Por João Coelho (*)

A inovação digital é um dos factores protagonistas das actuais dinâmicas tecnológicas, organizacionais e sócio-económicas. Entre as características  da  produção de  inovação digital  encontra-se  a  interdependência de instituições e agentes económicos (governo, academia, indústria, sociedade). Além dos relacionamentos  existentes  na  tríade clássica governo-academia-indústria, o papel da sociedade como promotora da difusão de conhecimento e da utilização e melhoria de soluções de inovação tem vindo a adquirir um relevo crescente. Neste sentido, os cidadãos, perspectivados enquanto utilizadores ou consumidores de inovação digital, apresentam-se como elementos centrais no incentivo e auxílio à constituição de uma direcção de desenvolvimento tecnológico.

Esta relação de influência é particularmente significativa na determinação do sucesso de soluções centradas no uso ou na abstração de valor de dados ou de técnicas de inteligência artificial. Decisões relevantes (associadas, por exemplo, a consumo, trabalho ou investimento) são, com frequência crescente, realizadas com o uso de soluções de inteligência artificial, sem que o utilizador tenha total consciência ou conhecimento desta circunstância, do teor destas soluções, do impacto ou consequências da sua actuação. Em época festiva, de fim de ano, possivelmente pontuada por balanços e decisões com impacto significativo (uma compra, um investimento, uma mudança de emprego), temas como a ética e o impacto da discriminação algorítmica nas relações de trabalho e de consumo perfilam-se como detendo importância destacada para empresas e indivíduos.

Sabemos, em resultado de pesquisas recentes, que 58% dos consumidores esperam melhores experiências digitais depois da pandemia, e 74% dos profissionais de apoio ao cliente relatam que as suas interacções digitais têm uma influência significativa no serviço prestado, prevendo que esta quota aumente para 90% dentro de dois anos. É possível identificar, neste contexto, uma responsabilidade e uma oportunidade singular para uma marca, para uma empresa, no referente à natureza da sua interacção com os consumidores, com o seu cliente: se por um lado, a tecnologia permite ampliar a utilização dos dados existentes, maximizando por exemplo, o alcance de uma estratégia de desenvolvimento de mercado, por outro, é conferido um papel preponderante ao cliente, no referente às possibilidades e profundidade de uso dos (seus) dados.

A este propósito, acresce o facto, no referente a comportamentos de adopção de um canal ou plataforma digital, da disponibilização de informação que viabilize o escrutínio dos modos de operação de uma solução, canal ou artefacto digital, se apresentar como comportamento diferenciado, potencialmente gerador de vantagens competitivas e comparativas, no plano da reputação de uma empresa, e da confiança e lealdade de um consumidor ou utilizador.

Neste contexto, importa salientar o apelo crescente à assim designada transparência algorítmica. A existência de operadores vistos como arcanos, enigmas tecnológicos ou patrões algorítmicos, em particular no referente à privacidade de dados e à neutralidade inerente ao seu processamento, tende a associar-se a uma percepção negativa do risco associado ao seu uso. Em sentido inverso, a ganhos no plano da transparência e possibilidade de vigilância das rotinas e viés de julgamento algorítmico, tendem a corresponder ganhos de reputação e confiança, redução de percepção de risco e incerteza, por parte de um utilizador ou consumidor.

A eclosão e discussão recente de casos de presumida opacidade e sentido de mistério ou segredo associado ao uso de soluções e plataformas-charneira no panorama actual de digitalização da economia, sinalizam o relevo crescente desta temática. A existência ou a percepção de existência de segredo tecnológico situa os potenciais utilizadores de uma solução numa posição de exclusão, de periferia. Neste sentido, com o crescimento do volume de dados existentes em ambientes e canais digitais, o reconhecimento, consideração e preservação deliberada, by design, de valores de ética e transparência associados a processos de inovação, afigura-se como elemento a considerar como prioritário, no presente, no desenho de políticas públicas que visem a inclusão digital, e a manutenção da competitividade de uma instituição ou empresa.

(*) Diretor Senior de Talento na Talkdesk

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