Por Abílio Diz (*)
Numa altura em que o Ministério da Educação anuncia que o programa curricular da matemática vai sofrer alterações já em 2024, a começar pelo 10º ano, importa, mais do que dissertar sobre possíveis abordagens ou vantagens, falar sobre o que ainda é necessário mudar para que esta medida recupere o tempo de atraso em relação à sua chegada.
Dizem-nos a estatísticas que um em cada três alunos termina o 9º ano com negativa a matemática e que isso é também um fator para muitos alunos abandonarem as áreas das ciências em fase precoce. Por conseguinte, a solução está em aproximar a matemática a todos. Mas o que significa esta abordagem democratizadora de uma ciência tão mal-amada no nosso país?
Mais ainda, o que significa esta mudança num contexto em que a individualidade e a necessidade de se fazerem escolhas para a vida, baseadas em expectativas que vão muito para além das profissionais, está tão enraizada nas novas gerações? Por outro lado, como se pode mudar a visão sobre uma ciência que é vista como apenas para alguns – como se viesse associada algum tipo de aptidão, ou sobredotação?
O conceito da “Matemática para todos” é em si mesmo um conceito perigoso, na medida em que da mesma forma que o desporto, a poesia, a pintura ou a música não são para todos, também a Matemática deve ser para os verdadeiramente apaixonados e comprometidos, não devendo ser imposta, mas antes mostrada.
Há, no entanto, uma condição sine qua non para que a Matemática possa estar em pé de igualdade na altura de escolher: a sua introdução de uma forma menos agressiva e mais prática, no sentido de quem a aprende possa colocar a criatividade e o comprometimento na criação de obra, da mesma forma que um músico vê a sua criação ganhar vida através de uma canção ou um pintor vê a sua arte projetada numa tela.
A materialização do conhecimento é, por isso, o maior incentivo à aprendizagem e de todas as ciências e artes, o ensino da Matemática (básico e secundário) é o que carece de maior aplicabilidade, dificultando, consequentemente, o seu entendimento. Ora, mais do que ensinar a resolver uma equação ou um sistema, é importante ensinar em quê é que isso me vai ser útil se eu me quiser tornar um engenheiro civil ou um desenvolvedor de software.
A introdução do pensamento computacional, da literacia financeira e da matemática para a cidadania como conceitos básicos para o ensino desta ciência é, nessa medida, o passo certo, mas tardio para atrair mais estudantes para a sua importância.
Mas, para além de tardia, há ainda outra questão de fundo que deve ser acautelada e está relacionada, não com a visão prática desta ciência, mas antes com a visão social que a generalidade das pessoas tem sobre ela: a Matemática como “vaca sagrada”, só alcançável por alguns, como se quem segue Letras estivesse só a evitar a mediocridade de se arrastar pelas aulas de matemática.
O processo de leitura e aprendizagem da matemática está também errado na sua génese, já que em Portugal, não raras vezes, quem não entende a matemática é apelidado de menos capaz (para não dizer outra coisa), quer pelos pares, pelos pais, pela instituição e muitas vezes, pelos próprios professores.
Ora, o problema não reside na matemática ou mesmo na pessoa que aprende, mas antes em quem explica e na forma como a explica e é nos métodos e nas abordagens utilizadas para o ensino da matemática, muito mais centradas na prática e na contextualização dos exercícios, que reside a solução. Como dizia um especialista a propósito do tema: a matemática não deve ser ensinada com base na preparação para um exame, mas antes na preparação para vida real, baseada na investigação e na aplicação da matemática em contextos ligados à inovação, ao empreendedorismo, mas sobretudo à salutar convivência das pessoas com os números.
Felizmente, de todas ciências, a Matemática é aquela que menos pode ser olhada com demagogia ou explicada com recurso à retórica. Nessa medida, faz sentido que se afaste a matemática da política e que, de uma vez por todas, se perceba que, à semelhança da literacia mediática, a literacia matemática está na base da criação de uma sociedade mais informada, atenta e preocupada e que essa é a base de qualquer organização.
A grande necessidade de profissionais competentes para as empresas está proporcionalmente relacionada com a necessidade de cidadãos altamente competentes para o país.
(*) Employer Branding & Communications Lead da Evolution em Portugal
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