Por Marta Moreira Dias (*)
É ponto assente que o registo e utilização de nomes de domínio para operar atividades que infringem direitos de propriedade industrial de terceiros, particularmente de marcas, não é invulgar no espaço digital. O problema pode colocar-se a dois níveis, relativamente ao próprio nome de domínio, incluindo-se aqui os casos de cybersquatting - registo com má-fé de um nome de domínio coincidente com uma marca de outrem - e ainda relativamente ao site associado ao nome de domínio nas situações em que, por exemplo, este é utilizado para vender produtos contrafeitos. É habitual estes dois níveis andarem de mãos dadas.
Atento a esta realidade, o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), realizou um estudo junto de vários registries europeus e publicou um documento de reflexão que agrega um conjunto de boas práticas que visam estas entidades e os seus registrars, com o intuito de, designadamente, prevenir a violação de direitos de propriedade industrial através do registo e uso de nomes de domínio.
No .PT não somos indiferentes a esta realidade, reconhecemos, e inclusivamente chamamos a nós, uma função de apoio à prevenção do uso ilícito de nomes de domínio, desde logo, aplicando diariamente as Regras de Registo de .pt. As previsões deste instrumento regulador a nível nacional do registo de domínios sob o ccTLD .pt, na linha de resto do identificado como boa prática pela EUIPO, preveem um mecanismo de bloqueio do registo ilegítimo de nomes de domínio coincidentes com denominações de origem e indicações geográficas e a remoção do registo ilegítimo de nomes de domínio coincidentes com nomes, denominações sociais e marcas registadas, desde que se verifiquem cumulativamente um conjunto de condições consideradas determinantes para balancear, por um lado a proteção de direitos de terceiros e, por outro, a concorrência, a liberdade de expressão, o livre fluxo de ideias, negócios e iniciativas e, com isso, o crescimento de uma Internet de oportunidades, de inovação e criatividade.
A par, prevê-se um meio alternativo de resolução de conflitos sobre nomes de domínio, com o recurso à arbitragem voluntária, e que se encontra ao dispor de todos aqueles que sendo titulares de direitos de propriedade industrial os veem eventualmente beliscados na sequência do registo de um qualquer domínio .pt
A EUIPO ressalvou ainda a importância dos registries manterem bases de dados atualizadas com dados corretos e completos dos registrants, não obstante reconhecer que normalmente quem regista um domínio com propósitos ilícitos não indica os seus dados verdadeiros. Estamos atentos a esta circunstância e, por essa razão, temos implementados mecanismos de notificação dos responsáveis pelo nome de domínio sempre que se verifica a insuficiência, incorreção ou falsidade dos seus dados de identificação, independentemente do estádio do ciclo de vida do domínio.
Por outro lado, destaca-se no documento de reflexão a importância de se ver garantida a disponibilidade plena, e apenas com as restrições que decorram da lei, da base de dados WHOIS. E percebe-se porquê, porque este é um veículo privilegiado para os titulares de direitos de propriedade industrial conseguirem interpelar os possíveis infratores. Refira-se que o .PT, na sequência da implementação interna do RGPD, passou a disponibilizar uma opção anonimizada de contacto para eventuais infrações ou abusos, caso o registrant não tenha dado consentimento para a divulgação dos seus dados pessoais. Relembramos que os dados das pessoas coletivas associadas a nomes de domínio .pt são sempre divulgados no WHOIS.
No elenco de boas práticas é ainda identificada a adoção de procedimentos de “notificação e ação” (notice and takedown) e que, grosso modo, traduzem a solução de remoção de um nome de domínio quando notificados por uma entidade com competência legal para o efeito, designadamente por violação de direitos de propriedade industrial, já vertida nas Regras de Registo de .pt. Aqui destacamos também o procedimento de deteção e denúncia operado pelo nosso Centro de Operações de Segurança (PTSOC) relativamente a domínios usados para atividades de disseminação de malware, pharming, botnets, spam e/ou phishing, com particular destaque para este último caso muitas vezes associado a fakeshops.
O .PT mereceu destaque pela EUIPO como um bom exemplo na disponibilização de informações à comunidade nacional sobre a importância dos direitos de propriedade intelectual no âmbito da parceria desenvolvida com a Inspeção-geral das Atividades Culturais (IGAC) através da iniciativa “ofertaslegais.pt”, um portal que permite pesquisar sites legais de música, cinema e televisão, e-books, jogos de vídeo e eventos desportivos.
As recomendações publicadas pela EUIPO são especialmente valiosas num período onde é fácil percecionar que a proliferação de conteúdos online, reflexo em muito do crescimento do acesso mais generalizado à Internet, nem sempre vem acompanhada dos melhores propósitos.
No entanto, reitera-se que, como já tivemos oportunidade de enquadrar num outro momento, parece-nos absolutamente fundamental reconhecer as limitações óbvias que impendem sobre os registries na proteção dos direitos de propriedade industrial.
Com a redação das Regras de Registo vigentes procurou-se acautelar a segurança e a confiança que se impõe aqui garantir às partes em hipotético litígio, com a aplicação de critérios que se esperam mais objetivos, e deixando para os organismos legalmente competentes, sempre ao dispor como solução de recurso, a decisão sobre os casos onde existam dúvidas. Considerou-se neste âmbito que uma solução diferente poderia ter um efeito altamente pernicioso e, em última instância, subversivo dos princípios basilares do Estado de Direito, com as consequências que cada um de nós poderá conjeturar. Atribuir efeitos jurídicos vinculativos, e com especial impacto, a um instrumento de pura Soft Law e, pior ainda, literalmente submeter o seu aplicador a uma ampla possibilidade interpretativa é um caminho possível, mas que facilmente pode pôr em causa os direitos daqueles que querem ter a sua presença em .pt.
Por outro lado, e reconhecendo, como vimos, a proteção que os direitos de propriedade industrial merecem, os conteúdos ilegais publicados online não se limitam a infringir este tipo de direitos, mas muitos outros, como direitos de personalidade, direitos dos consumidores, direitos contratuais e tantos mais, e não se nos afigura exigível, do ponto de vista da competência e da responsabilidade, que cada registry deva estar habilitado a identificar todas estas situações e a ser capaz de agir sobre as mesmas.
Não poderíamos concluir doutra forma, todos nós, participantes no ecossistema digital, temos um papel a desempenhar: não admitir no online comportamentos que censuramos no offline e fazer da Internet um espaço seguro para todos. O fim é o mesmo, o caminho para lá chegar é que muitas vezes difere, e isto acontece porque também as realidades assumem contornos diferenciados. Se assim não fosse, não estaríamos a assistir, num ritmo quase diário, quase inacompanhável, ao turbilhão de diplomas de fonte comunitária que enformarão nos próximos anos o quadro legal em que a Europa se vai movimentar em matéria do digital.
(*) Board Member and Legal & Corporate Affairs Manager do .PT
Este artigo foi originalmente publicado no blog do .PT
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