O World Economic Forum elegeu a desinformação como um dos principais riscos para as sociedades nos próximos anos e especialmente em 2024, ano em que 49% da população mundial vai às urnas.

Como sublinhava um estudo publicado no ano passado pela Obercom e pelo Observatório Ibérico de Media Digitais e da Desinformação, que avaliou esta realidade em Portugal e Espanha, o “campo da política é mais permeável à desinformação devido às suas características intrínsecas: anima-se pelo exercício da influência junto dos eleitores, apela a aspetos emocionais”. E quando “acontece em plataformas digitais, a desinformação amplia o seu alcance”.

Em Portugal, o registo deste tipo de fenómenos nas redes sociais neste período pré-eleitoral tem sido ténue. Isso acontece, diz o mesmo estudo, porque o país tem “características sociodemográficas, políticas e económicas que o tornam menos exposto a estratégias de desestabilização". Regista-se um aumento da agressividade da linguagem política, mas “pouca pegada de desinformação da parte do Governo e da oposição durante a comunicação realizada nas campanhas eleitorais".

Comparativamente a outras geografias, há um ambiente relativamente tranquilo no que se refere a este tema, mas também é reconhecido que o número de casos tem vindo a aumentar. “Temos visto mais desinformação associada às redes sociais, que depois acaba por ser transportada para os debates, por exemplo. Vemos muitos casos de desinformação que é reutilizada, até depois de verificada”, admite Salomé Leal, do Polígrafo.

“As redes sociais são um terreno fértil para a desinformação sobretudo nesta altura de eleições, embora isso não queira dizer que a desinformação não exista também noutros meios”, sublinha a editora do jornal online de fact-checking. A questão é que “uma mentira ou uma imprecisão numa rede social pode resultar muito melhor que uma verdade chata, ou com números”.
Quem vai à frente na campanha das redes sociais e que peso isso terá no dia das eleições?
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O crescimento dos casos acaba por ser proporcional ao do volume de comunicação, porque também há mais políticos a partilhar mais coisas, tanto informações verdadeiras como falsas. Com maior adesão dos dirigentes e das campanhas às redes sociais é “natural que encontremos aí muitas das mentiras ou imprecisões que antes eram ditas na televisão, nos jornais ou noutros órgãos”.

A maior parte das imprecisões ou mentiras da campanha, com origem ou que ganham dimensão nas redes sociais, identificadas pelo Polígrafo são conteúdos objetivamente falsos, como números, citações que uns políticos fazem de outros e que se são completamente erradas, ou falhas de memória. A divulgação deste tipo de conteúdos parte dos candidatos ou das suas máquinas de campanha e alimenta-se de “toda aquela fatia de pessoas ligadas aos partidos, como militantes e apoiantes, que vêm defender o seu líder e replicar uma mentira ou imprecisão”, refere Salomé Leal.

Na semana que passou, os investigadores do MediaLab do ISCTE-IUL identificaram pela primeira vez em Portugal indícios de interferência externa nas eleições, num anúncio que acusava o PS de corrupção. A campanha circulou em vários sites, incluindo de jornais, através da rede de anúncios da Google. Usava técnicas habituais em conteúdos de desinformação, como a colagem de títulos de imprensa descontextualizados. Percebeu-se entretanto que estava ligada a uma empresa americana também associada a conteúdos políticos e de desinformação em países como Singapura, Roménia e Panamá, igualmente com eleições previstas para este ano. O anúncio foi entretanto retirado.

Na mesma altura, o MediaLab divulgou através da Lusa, com quem mantém uma parceria para a divulgação dos resultados da análise em curso à atual campanha nas redes sociais e meios digitais, uma campanha paga contra o PSD que circulava em várias plataformas. Apurou dias depois que a campanha, que liga o atual líder do PSD aos cortes da troika, tem circulado pelo Facebook em quatro posts patrocinados e está ligada a uma página que remete para um site que não existe, alcançou já mais de 2 milhões de pessoas.

Na primeira semana de fevereiro, a mesma equipa de investigadores identificou quatro casos de desinformação nas redes sociais que também já tinham sido alvo de fact-checking por parte do Polígrafo e do Observador e que acabaram por somar milhares de visualizações. Aqui estavam em causa publicações feitas nas redes sociais pelos candidatos e pelas suas máquinas de campanha, com informações imprecisas ou descontextualizadas que acabam por ser o tipo de casos mais comuns identificados até à data.

Foi identificada uma imagem deturpada da Aliança Democrática publicada por um utilizador na X, que foi vista mais de 420 mil vezes e uma fotografia manipulada de Passos Coelho com uma bandeira do Chega, mas também informação descontextualizada partilhada por dois líderes políticos. Mariana Mortágua acusou o PSD numa publicação na X da responsabilidade pela privatização da EDP - o Polígrafo analisou e verificou que a privatização da elétrica fez-se em várias fases, com diferentes governos, a última de facto durante a legislatura de Pedro Passos Coelho.

O outro exemplo é o de uma publicação de Pedro Frazão, do partido Chega, com um gráfico a corroborar as afirmações do líder dias antes dizendo que 30% da população em Braga são imigrantes. Também neste caso os fact-checkers mostraram que o dado não pode ser tido como verdadeiro, porque resulta de uma combinação de números que não podem ter aquela leitura. A publicação acabou por ser retirada, mas antes disso foi vista 36.800 vezes, graças às partilhas que foram sendo feitas, apurou também o MediaLab.

Estes exemplos acabam por espelhar o tipo de desinformação que investigadores e fact-checkers têm encontrado mais nas redes sociais. Ambos também concordam que até à data não têm surgido casos com impacto significativo, como referiu ao SAPO TEK José Moreno, investigador do MediaLab, “o que não quer dizer que não venham a surgir”, ou até que não circulem já pela internet sem ainda terem sido detetados. É esse mesmo, aliás, um dos perigos destes canais de comunicação: não há imediatamente um contraditório e quando chega, se chegar, já tem um impacto muito inferior ao da informação original.

As redes sociais são um canal privilegiado para veicular este tipo de informação “porque não está ninguém do outro lado a contestar a informação e também porque não é preciso local e hora para falar, basta aceder a uma plataforma e partilhar um conteúdo. Obviamente a propagação da mentira torna-se muito mais fácil”, admite a jornalista do Polígrafo, que é um dos parceiros do Iberifier em Portugal, bem como o ISCTE, a Lusa, entre outros.

O que diz a Comissão Nacional de Eleições?

Para combater a desinformação nestes novos canais de comunicação a Comissão Nacional de Eleições pode fazer pouco, porque a lei eleitoral também pouco prevê. “A ação da CNE está mais vocacionada para a reação às questões que vão sendo colocadas e menos para o controlo das atividades dos partidos, até por uma questão de meios”, admitiu ao SAPO TEK Fernando Anastácio, porta-voz da CNE. Quando há queixas são aplicadas coimas, se for caso disso, ou encaminhadas para os órgãos competentes, como a Procuradoria-geral da República ou a Policia Judiciária.

As queixas que podem dar origem a coimas são as incidem sobre ações que violem a lei eleitoral, como situações de publicidade paga nas redes sociais, disseminação de conteúdos que incitem ao ódio ou à discriminação, ou situações de usurpação de conta que são precisamente as mais denunciadas. Situações em que os canais de comunicação institucionais são utilizados para divulgação de conteúdos partidários, ou que visam a promoção de alguém em particular: Se um autarca usar a conta de Facebook da autarquia para anunciar uma ação de campanha, por exemplo.

Fernando Anastácio confirmou também já entretanto à Lusa, que a campanha divulgada através do Facebook contra o PSD, de propaganda paga e anónima, cabe nas proibições que a lei prevê em tempo de campanha.

Para além destas ações, a CNE antecipou para esta campanha um conjunto de contactos “numa perspetiva de colaboração com várias entidades”, entre media, regulador da comunicação social (ERC), serviços de fact-checking e principais plataformas de internet. “É um trabalho essencialmente de sensibilização”, explica Fernando Anastácio. Os contactos com as plataformas, por exemplo, serviram essencialmente para partilhar informação sobre o enquadramento legal português, mas podem também vir a agilizar uma reação destas quando a CNE receber queixas de situações que manifestamente violem a lei.

Google e TikTok: explicam o que estão a fazer

O SAPO TEK contactou as plataformas digitais mais usadas em Portugal, para perceber que medidas levaram a cabo para ajudar a combater a desinformação nas próximas eleições locais. Só o TikTok e a Google responderam.

O TikTok explicou que se preparou para as eleições em Portugal com várias medidas para combater a desinformação e destaca algumas, como a parceria com o Polígrafo, “para nos ajudar a garantir que a informação na nossa plataforma é fiável”. O objetivo é contar com o jornal de fact-checking para “compreender que tipo de conteúdo é desinformação e, assim, a remover de forma consistente e precisa a desinformação sobre as eleições”. Enquanto o conteúdo está a ser verificado ou quando este não pode ser comprovado através da verificação de factos, torna-se inelegível para recomendação no feed Para si. “Informamos igualmente os utilizadores sobre conteúdos não verificados, rotulando-os e pedindo-lhes que reconsiderem antes de partilharem informações potencialmente enganadoras”, explica a empresa. Quem criou o conteúdo também é avisado de que está a produzir informação não verificada.

Quando os utilizadores pesquisam sobre as eleições em Portugal vão também encontrar um “guia de pesquisa” que reúne “informações e recursos fiáveis em português”. O TikTok explica ainda que não permite promoção política paga, publicidade política nem angariação de fundos por parte de políticos e partidos políticos. Estão também vedados os anúncios pagos tradicionais e a publicação de conteúdos por criadores que recebem uma compensação para apoiar ou opor-se a um candidato. Para além disto, as contas de políticos ou de partidos políticos não têm acesso a um conjunto de ferramentas de monetização, como ofertas, dicas e comércio eletrónico, e não são elegíveis para o Fundo de Criadores, “o que as impede de gastar dinheiro para promover os seus conteúdos”.

A Google, através de um porta-voz, sublinhou que “apoiar as eleições é uma parte crítica da responsabilidade com os nossos utilizadores e com o processo democrático. Estamos empenhados em trabalhar com o governo, com a indústria e com a sociedade civil para proteger a integridade das eleições, incluindo as próximas eleições em Portugal”.

A empresa do grupo Alphabet explica que pretende cumprir este desígnio ajudando a “ligar as pessoas a informação útil e relevante relacionada com as eleições, a dotar as campanhas e os candidatos com os melhores recursos de segurança e a monitorizar e a suspender ataques cibernéticos, coordenar operações de informação e evitar a propagação da desinformação e informação falsa”. Refere os contactos que tem mantido com a ERC e a CNE, como contributo para a “integridade eleitoral” e o programa moderador de denúncias prioritárias do YouTube, que disponibiliza ferramentas a organismos governamentais e ONGs para agilizar a comunicação de conteúdos que violem as regras da comunidade.

O serviço de vídeos da empresa, o YouTube, é um dos mais usados em todo o mundo para divulgar todo o tipo de conteúdos, incluindo políticos. A Google garante que tem feito investimentos significativos em políticas, recursos e produtos para que a plataforma seja uma fonte mais confiável de notícias e de informações relacionadas com as eleições, bem como para conseguir “remover rapidamente conteúdo violador e ligar as pessoas a notícias e informações de fontes confiáveis”.

As políticas da plataforma proíbem conteúdos que enganem os eleitores sobre como votar ou incentivar a interferência no processo democrático, assim como conteúdos que ameacem membros das mesas eleitorais, candidatos ou eleitores, conteúdos tecnicamente manipulados ou adulterados, de uma forma que induza em erro os utilizadores e que possa representar um risco sério de danos flagrantes.

No terceiro trimestre do ano passado a Google revela que foram removidos mais de 51 mil vídeos do YouTube por violarem as políticas de desinformação do site. Adianta ainda que tem 20 mil pessoas em todo o mundo dedicadas à moderação de conteúdos, que é também feita com recurso a inteligência artificial.

O TikTok não avança um número mas garante que durante o terceiro trimestre de 2023, 99% de todos os conteúdos de desinformação eleitoral e cívica retirados foram identificados e tratados antes de serem reportados, com a ajuda de moderadores especializados em desinformação - que são nativos em cada língua europeia.

A plataforma acrescenta que para as próximas eleições europeias, em junho, está também a preparar várias iniciativas e diz que terá mais de 6.000 pessoas dedicadas à moderação de conteúdos linguísticos da UE. Este ano há ainda planos para lançar novas campanhas de literacia mediática, em parceria com verificadores de factos, uma ação que no ano passado terá conseguido fazer chegar a 50 milhões de pessoas em 18 países.

Este artigo integra um especial sobre as eleições nos canais digitais que o SAPOTek publica nos próximos dias