Estudou artes no secundário, chegou a dar aulas enquanto tirava um curso superior e, por entre as voltas da vida, Alexandre “Archarom” Maia foi parar ao mundo dos eSports, primeiro numa passagem como jogador profissional, depois como caster e mais tarde como apresentador.

Atualmente é host da Northern League of Legends Championship (NLC), uma experiência que, ao SAPO TEK, descreve como uma “aventura única” que o levou a voar por novos rumos, não só pela mudança de Portugal para a Alemanha, mas também por ter encontrado um desafio apaixonante.

Embora sinta que, ao longo da sua vida, tenha saltado de uma área para a outra sem saber muito bem o que está a acontecer, aprendeu que vale sempre a pena lutar pelas suas ambições, mesmo quando tudo parece que vai correr mal e os videojogos desempenharam um papel relevante para esta sua mentalidade.

“Os jogos salvaram a minha vida”

Alexandre conta que, quando era criança, foi-lhe diagnosticada uma “doença muito agressiva” que não permitia que saísse de casa. O seu pai trouxe-lhe uma consola para que se pudesse divertir e brincar e, rapidamente, personagens icónicas como Mario e Sonic tornaram-se nos seus “amigos de infância”.

Mais tarde, devido à doença que lhe foi diagnosticada, foi dito à sua família que, caso não fosse operado não teria hipótese de sobreviver, porém, encontrar um médico que o operasse não foi uma fácil.

Passado um ano encontraram finalmente um médico. A operação era arriscada e, com apenas 11 anos, soube que teria uma hipótese de 15% de sobreviver. Por outro lado, se não a fizesse, teria entre três a seis meses de vida.

Os jogos eram a sua maneira tentar mitigar o sofrimento que sentia, mas também foram o que lhe deram força para continuar e há um momento em particular que Alexandre recorda. Na altura jogava DotA e depois de vencer numa jogada em que parecia que tudo ia correr mal deu-se um “clique” na sua cabeça.

“Não interessa a posição onde estás, quem tu és, de onde vens, existe sempre uma maneira de lutar. Existe sempre uma razão. Mesmo que falhes, lutaste e sais dali com a noção que deste tudo o que tinhas”, enfatiza.

Naquele momento, apercebeu-se de que, apesar da operação ter uma possibilidade baixa de ter sucesso, não deixava de ter uma hipótese para sobreviver. “É por isso que digo que os jogos me salvaram. Deram-me uma perspetiva diferente e vou levar isso para o resto da minha vida”.

Novas experiências e voos mais altos

Depois uma passagem pela FTW, onde parte da equipa que representou Portugal no ESL Major Winter Series em 2012, Alexandre decidiu fazer uma pausa que se acabou por estender com a sua entrada na área do comentário de eSports e, mais tarde, na da apresentação.

As oportunidades foram surgindo pelo caminho e, nas suas palavras, aquela que se apresenta como uma das maiores foi a BLAST Pro Series, onde foi convidado para ser apresentador de palco. Apesar de ter recusado inicialmente, Nuno “BHT” Silva, um dos amigos que se inclui na sua “quase infindável” lista de pessoas que marcaram o seu percurso, incentivou-o a aceitar e a experiência acabou por superar as suas expetativas.

Como detalha, a proposta para ser host da NLC, que chegou por parte de outro amigo que o quis levar para “rumos mais altos a nível internacional”, também foi algo que quase recusou definitivamente.

Com a vida toda em Portugal, partir para outro país parecia algo quase impossível, mas depois de muita consideração e das palavras encorajadoras da sua noiva, que o incentivou a agarrar a oportunidade, lembrando que “se sofre no presente para um futuro melhor”, decidiu aceitar.

Alexandre admite que a nova vida em Berlim é algo stressante e que ser host a este nível é mesmo “uma coisa que nunca tinha feito na vida”, mas que, mesmo assim, o seu trabalho “é muito divertido”.

“Quando estamos a trabalhar e nos é apresentado um desafio esta é a melhor coisa que podemos ter”, afirma, reforçando a importância de continuar a seguir novas oportunidades e a melhorar. “Eu encontrei um grande desafio agora e estou apaixonado por ele”.

Mas como é que Alexandre se prepara para comandar o “barco” e manter o hype durante as apresentações? Todos os dias, antes das transmissões ao vivo, há muito trabalho de preparação e de revisão, que passa inclusive por ouvir o que os seus colegas têm para dizer, mas há também um ritual que não dispensa.

“Meia hora antes de começarmos [a transmissão] entro no estúdio e fecho a porta. Nem cameramen, nem assistentes, nem os meus colegas de cast entram: eles sabem que aquela meia-hora é o meu momento «sagrado»”, indica.

Aqui chega o momento de uma preparação adicional para assegurar que tudo corre nos conformes durante a transmissão, e que os seus colegas e analistas brilhem, e há ainda espaço para ouvir uma música que o acompanha há já vários anos – Returns a King, da banda sonora do filme 300 – e que o relembra do seu foco: “Luta independentemente do que seja e dá o teu melhor”.

O feedback que tem vindo a receber alimenta as suas ambições de um dia pisar o palco da League of Legends European Championship (LEC) da Riot Games, mas, entre os seus sonhos, há muito mais do que eSports.

Uma paixão que vai além da dobragem  

Para lá dos videojogos, os desenhos animados também marcaram a sua juventude e Alexandre tem boas recordações dos domingos de manhã a ver Dragon Ball Z, Samurai X, ou ainda Digimon e Pokémon.

“Há coisa de cinco, seis anos andava a ver desenhos animados porque queria ver como estavam as coisas e, sou sincero, fiquei um pouco triste, porque não sentia a mesma paixão dos dobradores que senti quando crescia”, conta.

Já que a voz é um elemento tão importante do seu trabalho, surgiu a vontade de experimentar fazer dobragem. Começou com alguns vídeos, que partilhava no YouTube e no Facebook, e, tendo em conta o feedback que recebeu, pensou em avançar para o lado mais profissional da área.

Após falar com João Loy, que os fãs de Dragon Ball reconhecerão certamente como a voz de Vegeta e que o recomendou a fazer workshops, apostou em melhorar as suas competências. Entre workshops na Audio In, acabou por ser chamado para um casting, tornando-se parte da equipa de dobradores do desenho animado Super Strikas.

“Eu diverti-me bastante a fazer aquilo e sentia paixão. Depois vi crianças a ver [o desenho animado]na televisão e pensei «eu quero melhorar isto, porque não trazer um anime”, afirma. Aí surgiu My Hero Academia e, é certo que não foi um processo propriamente fácil, mas Alexandre tem a certeza de que tudo valeu a pena.

É com entusiasmo que recorda os momentos em que teve a oportunidade de ver os fãs da série, como na Comic Com em 2019, durante o anúncio da sua segunda temporada. “Sofremos muito para que My Hero Academia viesse para Portugal, mas ver aqueles sorrisos e a paixão dos fãs é algo que nunca vou esquecer”.

Além nas suas aspirações no mundo dos eSports, lançar o seu próprio manga é um dos seus grandes planos. “É um projeto que já tenho há nove anos. Estamos quase a lança-lo e só adiamos agora porque vim para Berlim”. Mas não é tudo: Alexandre sonha também com a possibilidade de transformar o manga num anime e quem sabe se um dia não veremos a série tanto por terras lusitanas como pelo país do sol nascente.