Por Carlo van de Weijer (*)
Há alguns anos, quase do nada, o valor da Tesla representava cerca de 50% do valor total combinado de todas as outras marcas de automóveis, que também tinham registado ganhos significativos. Este rápido crescimento assinalou um período de transformação para a indústria automóvel, tornando toda a indústria uma vez e meia mais valiosa num curto espaço de tempo. É evidente que os analistas continuam otimistas quanto ao futuro dos automóveis.
É frequente estabelecerem-se comparações entre o sucesso da Tesla e a rápida ascensão de empresas com início modesto que vieram revolucionar setores inteiros, aproveitando as ondas da digitalização. Basta olhar para os antigos empregados da Kodak, da Blockbuster ou da Encyclopedia Britannica para perceber que a digitalização traz mudanças exponenciais. No entanto, existe uma distinção fundamental no caso da indústria automóvel: enquanto os mercados da música, da fotografia e da informação foram totalmente substituídos por alternativas digitais, a mobilidade continua a ser feita com base na deslocação de pessoas, cada uma com um peso médio de 70 quilos. Com uma componente física tão substancial, a mudança enfrenta desafios imediatos.
A questão fundamental para o futuro da indústria automóvel é saber se um recém-chegado «da era digital» consegue estabelecer a ponte para o mundo físico, ou se a indústria tradicional consegue digitalizar-se com rapidez suficiente. De ambos os lados, apoiantes fervorosos preveem o fim iminente da fação oposta, mas esta batalha está longe de terminar. A Tesla estabeleceu uma liderança significativa na digitalização, oferecendo um acesso contínuo a serviços, interfaces de fácil utilização, atualizações por via hertziana e funcionalidades autónomas. No entanto, a resolução de problemas relacionados com o hardware através de atualizações de software revela-se mais complexa, além de a ausência de um departamento de apoio ao cliente colocar desafios no domínio dos dispositivos móveis. Além disso, as repetidas promessas da Tesla relativamente às capacidades autónomas podem ter repercussões a longo prazo.
Por outro lado, a indústria automóvel tradicional, muitas vezes sobrecarregada por processos morosos, debate-se com a necessidade de estabelecer ligações em termos de software e de transmissão elétrica. No entanto, começam a surgir histórias de sucesso neste domínio. A proeza da Porsche com o Taycan elétrico serve de exemplo simbólico. Uma marca clássica, conhecida pelo seu apelo emocional, conseguiu criar um dos automóveis mais desejados e de melhor condução do momento, mesmo quando se afasta do tradicional som do motor.
Por enquanto, a escolha faz-se entre um software impressionante acompanhado de um hardware menos refinado ou um hardware excecional acompanhado de um software menos aperfeiçoado. As preferências pessoais podem variar, mas é certo que ambos os lados acabarão por se aproximar, especialmente agora que um grupo de novos concorrentes da China se parece estar a sair muito bem tanto no lado digital como no físico. Por fim, já não se tratará de uma questão da Tesla contra os outros, mas sim da Tesla juntamente com os outros, sendo o verdadeiro vencedor o próprio automóvel e, acima de tudo, o seu condutor.
(*) Especialista em mobilidade na Faculdade SingularityU Portugal
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