Por Rodrigo Oliveira (*)
1.0, 2.0, 3.0. Não há duas sem três, diz-nos o sábio provérbio português. Um velho ditado que podemos empregar em diversas situações da nossa vida e que também nos pode guiar pela actual atmosfera do ecossistema digital onde se sente a empolgante expectativa sobre a hora de chegada da Web 3.0. Web semântica, diz-lhe alguma coisa? E Web espacial ou descentralizada? Pois bem, qualquer uma das três corresponde às diferentes abordagens sobre o próximo paradigma da Internet que está a chegar, num silencioso gerúndio, às nossas vidas. O que seguirá a Web 2.0 promete ser tão transformador que ainda não existe consenso no seu nome e na sua definição. Fala-se em liberdade e ultra-personalização, em devolver o controlo da privacidade aos utilizadores e até do inesperado de certos objectos servirem como plataformas digitais. Neste novo futuro que por aí espreita, a Internet das Coisas, a Inteligência Artificial, a tecnologia Blockchain e o Machine Learning deixarão de ser conceitos longínquos para se tornarem cultura, tecnologia e filosofia de toda a nossa vida.
Intuição, liberdade e multidimensão: a trilogia do futuro
“Sinto que a web deve ser algo que, não tenta coagir as pessoas a fazer e a empregar coisas específicas nela; deve ser algo aberto, como uma folha de papel branco”. Quando, em 2005, o pai da World Wide Web (WWW), Tim Berners-Lee, partilhou este pensamento com a revista britânica de negócios e tecnologia, Tech Monitor, sabia que o seu objectivo primeiro e último em criar uma rede de comunicação e informação, original e descentralizada, ainda estava por cumprir. Os reinados da Web 1.0 e da Web 2.0 determinaram mudanças significativas na forma como comunicamos e nos informamos, mas o reverso do bom que isso nos trouxe trouxe-nos, sobretudo, dois custos muito elevados: a cedência involuntária da privacidade dos nossos dados pessoais a empresas e organizações e o monopólio do desenvolvimento de aplicações, softwares e arquitectura web na mão de meia dúzia de empresas tecnológicas - empresas que não preciso de mencionar os nomes pois todos conhecemos muito bem, o que só prova o seu imperialismo nesta era Big Tech.
Com o intuito de “restaurar o equilíbrio”, Berners-Lee defende uma web descentralizada em que os dados pessoais estão nas mãos dos utilizadores e não o inverso. E, provando que fala a sério, lançou, no ano passado, através da sua startup Inrupt, a primeira versão empresarial do projecto Solid – uma plataforma de dados descentralizados que permite que as pessoas armazenem seus próprios dados pessoais em “pods” (armazenamentos de dados pessoais online). Os early birds desta nova abordagem ao tratamento de dados são empresas e instituições de áreas de actuação muito diversas: a BBC que está a usar a plataforma para melhorar as sugestões de media aos telespectadores online; o National Health Service (NHS) que trabalha numa aplicação onde médicos e enfermeiros poderão aceder a dados e adicionar dados aos “pods” de pacientes; e a região de Flandres, na Bélgica, que criou a aplicação My Citizen Profile, onde as pessoas controlam os dados que partilham com as empresas e o governo local.
Neste manifesto de descentralização da web, entra também em cena a tecnologia blockchain que defende a liberdade de expressão e a transparência de forma a resgatar a forma original da Internet. A tecnologia que serve o popular Bitcoin baseia-se num Livro Razão onde são registadas todas as transações e rastreados todos os activos de uma rede empresarial. Neste livro colossal, todos os membros acedem à mesma visão sobre os factos e uma transação é vista a todo o detalhe. Aqui, os números falam por si e não existe nada mais transparente do que eles.
Por outro lado, ainda em linha com o objectivo primário de Berners-Lee para a WWW, surge o prisma da web semântica que assenta num sistema onde o utilizador encontra informações relevantes de forma intuitiva. As tecnologias de Inteligência Artificial e Machine Learning são as abelhas-mestras desta colmeia digital que se quer cada vez mais humanizada. Aqui, o contexto proporciona uma pesquisa altamente personalizada, distanciando-se muito do que experienciamos agora com a pesquisa a reduzir-se a keywords e receber anúncios que têm mais a ver com o que as empresas querem promover do que com o que procuramos e desejamos numa experiência online.
Enquanto a web semântica e a web descentralizada se inspiram na evolução ética e socioeconómica da Internet, a Web espacial aposta nos aspectos práticos do acesso. Hoje, já todos percebemos o poder disruptivo da Realidade Virtual e Realidade Aumentada sobre a forma como navegamos na profundidade oceânica do digital. Assim como a promessa de muito longe trazida pela Inteligência Artificial que já nos oferece, entre muito outras coisas, assistentes robóticas muito prestáveis de nomes Alexa, Cortana e Siri. A forma como, hoje, interagimos no mundo físico e virtual é apenas a ponta do iceberg do que está por vir. Em menos de nada, chegará o momento de glória da Internet das Coisas, em que todos os nossos dispositivos estarão conectados, e aquele momento em que acordamos, olhamos para a janela e nela vemos (e ouvimos) a informação sobre o tempo que irá estar ao longo desse dia.
Por mais premonições que se façam, o futuro é sempre uma incógnita. Não sabemos se o que aí vem se chamará de web 3.0, semântica, espacial ou descentralizada, mas podemos ter a certeza que seja o que vier, não será uma mera actualização do que temos hoje com a 2.0, mas sim um novo paradigma que transformará a forma como vemos e sentimos a Internet. Seja o que vier, que seja mais justo e humanizado.
(*) CEO Zyrgon Network Group
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