Por Rui Martins (*)

Uma experiência realizada em Dezembro de 2024 pelo jornal romeno  https://recorder.ro provou a facilidade em manipular o algoritmo do TikTok por forma a conseguir um alcance elevado e o decorrente impacto político num processo eleitoral. Na experiência em questão, Levi Elekes, um jovem empresário romeno, usando algumas linhas Python como as descritas em no vídeo (que ensina, basicamente, a criar um TikTok bot em 10 minutos) provou que um programador de nível médio pode criar um vídeo com conteúdos falsos e alcançar em menos de uma hora mais de um milhão de eleitores.

Com efeito, o vídeo do teste apresentava um candidato inexistente a primeiro-ministro, Vasile Ion, e alcançou mais de um milhão de visualizações em apenas uma hora. O “político” era, de facto, um actor contratado que, no vídeo, prometia dar a cada romeno 2 kg de ouro do tesouro estatal para que estes pudessem “investir” ou gastar o valor em qualquer necessidade urgente ou para saldar dívidas.
A reportagem vídeo do “Recorder” pode ser vista no Youtube.

Por seu lado, a conta original no TikTok, entretanto, foi apagada mas, a 10.12.2024 persistia ativa uma réplica do vídeo neste link com o texto “Vasile Ion – the future Prime Minister of Romania – the clip of 1 M views has been deleted #recorder#vasileion#levielekes#1milionviews”

O vídeo original esteve no ar apenas duas horas, não usou anúncios (ou seja não fez um investimento financeiro directo) e apenas consumiu algumas horas de trabalho a escrever código “frankestein” (copy-paste da internet com algumas adaptações) mas foi capaz de vencer os sistemas de segurança da rede social chinesa e chegou a ser um dos mais vistos entre os cerca de 9 milhões de utilizadores romenos durante essas duas horas.

De sublinhar que o TikTok é a rede com maior crescimento no país, conquistando recentemente 1.7 milhões de novos utilizadores dos quais 1.3 terão vindo diretamente do Facebook. Em Portugal, o TikTok tem 3.3 milhões de utilizadores (tinha 1.8 há um ano). Em outubro a CpC somou todos os seguidores dos deputados portugueses no TikTok contando mais de 118 mil seguidores. Um ano depois esse número já ascendia a 566 mil o que confirma esse crescimento verdadeiramente notável desta rede social no nosso país. Isto indica que o TikTok deve ser aumentado ainda mais a sua quantidade de utilizadores em Portugal.

Recentemente, a CpC alertou para que o sucedeu na 1ª volta das eleições presidenciais romenas no artigo "A Manipulação Eleitoral nas Redes Sociais: Desafios Globais e a Insuficiente Resposta das Autoridades Portuguesas e Europeias"  e em "Como foram manipuladas as eleições na Roménia? O que é que a Europa deve fazer para impedir repetições do que se passou?"

O que se passou na Roménia (e que levou à anulação da primeira volta das presidenciais) poderá repetir-se em Portugal ou em qualquer um dos outros países europeus que irão para eleições em 2024 e 2025. Nas eleições romenas, o TikTok assumiu que tinha cumprido um papel nos resultados do candidato pró-russo removendo 66 mil contas falsas e 10 milhões de seguidores falsos. Se nada for feito: esta história poderá repetir-se facilmente, muito em breve, em qualquer país europeu.

No caso romeno, o candidato que a maioria dos romenos desconhecia – Călin Georgescu – apareceu classificado em primeiro lugar reunindo 2,120,401 (22.94%) votos. O segundo classificado foi Elena Lasconi do partido USR (“União Salvar a Roménia” de centro-direita e liberal) com apenas 1,772,500 (19.18%).

Călin Georgescu não fez campanha em outdoors, não pagou anúncios nos jornais, não participou em nenhum dos 39 debates: 30 na televisão, 6 na rádio e 3 online. Vindo praticamente do nada, desconhecido pela maioria da população, Georgescu, venceu a primeira volta criando um terremoto com epicentro na Roménia mas que, se nada for feito, se estenderá a todo o continente europeu nos próximos anos.

As posições de Georgescu eram esdrúxulas defendendo, por exemplo, que a COVID-19 não existe “porque não pode ser vista”, que “a água não é apenas H2O” e que contém “informação e vibração” e que, consequentemente, a água engarrafada em plástico perderia essas propriedades garantindo que, caso chegasse ao poder, garantiria que todos tivessem acesso a “água pura” diretamente de suas torneiras, eliminando a necessidade de comprar água engarrafada. Georgescu também afirmou no TikTok que “as cesarianas não são boas porque cortam o fio de Deus entre a mãe e o filho”, “Os prisioneiros nas prisões comunistas não eram vítimas” e que “a oportunidade da Roménia é seguir a sabedoria russa.” (afirmação que, provavelmente, o colocou na mira dos serviços de informações do Kremlin).

Se estes resultados foram possíveis criando uma rede de bots (existe na Roménia quem acredite que foram “investidos” 50 milhões de euros numa rede de bots de uma empresa sul-africana e na empresa de marketing digital FameUp que subcontratou influencers romanos para promover conteúdos de Calin Georgescu no TikTok.

A experiência de Levi Elekes prova que não é preciso realizar um grande investimento para alterar resultados eleitorais. Agora, imagine-se se, em lugar de um candidato tresloucado como Georgescu temos um (ou vários) políticos competentes, bons tribunos e com um discurso consistente que usam os mesmos meios ou que, recorrem a uma rede paga de influencers (método que foi também usado por Georgescu): Sem dúvida que isso traria um desfecho alterado às eleições e que, a prazo, os políticos concorrentes seguiriam o exemplo tornando o TikTok na verdadeira arena onde se travam eleições e se instalam governos favoráveis aos interesses de potencias estrangeiras que, dado os seus recursos ou posição privilegiada, mais facilmente podem manipular o algoritmo do TikTok.

A verdade, contudo, ainda é mais tenebrosa: os algoritmos de todas as redes sociais são construídos para maximizar os seus lucros. Não têm como prioridade a verdade, o equilíbrio, uma perspectiva justa, ou a curadoria e verificação de factos. Todos, cidadãos e políticos, precisamos de parar de assumir que as redes sociais representam o mundo real e começar a tratá-las como mercados selvagens que necessitam urgentemente de regulamentação: antes que seja tarde demais.

A verdade crua, contudo, é que o problema vai muito mais além do TikTok: A Roménia quase elegeu um presidente TikTok, alguém que mais de metade do país teve de pesquisar no Google porque não sabia quem era. Se assim foi será que a solução passa por – simplesmente – banir o TikTok como pode estar agora prestes a acontecer nos EUA? É verdade que esta rede social captura facilmente os seus utilizadores sendo vista por muitos como um cancro que mastiga o tecido vivo das sociedades e que o imediatismo, o eco simples (mesmo sem bots) a posições simplistas, a declarações bombásticas ou radicais são o terreno fértil onde crescem todos os populismos. Como já alguém escreveu “A democracia está morta na era do TikTok”.

Com efeito, se um povo passar a – em maioria – tomar decisões coletivas com base em conteúdos apresentados em aplicações como o TikTok estaremos a ser governados, em breve, pela ignorância e pelo desconhecimento.

O problema da manipulação eleitoral através das redes sociais não nasceu com o TikTok não é, contudo, novo. A Meta (Facebook) teve um papel decisivo nas primeiras eleições que colocaram Trump na Casa Branca (escândalo Cambridge Analitica) e agora, repetiu novamente com o favorecimento descarado do Twitter/X de Elon Musk pelo candidato republicano.

É público que a nova Administração Trump está a ameaçar os seus aliados europeus se estes tentarem regular o X. Assim, os EUA estão lado a lado com a China e a Rússia na posse e controlo de ferramentas que interferem diretamente nos resultados eleitorais no nosso continente.

Na CpC acreditamos que, atualmente, as plataformas de redes sociais são os maiores inimigos da democracia e devemos tratá-las como tal. O TikTok é a arma mais poderosa de desinformação e controlo mediático jamais criada que pode ser brandida por governos autocraticos ou por candidatos com poucos escrúpulos para conseguirem manipular as democracias. O Tiktok é, com efeito, o software de guerra cibernética mais poderoso jamais criado e não estamos – coletivos, políticos e cidadãos – a fazer o suficiente para conter esta ameaça.

Em termos técnicos, se fosse decidido bloquear na UE (tal manobra teria – para ser eficaz – de ser realizada à escala europeia) este teria que ser feito impondo à Apple e Google a remoção da aplicação das suas Lojas Aplicacionais, a par de bloqueios de IPs e DNS a nível dos ISP e das entidades gestores de domínios, através da proibição de acesso aos fornecedores de serviços de VPN com nós na UE. Não seria possível barrar totalmente o acesso ao TikTok (ou a outra rede social) mas a percentagem de bloqueio seria tão elevada que o seu alcance social seria na prática anulado. Na prática, contudo, esta “solução” encerra em si mesma um tumor: para que as democracia na Europa se possam proteger terão que fazer o mesmo que as autocracias fazem para controlar os seus próprios cidadãos. O dilema é assim evidente: para defender as nossas democracias liberais teremos que imitar a China iliberal?

No seu começo, as redes sociais eram usadas apenas por jovens, estavam recheadas de memes e posts humorísticos, excertos de concertos, filmes, cultura “pop” no geral. Quando os Millennials eram adolescentes, estes eram os conteúdos dominantes. Anos depois, os X’s e Boomers começaram a usá-las, e antes que percebêssemos, redes como o Facebook e agora o TikTok tornaram-se arenas políticas. A aparição da Gen Z só veio reforçar esse carácter politizado na rede social com maior crescimento entre os jovens: o TikTok.

É curioso, contudo, que é possível perceber um certo recuo nesta influência junto da geração que – pelo seu percurso histórico – já percebeu o que está a acontecer: a dos Millenials: muitos, entre os 30 e 45 anos deixaram todas as redes sociais (mais o Facebook, Twitter/X e TikTok e menos o Instagram). Isso, aliás, também se observou no impacto da campanha de Georgiescu onde o alcance foi menor na camada popular entre os 40 e os 50 anos. Talvez isso indique que – a prazo – à medida que envelhecem as outras gerações despertam o seu sentido crítico e se revoltam sozinhas, sem empurrões regulatórios, contra estas manipulações nas redes sociais.

Recentemente, a CpC realizou um estudo que comparava algumas métricas dos nossos “deputados TikTok” entre Outubro de 2023 e o mesmo mês em 2024. As conclusões indicaram que, também em Portugal, o TikTok é um factor a ter em conta na política partidária:

O estudo da CpC “Deputados TikTok e Índice de responsividade” pode ser acedido diretamente neste link e revela que – como seria previsível – o Chega e, em particular, o TikTok é o território onde este partido melhor se desenvolve: O seu líder, André Ventura, teve um crescimento de seguidores entre 2023 e 2023 de mais de 409% e de “gostos” de 1253%. Aliás, André Ventura tem tantos “Gostos” que o TikTok apenas exibe o número redondo de 4000000 (4 milhões) sendo seguido pela também deputada do Chega Rita Matias com crescimentos de 409% e 237% respectivamente. A grande distância está o deputado socialista André Pinotes Baptista com crescimentos notáveis mas criando no TikTok conteúdos, sobretudo, de futebol sendo seguido a pouca distância pela deputada bloquista Joana Mortágua.

O mesmo estudo indica que, se os seguidores elegessem deputados o Chega elegeria 79.8% do Parlamento, o BE 8.9%, o PS 4.7%, o PSD apenas 3.5%, a IL 1.7%, o PAN 1.3% e os restantes (PCP e CDS) zero, ou apenas um (Livre) parlamentar.

O TikTok é hoje em dia extremamente popular entre jovens de todos os países do mundo, levando a que campanhas políticas (como as presidenciais na Roménia) o usem como uma ferramenta essencial para conquistar eleitores. Muitos jovens adultos recorrem à plataforma para se informarem sobre política e outras notícias, conforme revelou um inquérito do Pew Research Center realizado em março de 2024 que revelou que:
1. Cerca de 48% dos utilizadores de TikTok com idades entre os 18 e os 29 anos afirmaram que esta é uma razão, seja ela maior ou menor, para estarem na plataforma. Este número desce para 36% entre os utilizadores dos 30 aos 49 anos e é ainda menor em faixas etárias mais velhas.
2. Metade dos utilizadores com menos de 30 anos usam o TikTok para se informarem. Este número é reduzido nas faixas etárias mais avançadas, com apenas 23% dos utilizadores com mais de 65 anos relatando o mesmo.
3. Quase metade dos utilizadores da plataforma (45%) dizem ver algum tipo de conteúdo político. No entanto, apenas uma pequena parte (6%) afirma que a maior parte do que vê é sobre política. Entre os mais jovens, 50% reportam ver conteúdo político, em comparação com 39% dos utilizadores com 50 anos ou mais.
4. Quanto a partilhar conteúdo político, as percentagens são menores. Apenas cerca de 7% dos utilizadores com idades entre 18 e 29 anos partilham algo relacionado com política, enquanto 63% de todos os utilizadores dizem não partilhar nenhum tipo de conteúdo.

Utilizadores com menos de 30 anos destacam-se como os mais propensos a ver tanto notícias de última hora quanto opiniões sobre eventos atuais sendo que este fenómeno está provavelmente na base da conhecida tendência dos sub-35 em votarem em partidos mais extremistas que se verifica, por exemplo, em Portugal e na Roménia (curiosamente foram também estas camadas jovens que apoiaram eleitoralmente o referendo constitucional que deu plenos poderes a Hitler).

O impacto do TikTok na democracia é algo que devia estar no centro do debate político. O TikTok está cada vez mais a consolidar-se como uma plataforma para o consumo de notícias e debates políticos, especialmente entre os mais jovens. Contudo, a perceção sobre o impacto da plataforma na sociedade varia bastante entre faixas etárias e contextos políticos sendo que os jovens tendem a ter uma visão mais positiva mas são, paralelamente, também que parece ser mais facilmente arrastado pelos candidatos e partidos que estão mais presentes na rede social. Contudo, ainda não há ações ou iniciativas legislativas conhecidas em Portugal e a resposta europeia continua a ser reativa ou pouco eficaz.

O que pode ser conhecido por parte de quem tem acesso direto (ByteDance) ou indireto (APTs e Governo) aos servidores do TikTok?
1. Se a password no TikTok é partilhada com outras aplicações será possível entrar nessas aplicações com a password do TikTok.
2. Se publicar vídeos privados de locais de segurança (bases militares, instalações de energia, fábricas ou qualquer local de interesse estratégico) mesmo sendo privado este conteúdo está ao alcance dos gestores da rede social.
3. Os trackers (cookies) do TikTok estão presentes em muitos sites terceiros permitindo conhecer o site, o histórico de navegação, a cidade do utilizador e como é que este entrou e saiu do site.
4. O TikTok ao ser instalado no dispositivo móvel pede acesso à câmara e ao microfone: isso permite saber – potencialmente – informações ambientais e, eventualmente, o áudio do que rodeia o telemóvel.
5. A criar uma conta o TikTok tenta aceder aos contactos (nomes e números) e Facebook no telemóvel: se tal for autorizado a ByteDance pode passar a saber os nomes e números que constam no telemóvel: Se forem os de ministros, responsáveis de segurança ou de empresas críticas estes podem depois ser visados por campanhas de phishing e os serviços de informações podem criar “redes” de contactos que serão usadas para determinar padrões de influência e comportamento passíveis de serem usados em operações de recrutamento por chantagem (p.ex. se nestas listas constaram os nomes de conhecidos traficantes ou de serviços de acompanhamento ou prostituição).
6. As mensagens trocadas no TikTok não são encriptadas end-to-end: isto é: podem ser lidas por quem controla a rede social: por isso quando um político recebe ou envia mensagens tem que ter em conta que, em tese, estas podem ser lidas pelos serviços de informações de Pequim e/ou pelos engenheiros da ByteDance.
7. Até 2020 o TikTok recolhia a localização e o histórico do GPS (ou seja: sabia onde estava cada utilizador, a cada momento, com uma precisão de alguns metros). Estes dados deixaram de ser recolhidos mas continuam nos servidores da ByteDance.
8. O TikTok sabe qual é o identificador (IMEI) e modelo do telemóvel o que permitirá a quem tem esta informação identificar o equipamento nas antenas das redes móveis (em visita a China: p.ex.) e direccionar campanhas de controlo do equipamento explorando vulnerabilidades do equipamento usado, neste caso, pelo político ou governante.
9. O endereço de e-mail do utilizador fica ao alcance de quem tem acesso aos logs e este pode ser usado para campanhas de phishing muito direcionadas e, logo, de alta eficácia que poderão levar à instalação de backdoors ou de software malicioso.
10. Dada a possibilidade de o feed do TikTok ser manipulado por forma a favorecer conteúdo que favoreça as posições do governo chinês e diminua a relevância de outros conteúdos (isto foi descoberto em 2019) o político que usar o TikTok pode ver a sua opinião condicionada ou orientada consoante o interesse desta potencia estrangeira.

O que pode ser feito? (propostas já enviadas a todos os eurodeputados portugueses no Parlamento Europeu: sem resposta)

  1. A UE pode proibir o uso do TikTok no seu território. Seria sem precedentes e uma operação típica (e comum) de regimes autocráticos como o russo (que parece ter manipulado as eleições romenas) ou chinês (que pode ter ajudado a Rússia nesta operação dando orientações ao TikTok para não agir) mas dada a escala dos riscos envolvidos e o que sucedeu nos EUA com Trump e na Roménia com Georgescu está é, provavelmente, a melhor resposta rápida e urgente.
    2. A UE pode fazer o que – ironicamente – a China está já a fazer e obrigar as plataformas a regular os seus algoritmos: de forma a “evitar algoritmos de recomendação que criem bolhas de eco”, induzam conteúdos que criem adição e permitam a manipulação de itens em tendência.
    3. A UE pode obrigar as plataformas a tornarem públicos os seus algoritmos.
    4. A UE pode regular a entrega de conteúdo por algoritmos. Os algoritmos de plataformas como YouTube, Facebook, TikTok, Reddit e outras são projetados numa base muito simples: “manter as pessoas na plataforma e para apresentar a quantidade máxima de anúncios”. Ora, a maneira mais fácil de manter alguém envolvido é jogar com as emoções e, em particular, com a raiva e a ira criando um ciclo de “pessoas irritadas > mais anúncios” o que gera a “radicalização” eleitoral que observamos praticamente em todos os países, e habita dentro destas “bolhas de eco”.

(*) do CpC: Cidadãos pela Cibersegurança