De Guillermo de Haro (*)
Em 2003, após concluir um MBA na IE Business School, lancei-me na criação de uma empresa com um grupo de amigos engenheiros como eu. Naquela época, no nosso meio, havia muita gente a criar empresas dedicadas ao desenvolvimento de tecnologia para a web. Era lógico, a Internet estava a recuperar o seu estado de ebulição no comércio eletrónico depois de ter rebentado a bolha das empresas ponto com.
Mas nós decidimos seguir outro caminho e concentrámo-nos no desenvolvimento de software para empresas do setor industrial. Se cometermos um erro a desenvolver para a web, os nossos clientes podem zangar-se, e podemos perder dinheiro, mas o impacto não irá muito além disso. No mundo industrial, se o nosso software falhar, as consequências podem ser muito piores e, inclusivamente, fatais. Era vital desenvolver aplicações robustas e entender a indústria. Os simuladores para formação eram dos nossos produtos com maior êxito. Gémeos digitais, antes de se conhecerem vulgarmente por esse nome.
Mais ou menos nessa altura, surgia a Second Life, um popular mundo virtual criado pela Linden Lab, onde os utilizadores podiam não só interagir e comunicar entre eles num ambiente tridimensional imersivo, mas também criar e personalizar os seus avatares para explorar um vasto panorama digital, repleto de edifícios, paisagens e objetos criados e desenvolvidos pelos próprios residentes.
A plataforma ganhou popularidade quer devido à comunidade e ao modelo baseado em conteúdo gerado pelos utilizadores quer por permitir que os residentes comprem, vendem e negoceiem propriedades e bens virtuais utilizando a moeda do jogo, o Linden Dollar. Os residentes podem socializar, participar em atividades ou criar e assistir a eventos como concertos, exposições de arte e seminários pedagógicos. A Second Life também se apresentou como uma plataforma com fins didáticos, onde se pode realizar conferências virtuais e reuniões de negócios. Com um crescimento exponencial no primeiro ano, as expectativas do que estaria por vir eram espetaculares. No entanto, este exemplo pioneiro de plataformas do mundo virtual, que sempre deixou claro que não era um jogo e que ainda hoje funciona, nunca conseguiu levantar voo.
Há dois anos, Mark Zuckerberg anunciava o lançamento de um novo conceito, uma nova unidade de negócio e um novo nome para a sua empresa, Facebook, que passaria a chamar-se Meta. O conceito de metaverso, um espaço virtual coletivo partilhado, era muito parecido com o da Second Life. Associando-o a um par de óculos, os Oculus, adquiridos em 2014, com essa jogada, a empresa revolucionou o mundo dos negócios e da tecnologia. E sucederam-se os anúncios de investimentos multimilionários.
O lado positivo é que, nos últimos dois anos, assistimos, sem dúvida alguma, a um crescimento e uma transformação do metaverso. Nesse período, a culminação dos avanços na tecnologia imersiva, aliada à crescente necessidade de experiências digitais, impulsionou um interesse notável pela adoção e expansão generalizada do metaverso no mundo inteiro. Contudo, essa viagem transformadora não chegou, como se esperava, a moldar a forma como as pessoas interagem, trabalham, jogam e aprendem no âmbito digital. É verdade que promoveu um aumento na quantidade e variedade de plataformas de metaverso, cada qual criada para satisfazer interesses e dados demográficos de utilizadores específicos. Plataformas como a Decentraland, com a Ethereum atrás, a VRChat, que permite a criação pela comunidade, o Sandbox, uma plataforma online de jogos baseada em NFT, não conseguiram vingar. Por outro lado, os mais consagrados especialistas nestas tecnologias também não conseguiram desenvolver nem dominar o mercado com os seus ambientes virtuais imersivos. Essas plataformas evoluíram, ao proporcionar uma integração viável da realidade aumentada (RA) e da realidade virtual (RV), que permitiram formas mais realistas e interativas, mas, como é por demais evidente, insuficientes.
O crescimento exponencial do metaverso gerou preocupação em torno da pegada ambiental e do consumo energético. Os líderes e inovadores da indústria foram proativos na adoção de práticas sustentáveis e tecnologias verdes para minimizar a pegada de carbono das infraestruturas digitais. O desenvolvimento de centros de dados energeticamente eficientes e a implementação de princípios de desenho ecológicos demonstram bem o empenho da indústria em reduzir a degradação ambiental e promover o crescimento sustentável no metaverso.
Além disso, os avanços no domínio da inteligência artificial (IA) e da aprendizagem automática auxiliaram as interações sociais no seio do metaverso, dando mais realismo profundidade aos compromissos virtuais. Ao proporcionar desde concertos e eventos virtuais até espaços de trabalho colaborativos e ambientes didáticos, o metaverso pode ser um centro de comunicação e colaboração mais fluídas, que transcende fronteiras geográficas e limitações culturais.
A influência generalizada do metaverso teve profundas implicações culturais, ao forjar novas formas de expressão digital, arte e entretenimento. Os museus virtuais, as galerias de arte e os monumentos do património cultural tornaram-se destinos populares de aprendizagem e exploração imersiva que fomentam uma apreciação mais profunda da diversidade global e da importância histórica. A integração do metaverso em ambientes didáticos e profissionais redefiniu os tradicionais paradigmas pedagógicos e profissionais. As aulas virtuais e a formação por simulação fornecem experiências de aprendizagem imersivas e interativas que satisfazem diversos estilos e preferências de aprendizagem. Também há, portanto, muitos aspetos positivos.
Então, o que aconteceu à Meta nestes dois anos? Por um lado, o projeto não tinha um enfoque claro, como o Fortnite ou o Roblox, que foram pensados para um público específico com um objetivo claro. Por outro, a empresa parecia ter como principal motivação descobrir uma nova linha de negócio, dada a sua dependência praticamente absoluta de receitas publicitárias muito sensíveis à evolução da economia. Uma aposta na inovação arriscada que, em dois anos, não rendeu visivelmente nada nem se demonstrou viável. Por fim, o arranque da inteligência artificial centrou as atenções na nova tecnologia que, paradoxalmente, com as suas grandes vantagens e potencial aplicação em ambientes virtuais, até pode ser a salvação da Meta.
Uma coisa é certa: Mark Zuckerberg redobrou a aposta numa entrevista «metavérsica» de alta resolução com o famoso divulgador de tecnologia, Lex Friedman. E, se a Second Life conseguiu sobreviver até agora, porque não há a Meta de triunfar e mudar o mundo dos gémeos digitais, a indústria, o cinema, os videojogos e muito mais?
(*) Vice Dean IE School of Science and Technology (IE University)
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