Por Tatiana Marinho (*)
Na era do digital, a legislação sobre direitos de autor não era actualizada há cerca de 20 anos. Após um longo período de negociações, foi alcançado um consenso quanto à versão final da Proposta de Directiva sobre Direitos de Autor no Mercado Único Digital. A Diretiva 2019/790 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de abril de 2019 foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia a 17 de maio de 2019 e acaba de entrar em vigor, concretamente, a 6 de Junho de 2019. Os Estados Membros têm até 7 de junho de 2021 para efectuar a transposição.
Tratando-se de uma Directiva e não de um Regulamento, há agora a necessidade de transposição para a ordem jurídica interna de cada Estado Membro, ou seja, cada Estado será responsável por colocar em vigor todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva e aos fins que a mesma visa alcançar. Neste conspecto, importa referir que se o que se pretendia era uma harmonização desta matéria em toda a UE, o instrumento adequado seria um Regulamento – à semelhança do que aconteceu em matéria de protecção de dados pessoais, onde a UE apenas deixou à discricionariedade de cada Estado Membro questões específicas (definição de idade para os menores prestarem consentimento; valores mínimos das coimas, etc) - e não uma Directiva. A História já nos demonstrou que, em matérias que se pretende uniformizar com crivo apertado, o recurso a Directivas não tem tido o sucesso esperado, na medida em que ou os Estados Membros incumprem os prazos de transposição, ou acabam por fazê-lo de modo díspar, com interpretações distintas em cada País e com regimes inspectivos e sancionatórios diferentes.
É entendimento pacífico que as normas existentes nesta matéria, designadamente, a Directiva do ano 2000 sobre Comércio Electrónico e a Directiva do ano 2001 sobre Direitos de Autor estão manifestamente desactualizadas em virtude da contínua e rápida evolução tecnológica e das formas de comunicação através da Internet. Há 20 anos atrás não existiam redes sociais nem meios de comunicação online como os conhecemos hoje. A necessidade de ajustar a legislação à realidade era urgente.
Debruçando-nos sobre um dos conteúdos mais polémicos da Directiva agora em vigor, concretamente, sobre o controverso e até então famoso “artigo 13º” - actualmente artigo 17º. Importa desde logo perceber o que se pretende com esta norma. Será o fim da internet conforme foi profetizado? Entendemos que não! Na verdade, toda a polémica gerada em torno do artigo parece-nos manifestamente excessiva, uma vez que o que sempre se pretendeu (desde a versão inicial da Proposta de Directiva) foi imputar às grandes plataformas como o YouTube, Facebook, Google, Twitter (entre outras) o ónus de obter uma autorização dos autores dos conteúdos disponibilizados nessas plataformas, atenuando-se o problema do value gap entre os autores e as plataformas digitais, uma vez que aqueles passam a ser ressarcidos de forma equilibrada pelos conteúdos que criam (tal como já acontece hoje em dia em determinadas plataformas, como é o caso do Spotify e da Netflix). No fundo, pretende-se onerar as platafarmas com os esforços necessários para negociar licenças para que os autores sejam remunerados pela utilização online do seu conteúdo. Com a aprovação da Directiva sai reforçada a posição dos autores e artistas, onde se incluem os próprios Youtubers que saíram em debandada a pressagiar o fim da internet e dos criadores de conteúdos online.
O princípio basilar ou o ponto de partida é a existência de uma autorização dos autores para que o conteúdo seja utilizado/disponibilizado aos utilizadores das plataformas. No entanto, inexistindo essa autorização, cabe aos próprios autores identificar junto das plataformas quais os conteúdos que não querem que sejam disponibilizados. Assim, apenas em relação a estes conteúdos não autorizados é que a plataforma tem a obrigação de filtrar e impedir a sua divulgação.
Pode colocar-se a questão de como – na prática – as plataformas podem identificar os conteúdos cuja divulgação não foi autorizada pelo autor. Na verdade, o Youtube, muito antes da entrada em vigor desta Directiva, já possuía uma ferramenta que permite fazer essa triagem – o Content ID – que permite impedir que sejam carregados conteúdos que o autor não autoriza e que tenha previamente registado como conteúdo protegido.
Neste aspecto, importa esclarecer que a Directiva não obriga as plataformas a ter este tipo de filtros, meios específicos ou tecnologias de ponta, o que se exige é a obtenção de autorizações dos autores - não para impedir - mas sim para permitir o uso de obras protegidas. Estando as plataformas autorizadas pelos autores a disponibilizar conteúdos, os utilizadores podem partilhar livremente esses conteúdos.
Também não é o fim dos GIF´s, memes e outros conteúdos criados para fins de citação, crítica, caricatura, paródia. Na verdade, a criação deste tipo de conteúdos sai reforçada, uma vez que a sua utilização passa a ser expressamente permitida pela Directiva, quando até então cada Estado Membro era livre de legislar no sentido de permitir ou não estas utilizações (em Portugal sempre foi permitido). Acreditamos que, uma vez mais, sai fortalecida a liberdade de expressão dos utilizadores.
(*) advogada da Cerejeira Namora, Marinho Falcão & Associados
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