Por Luis Coelho (*)
De uma forma geral, já todos ouvimos falar em transformação digital. Uns estarão familiarizados com este conceito enquanto agentes ativos dessa mudança, outros como meros utilizadores de um sistema que se retroalimenta. Há pelo menos duas décadas que vivemos, e experienciamos, esta (r)evolução digital sobre a qual muito já se disse, escreveu e fez. Mas será que tem um fim?
Antes de mais, importa perceber que o conceito de “digital” é bastante abrangente e, embora possa ser mais facilmente associado aos canais digitais, refere-se a todo o espectro de soluções de tecnologias de informação que vão desde os canais de contacto com o cliente, passando por sistemas de integração de informação, até aos sistemas centrais que permitem gerir o negócio das empresas.
Adicionalmente, importa perceber que a transformação digital não significa apenas passar do analógico para o digital com a ativação de novas tecnologias transformando os sistemas existentes; deve também passar pelo uso do digital para simplificar a forma como trabalhamos. A digitalização deve, por isso, ser encarada como uma oportunidade para repensar a oferta da organização, os processos de negócio, como se adiciona valor a cada interação com o cliente, como se personaliza o serviço de forma consistente, independentemente do canal de interação e, ao mesmo tempo, como se tornam as operações mais eficientes, quer por otimização quer por automação dos processos de negócio.
Mas este tipo de questões não se resolvem meramente com tecnologia. Elas implicam uma abordagem de “fora para dentro” e não apenas centrada na visão da organização para o mundo, muitas vezes de cariz iminentemente operacional. A transformação digital tem de começar e acabar com o cliente em mente.
Percebemos que o comportamento dos clientes vai mudando ao longo do tempo e que muita da experiência digital a que assistimos hoje está moldada aos padrões dos millennials. Estes, com expetativas cada vez mais sofisticadas, transformaram-se em conhecedores exigentes, que procuram experiências únicas e querem atendimento personalizado. Mas isto está, mais uma vez, a mudar. A geração Z está a chegar e estes nativos digitais têm padrões e preferências diferentes dos demais. Ignorá-las, seria um erro. Para esta geração, a comunicação, simplicidade, ecologia e os valores definem a marca que irão consumir.
Tudo isto serve para percebermos que uma das melhores formas de entendermos o que é a transformação digital passa por contextualizar a constante necessidade de mudança dos clientes, uma vez que são eles que nos forçam a repensar e reinventar como encarar o digital.
Para além disto, precisamos também de ter em conta a espantosa evolução tecnológica a que temos assistido nos últimos anos e que se manifesta nas infraestruturas e nas aplicações. A infraestrutura terá sido, aliás, um dos principais responsáveis por esta transformação evoluindo desde os “velhinhos” mainframes até aos atuais serviços na cloud, cada vez mais uma preferência das organizações.
Já ao nível aplicacional, e no sentido de acompanhar esta transformação, existe o imperativo de evolução das aplicações monolíticas para arquiteturas de camadas que permitiam separar as soluções em domínios funcionais. Hoje em dia, a tendência passa por evoluir para um novo paradigma orientado a micro-serviços, que segregam as aplicações em componentes ainda menores e que se relacionam entre si de forma independente. Assim, a Transformação Digital é também a consequência dos benefícios que a inovação tecnológica nos traz em ciclos de tempo cada vez menores.
Contudo, nestes tipo de programas a transição não acontece em apenas um passo, porque depende também da complexidade dos ecossistemas tecnológicos já existentes. A forma de instanciar estes processos passa pela introdução de um agente ativo, permitindo a evolução faseada dos sistemas e garantindo a sua coexistência. Este agente acelerador - o chamado digital overlay - permite abstrair a complexidade e limitações do ecossistema tecnológico existente, acelerando a adoção de novas soluções digitais e dos seus benefícios para os utilizadores e clientes dos negócios que se querem diferenciar usando estes novos paradigmas. O digital overlay pode ser visto como uma plataforma transversal sobre a qual assentam os diferentes canais digitais de contacto, suportando e expondo, de forma consistente, a lógica de negócio necessária ao seu funcionamento. Esta abordagem arquitetural permite a separação entre sistemas possibilitando diferentes planos e velocidades de evolução entre os canais digitais e os sistemas centrais, ao mesmo tempo que ativa a entrega de uma melhor experiência ao cliente.
Desta forma, torna-se possível virtualizar o negócio da tecnologia e, com isso, permitir a evolução para uma solução aberta onde todas as funcionalidades podem ser expostas através de serviços. Para o utilizador, esta virtualização permite usufruir dos serviços em qualquer tipo de canal de contacto, sem retrocessos e, quando este preferir, enriquecê-los, trazendo-lhes eficiência operacional através sistemas de automação cognitiva e inteligência artificial.
A transformação digital é um círculo vicioso, que evolui e se adapta não apenas em função do contexto e tendências de cada momento, como em função das exigências dos utilizadores e da evolução tecnológica.
Dizer que a transformação igital chegou ao fim é admitir que o mundo em que vivemos estagnou. É contrariar aquilo que é o comportamento humano e a curiosidade incessante de procura por novas perspetivas e soluções. Se aceitarmos este facto como premissa, as hipóteses de sobrevivência e de continuidade das organizações estão também elas diretamente associadas à sua capacidade de adaptação, às constantes mudanças e exigências dos seus clientes e do mercado. Como sabemos, não é o mais forte, nem o mais inteligente que sobrevive, mas sim o mais recetivo à mudança.
(*) Senior Manager, Celfocus
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