanos ao planeta, um projeto onde também Elon Musk tem investido. No mesmo ano em que o rover Perseverance chegou ao planeta também a China e os Emirados Árabes Unidos que também aproveitaram a janela de lançamento Terra-Marte para fazer missões de pesquisa.

Não perca nenhuma notícia importante da atualidade de tecnologia e acompanhe tudo em tek.sapo.pt