
Por Eduardo Santos (*)
A mensagem da Comissão Europeia não podia ser mais clara: num tempo em que a Ciência é cada vez mais atacada e limitada em diversas partes do mundo, a União Europeia pretende tornar-se "a casa da liberdade científica e académica". A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reafirmou recentemente o compromisso europeu com a "tradição de ciência aberta e colaborativa", e quer trazer para a Europa cientistas, investigadores, académicos e trabalhadores altamente qualificados de todo o mundo. Mais do que atrair talento, o objectivo é estratégico: "colocar investigação e inovação, ciência e tecnologia, no centro da nossa economia". A solução da UE para aumentar a sua competitividade a nível global.
Mas Von der Leyen reconhece que o mercado único europeu ainda tem barreiras burocráticas complexas que dificultam esse caminho. Por isso, a Comissão pretende introduzir uma 5ª liberdade no mercado único, a juntar às já existentes (livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais): a liberdade de circulação do conhecimento e dos dados. Espera-se que novo "European Research Area Act" venha consagrar expressamente a liberdade de investigação científica.
Mas, e Portugal?
Esta visão estratégica parece reunir consenso. Mas, em Portugal, esbarra no facto de o país estar precisamente em contra corrente. Por cá, a investigação científica, para existir, tem de pedir... permissão aos titulares de direitos de autor.
Na prática, isto significa que, em Portugal, qualquer trabalho científico que precise de usar obras sujeitas a direitos de autor, mesmo que parcialmente e sem qualquer intuito lucrativo, tem de obrigatoriamente pedir autorização prévia aos autores ou aos titulares desses direitos. Na maior parte dos casos, isto implica pagar-lhes licenças. Quando as obras são muitas, é necessário obter permissão de cada autor. Apenas se salvaguardam utilizações para efeitos de ensino ou pequenas citações. A alternativa? Aguardar que os direitos expirem, o que acontece 70 anos após a morte do autor. Resultado prático: investigação científica que envolva conteúdos sujeitos a direitos de autor fica inacessível aos cientistas portugueses durante mais de um século. Um cenário absurdo e prejudicial à ciência nacional.
Uma originalidade portuguesa
Podíamos pensar que esta é apenas uma consequência natural das regras europeias de direito de autor. Mas não é verdade. A legislação europeia (Directiva InfoSoc, de 2001), permitiu expressamente aos países criar excepções para fins de ensino e de investigação científica. Portugal, no entanto, optou por incluir apenas a excepção para fins de ensino, deixando inexplicavelmente de fora a investigação científica.
Razões históricas e políticas explicam em grande medida esta situação. Em Portugal, a regulação de direito de autor tende a ser fortemente influenciada por setores ligados às indústrias culturais e criativas, um lobby poderoso. Com interesses comerciais directos no tema, estes sectores assumem uma influência desproporcional na legislação nacional, e com isso acabam por conseguir ditar o que pode ou não ser feito nos vários sectores. E certamente não têm a Ciência como prioridade.
Talvez por parecerem matérias demasiado técnicas e de nicho, estes temas passam despercebidos a outros setores - bem como ao público em geral - que só mais tarde se apercebem do seu impacto transversal. Assim, o interesse público e outros interesses difusos acabam prejudicados, especialmente em áreas sensíveis e estratégicas como Ciência e Inovação. E assim se chega à situação em que um cientista tem pedir licença para investigar.
Esta é uma barreira legal dificilmente ultrapassável por parte dos investigadores portugueses que precisem de usar obras sujeitas a direitos de autor. A solução prática passa por realizar esses trabalhos noutro país da UE que tenha legislação favorável à inovação. Uma realidade que limita significativamente a capacidade científica e tecnológica do país.
Oportunidade perdida em 2023
Recentemente, em 2023, Portugal teve uma excelente oportunidade para resolver esta situação aquando da transposição da Diretiva Europeia sobre Direitos de Autor no Mercado Único Digital. Infelizmente, o governo de então decidiu realizar a transposição por decreto-lei, sem qualquer discussão parlamentar aprofundada ou espaço para debate público, adotando uma abordagem minimalista.
Isto levou a uma situação ainda mais estranha e incoerente. A directiva obrigou Portugal a introduzir uma excepção específica relativa à "mineração de texto e dados" para fins de investigação científica. Portanto, de momento, Portugal encontra-se na situação bizarra de ter uma lei que permite a mineração de texto e dados para fins de investigação científica, sem necessidade de permissão ou licenças, mas toda a restante investigação científica continua excluída.
A solução é simples: alterar uma única linha
A realidade é clara: se Portugal pretende alinhar-se com as prioridades estratégicas europeias, colocando a Ciência e a Inovação no centro do seu desenvolvimento económico e social, é essencial alterar rapidamente a legislação nacional. Felizmente, a solução é extremamente simples: basta acrescentar a investigação científica à lista de exceções no Código de Direito de Autor. Esta mudança requer apenas a alteração de uma linha da legislação atual.
Caso contrário, enquanto a Europa avança rapidamente no século XXI para uma ciência livre, colaborativa e aberta, os investigadores portugueses terão de contentar-se em continuar pelo século XIX e anteriores.
(*) Coordenador Nacional da Knowledge Rights 21.
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