Por Ana Cristina Neves (*)

[caption]Ana Cristina Neves[/caption]

A incorporação das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nas estruturas sociais, alavancada pela ligação destas através da Internet, tem modificado as interações entre os cidadãos, as empresas e o setor público. Em pouco mais de trinta anos a World Wide Web alterou a maneira como percebemos e interagirmos com aquilo que está ao nosso redor. Nesta nova forma de estar, as competências digitais são tão essenciais quanto o acesso aos dispositivos tecnológicos que nos ligam e permitem que a informação e o conhecimento sejam partilhados por e entre todos.

Este avanço está fortemente condicionado pela existência de assimetrias que dificultam a realização integral do potencial de crescimento que as TIC apresentam. Exemplo claro destas assimetrias é os 30% da população portuguesa nunca utilizou a Internet, uma das taxas mais elevadas da União Europeia, cuja média se fixa nos 18%.

Este facto é particularmente preocupante quando é do domínio público que Portugal dispõe de uma das melhores infraestruturas tecnológicas da Europa, incluindo em banda larga – o que nos coloca no grupo de países lideres nesta dimensão – e de elevados índices de utilização da Internet pelas faixas etárias mais jovens e por detentores de habilitações académicas de nível médio ou superior .

Mas, afinal, quem são os “não utilizadores” da Internet, porque não a utilizam e quais as consequências que daí advém?

76% dos que nunca utilizaram a Internet têm entre os 55 e os 74 anos e baixa escolaridade (no máximo com o ensino básico). A falta de competências é apontada por 62% das famílias como principal motivo para não utilizarem a Internet.

As consequências práticas da falta de competências e de baixa literacia digital traduzem-se na perda de oportunidade de melhoria da qualidade de vida das populações e do desenvolvimento das atividades económicas. Essas consequências podem ser melhor compreendidas através de exemplos tão simples quanto os cidadãos se verem privados de poderem: i) ter acesso à redução de preço de alguns serviços se utilizarem meios eletrónicos de comunicação ou de pagamento, como por exemplo, o recebimento de faturas por correio eletrónico, ii) comunicar através de som e imagem, em tempo real, com familiares e amigos que fazem a sua vida a milhares de quilómetros de distância, iii) tratar de questões legais (pedidos de certidões), de saúde (marcação de consultas), ou fiscais (pagamento de impostos) por via digital, entre muitos outros.

Colmatar estas assimetrias, implica reconhecer que a população que nunca utilizou a Internet tem necessidade de desenvolver competências digitais que ainda não possui. Também é preciso reconhecer, dadas as caraterísticas sociodemográficas desta população, que estas competências digitais muito dificilmente poderão ser desenvolvidas no âmbito de percursos educativo-formativos formais.

Assim, para possibilitar a esta grande parte da população portuguesa a oportunidade de desenvolver as competências digitais que lhes faltam importa desenvolver esforços concertados em três planos, concretamente: na definição e aplicação de um referencial para as competências digitais, na implementação de uma rede à escala nacional, capaz de mobilizar a infraestrutura necessária à criação da oportunidade aquisição dessas competências digitais, e, por fim, a compilação e disponibilização gratuita de uma vasta oferta de recursos de suporte à aquisição das mesmas.

Neste contexto e para que Portugal se possa afirmar definitivamente, a nível europeu e mundial, como um país onde o défice de competências digitais deixe de ser uma barreira à utilização da Internet, emerge pois a necessidade do país dispor, a muito curto prazo, de um programa para a inclusão e literacia digitais capaz de obviar e contrariar o panorama atual onde sobressaem as assimetrias e o descompasso na incorporação das TIC entre os vários setores da sociedade portuguesa.

Enquanto responsável pela definição e condução das políticas públicas para a Sociedade da Informação e do Conhecimento em Portugal, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., lançou em final de 2013 a Rede TIC e Sociedade, que conta com já com cerca de 400 membros em todo o país. Em 2014, deu início à prototipagem e disponibilização de recursos formativos inclusivos e, presentemente, está a ultimar a redação da proposta do programa destinado à capacitação digital dos portugueses, cujo enfoque no horizonte 2015 - 2020 estará centrado na capacitação dos 30% de cidadãos que nunca utilizaram a Internet.

Há ainda duas questões importantíssimas que importa salientar, concretamente:

  • 1. A inclusão digital está intimamente ligada com a inclusão social, não devendo de todo ser dissociado desta. Grande parte das assimetrias na apropriação do digital derivam de assimetrias socias, nomeadamente as causadas pelo envelhecimento da população, a desertificação das regiões interiores e as dificuldades que enfrentam as pessoas dos grupos vulneráveis, desfavorecidos ou portadores de limitações funcionais;
  • 2. Os serviços e produtos digitais, disponibilizados pelo setor público e pelo setor privado, carecem de um árduo trabalho de simplificação das soluções online, quer em termos de interfaces quer de processos de uso, que viabilizem um downgrade do nível de competências digitais a serem detidas, resultando assim num estímulo direto ao uso da tecnologia.

Este é um desígnio nacional que exige uma intervenção multistakholder, dos setores publico e privado, da comunidade técnica e científica, das organizações não-governamentais e da sociedade civil. Exige, sobretudo, agentes mais participativos e comprometidos com a apropriação extensiva e sistemática das TIC, predispostos ao envolvimento em processos de mudança de paradigma societal, como são a Sociedade da Informação e do Conhecimento e a Economia Digital.

Este é um desígnio nacional que exige um país ligado em rede e ligado às redes internacionais de informação e de conhecimento, aspectos fundamentais e incontornáveis para o cumprimento do firme propósito de irradicação do fosso digital em Portugal.

(*) Diretora do Departamento de Sociedade da Informação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, IP