Por Jorge Borges (*)

Este ano, a Inteligência Artificial (IA) voltou a ser a grande protagonista do Mobile World Congress. Apesar do evento já não ser o palco por excelência dos lançamentos de smartphones ou redes móveis, o MWC mantém o dinamismo, um claro foco no futuro e a capacidade de agregar a indústria. Eis o que mais me chamou a atenção na Fira de Barcelona.

It's not the hardware, stupid
Omnipresente em praticamente todas as palestras e stands, a IA dexou para segundo plano algumas novidades que noutras edições concentrariam as atenções, como super-cameras fotográficas integradas em telemóveis, connected-cars com marca de smartphone e notebooks alimentados a energia solar.

"AI as the new UI" (A IA como a nova UI)
A integração da IA como interface do utilizador é uma das mudanças mais disruptivas em curso. A tradicional interação baseada em apps e interfaces gráficas está a dar lugar a agentes de IA capazes de gerir autonomamente múltiplas tarefas e fontes de informação. A promessa é clara: em vez do utilizador escolher que aplicação abrir ou que dado consultar, a IA atuará como intermediária, apresentando apenas a informação relevante no momento certo.

Nesta linha, uma das novidades mais fora-da-caixa foi o AI phone da T-Mobile. Este app-less-phone equipado com Perplexity Assistant e integrando tecnologias de IA da Google Cloud, ElevenLabs e Picsart, tem como objetivo simplificar as tarefas diárias por meio de comandos de voz. Em vez de navegar por várias apps os utilizadores podem simplesmente pedir ao assistente de IA para reservar voos, fazer reservas ou compras online. O conceito não é novo, já tinha sido apresentado há meses, mas distinguiu-se por ser o único smartphone que não fazia parte da "Google Gemini partner tour", mostrando que há formas de resistir ao poder dos grandes players de IA.

Apesar de ser improvável o desaparecimento das apps, devido à necessidade de interfaces visuais em determinadas aplicações, a tendência de assistentes alimentados por IA que podem lidar com uma ampla gama de tarefas é inegável. Para os fabricantes de dispositivos, o desafio está na capacidade de integrarem agentes e interfaces de IA diferenciados, com funcionalidades exclusivas e personalizadas, sem comprometer a privacidade do utilizador nem a segurança dos dados.

EdgeAI vai obrigar a repensar o papel dos operadores?
O EdgeAI também tem todos os componentes para ser um game-changer: trata-se de uma arquitetura de IA que processa dados localmente nos dispositivos, em vez de depender exclusivamente da cloud. Neste modelo, o treino dos algoritmos pode ocorrer na nuvem, mas a inferência (ou seja, a execução dos modelos) pode ser feita no próprio smartphone, tablet, smartwatch ou qualquer outro dispositivo conectado.

Para os utilizadores, isso significa uma experiência mais fluida, respostas mais rápidas e  maior privacidade (menos dados partilhados com os fornecedores dos LLMs). A nova geração de processadores anunciados pela Qualcomm, combinados com a utilização de SLMs (Small Language models, ie com menor número de parâmetros) permitirá que mais dispositivos executem localmente tarefas de IA, aliviando a carga sobre as redes e melhorando a eficiência energética dos dispositivos.

Esta tendência representa um desafio potencial para os operadores de telecomunicações. Na era dos serviços inteligentes, em que a conectividade se torna cada vez mais invisível, como podem os operadores acrescentar valor e deixar de ser apenas pipes dos LLMs?  Uma resposta possível está na novidade da T-Mobile. Mais que um novo smartphone, o AI Phone é um marco na forma como vamos interagir com a tecnologia e na redefinição do papel dos operadores no ecossistema digital.

(*) Docente e consultor, especialista na interseção entre marketing, tecnologia e inovação