
Por Cátia Pesquita (*)
A corrida ao ouro da inteligência artificial (IA) é dominada por gigantes americanos e chineses cuja escala assenta em três ingredientes: vastos recursos computacionais, volumes de dados sem precedentes e capacidade de recrutar os melhores talentos. Se a Europa quiser estar na linha da frente, não bastará correr mais rápido; será necessário correr de forma mais inteligente.
Nos últimos meses os anúncios de investimentos em infraestrutura para IA pela Comissão Europeia têm-se multiplicado, incluindo as AI gigafactories que ambicionam replicar o modelo do CERN. No entanto, muitos consideram esta resposta tardia e comparativamente modesta, incapaz de competir com o volume do capital de risco disponível nos Estados Unidos ou com o investimento estatal da China.
Para alimentar os modelos alojados nestas infraestruturas são necessárias vastas quantidades de dados. Fora da Europa, temos um verdadeiro faroeste em que os direitos de autor e até a privacidade são atropelados ou inexistentes, enquanto, na Europa, não faltam vozes que apontam o dedo a iniciativas europeias de regulamentação, como o RGPD ou o AI Act (acabado de entrar em vigor), como obstáculos ao desenvolvimento europeu. No entanto, estas iniciativas podem posicionar a Europa como referência global em IA confiável, ética e sustentável — uma marca de diferenciação num mundo cada vez mais atento a riscos de segurança e confiança digital.
Resta um eixo estratégico incontornável: o talento humano. Ao longo da última década as universidades europeias incluindo a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, têm investido no desenvolvimento de ciclos de estudos em IA e Ciência de Dados para formar a próxima geração de talentos. É fundamental, tanto a nível nacional como europeu, expandir estes programas, fortalecer a colaboração com a indústria e atrair talento à escala global através de uma diminuição da carga burocrática, remunerações competitivas e centros de investigação colaborativos.
Da conjugação destes fatores, torna-se claro que a Europa deve privilegiar a qualidade e a especialização, investindo em áreas negligenciadas pelos gigantes comerciais, mas de elevado potencial, em vez de tentar replicar a escala dos Estados Unidos ou China. O recente lançamento do GPT-5 evidenciou que os Large Language Models (grandes modelos de linguagem) apesar de cada vez mais poderosos, estão em desaceleração, e que em breve novos paradigmas serão necessários.
As universidades podem assumir um papel transformador ao enveredarem por áreas pioneiras de retorno menos imediato. Por um lado, a Europa tem já vantagem competitiva na IA ética e confiável, liderando por exemplo na IA neurosimbólica, que procura integrar regras e conhecimento nos modelos de aprendizagem profunda, tornando-os mais explicáveis e seguros. Por outro, deve explorar áreas de aplicação com um ecossistema europeu forte, como saúde, ciência, indústria ou preservação do património cultural e linguístico. Importa sublinhar que a fronteira entre investigação fundamental e comercializável é permeável: avanços como a previsão da estrutura de proteínas (Nobel da Química 2024) ou a descoberta de novos materiais são evidências de que a investigação fundamental gera frequentemente retornos económicos relevantes.
Ainda assim, os riscos são claros: abdicar por completo de áreas comercialmente dominantes, como a IA generativa de consumo, agravaria a dependência de plataformas externas. Da mesma forma, investir em formação sem criar condições de retenção resultará num contínuo brain drain. É, por isso, imperativo reforçar as parcerias entre universidades, indústria e Estados, com modelos de governança e financiamento que conciliem inovação, ética e sustentabilidade, apostar na IA aberta como acelerador, e reconhecer o papel decisivo das universidades e institutos de investigação na formação de talento e na definição das bases tecnológicas e éticas da IA. Investir na ciência da IA é investir em resiliência.
(*) Professora de IA e Ciência de Dados na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e Vice-diretora do LASIGE Computer Science and Engineering Research
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