Nos últimos dias falámos com vários portugueses a trabalhar fora do país. Escolhemos destinos europeus, que é para onde vão a maioria daqueles que optam por começar a carreira fora de Portugal e engenheiros, formados em diferentes áreas, mas todos com "um pé" na tecnologia. Estão em diferentes momentos da carreira e olham para o futuro e para um possível regresso a Portugal também de formas distintas. O traço comum a vários testemunhos é a convicção de que em Portugal poderiam ser pessoalmente mais felizes, mas profissionalmente menos realizados. A falta de oportunidades para manter o ritmo de progressão na carreira, num país com poucas empresas de grande dimensão, mais serviços do que desenvolvimento de produtos e carreiras de investigação de difícil acesso, foram alguns dos aspetos mais destacados.
Não sendo nem a ciência nem a tecnologia das áreas de atividade mais mal pagas em Portugal, a diferença salarial como é óbvio também pesa, porque continua a ser grande face à média nos principais países de destino para quem emigra. A cultura de trabalho e a valorização do equilíbrio entre vida pessoal e profissional são temas igualmente importantes e onde Portugal se mantém a alguma distância daquilo que outras culturas próximas já conseguem proporcionar, mais como regra do que como exceção.
“Hoje sabe-se que quanto mais desenvolvidos são os países maiores são também os movimentos migratórios, tanto de entrada como de saída”, sublinha Rui Pena Pires, coordenador científico do Observatório da Emigração. Isto mostra que nem só da busca de melhores salários se faz a emigração, mesmo que o peso desse fator seja claro. “Verificamos que há um grande desfasamento salarial entre Portugal e os principais países de destino, que enquanto se mantiver não torna provável que a emigração se reduza”.
Pedro Lourenço trabalhou três anos em Portugal, depois de terminar o mestrado em engenharia informática na Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e está há cinco na Irlanda. É programador numa multinacional norte-americana. A vontade de conhecer outras realidades e trabalhar noutros países deram o mote para procurar um desafio fora do país, mas o jovem não esconde que a diferença de salário foi um dos grandes benefícios de mudar de país. “As diferenças de salários são enormes. Posso dizer que o salário que ganhava em Portugal era bom, mas estava perto do salário mínimo na Irlanda”. Com a transição, o salário mais do que duplicou e cinco anos depois, agora como programador sénior, também já não é o mesmo. O custo de vida também aumentou, sobretudo na habitação que partilha com a namorada e outro casal, mas em proporção compensa.
Os dados da OCDE são referentes a 2022, mas mostram a diferença média de salários em vários países, ajustada ao poder de compra
Em Portugal, o lisboeta de 32 anos trabalhou numa consultora de Tecnologias de Informação, na mesma área. Integrava equipas que prestavam serviços de consultoria para clientes nos Estados Unidos, normalmente startups. Agora trabalha em melhorias de produto para a plataforma de marketing digital, vendas e CRM da Hubspot e prefere.
Está satisfeito com o facto de a companhia oferecer férias pagas ilimitadas (é o colaborador que decide quantos dias de férias quer ter no ano), permitir trabalho remoto a partir de qualquer ponto da Irlanda todo o ano e durante três meses a partir de outros países. Pedro usa a possibilidade para trabalhar um mês ou dois por ano a partir de Portugal, mais perto dos pais. Em termos de organização, também há diferenças importantes nas duas experiências de trabalho. “A empresa onde estou agora tem os processos muito mais detalhados e é mais fácil perceber o que é necessário para progredir”.
Rui Pena Pires confirma que as perspetivas de carreira e o nível de qualificação dos próprios empregos são hoje fatores de peso na decisão de quem emigra.
“Há pessoas que estão a sair porque pura e simplesmente não têm em Portugal os empregos que procuram. A área aeroespacial é um bom exemplo”.
Com o tema da qualidade de vida, associada a um bom equilíbrio entre vida pessoal e profissional, passa-se o mesmo, acrescenta o professor do ISCTE. “É possível em muitos países hoje dispensar um dia de trabalho e trabalhar quatro em vez de cinco dias e muitos jovens valorizam muito esta possibilidade de não estarem tão submersos no mundo do trabalho”.
É o que acontece nos Países Baixos, onde Joana Oliveira Rosado está há quase 10 anos. Quem tem crianças até aos sete anos pode ficar em casa à sexta-feira. Não recebe o dia, mas não tem penalizações para efeitos de reforma. A engenheira portuguesa, embora tenha uma filha pequena, ainda não usou a possibilidade, mas reconhece que estes cuidados da cultura holandesa têm impactos práticos muito positivos.
“Na cultura holandesa é muito clara esta ideia: sei que o meu empregado vai dar o melhor de si à empresa se tiver tempo para ser quem é, se puder tratar de si, fazer as coisas que gosta, ter uma vida social, etc”, explica a Senior Project Leader na ASML.
Isso reflete-se nas coisas básicas do dia-a-dia. Joana, por exemplo, começa a trabalhar às 8h30 e em muitos dias mal tem tempo para fazer pausas, mas sai às 17h30 para ir buscar a filha à creche e raramente liga o computador depois disso. Não é uma exceção, pelo contrário. “Ficar depois da hora é que é visto com estranheza”, garante.
O mesmo tipo de hábitos locais encontram e valorizam outros portugueses noutras paragens europeias, como Iolanda Leite. A investigadora e docente no KTH Royal Institute of Technology, em Estocolmo, conta que acabou por mudar de hábitos quando percebeu que era recorrente ser a última a ir buscar as crianças ao infantário. Ia às 17 horas, nenhum dos locais vai depois das 16h30, numa cidade onde consegue morar no centro e abdicar de carro porque está perto de tudo. “Pela primeira vez na minha vida adulta não preciso de carro. Moramos no centro, tudo é muito acessível e funciona bastante bem”, destaca.
Voltando aos Países Baixos, no início deste ano, Joana Rosado soube que tinha uma depressão pós-parto prolongada. Decidiu parar por algumas semanas, numa altura crítica para o projeto que lidera, numa das empresas mais valiosas da Europa. “Tive todo o apoio de chefes e colegas para tirar o tempo que fosse necessário. Quando voltei senti que estava a ser ainda mais valorizada, por ter mostrado maturidade para perceber que precisava de abrandar”, um à vontade e acolhimento que numa cultura diferente poderia não existir.
Mafalda Nunes só teve um emprego em Portugal antes de rumar a França, onde hoje dirige os laboratórios de qualidade de duas fábricas da Airbus Helicopters, mas isso chegou para encontrar também algumas diferenças face ao que conheceu do mercado de trabalho. “Há muita confiança nos empregados para gerirem o seu tempo e as suas tarefas” e autonomia para articular trabalho e questões pessoais. Encontrar esse ambiente, na empresa e na cultura de trabalho francesa, foi um incentivo para quem tinha decidido sair de Portugal, também por sentir que não estava a conseguir equilibrar vida pessoal e profissional.
As duas ex-alunas do Técnico, cujas histórias vamos detalhar também neste Especial, concordam noutra coisa. Viam com bons olhos o regresso a Portugal, se as oportunidades de progressão na carreira e realização profissional não fossem uma grande incógnita para quem, como elas, escolheu trabalhar em ambientes mais industriais.
Um estudo da Associação Business Roundtable Portugal, realizado em parceria com a Deloitte espelhou esta realidade, quando apurou que 61% dos portugueses que estão fora não têm planos para regressar a Portugal. Pedro Lourenço, de quem falámos no início deste artigo, é um dos que alinha com a estatística. Voltar a Portugal não está nos planos a médio prazo. Prefere manter-se na Irlanda, ou em qualquer outro país com uma concentração maior de grandes empresas de tecnologia que desenvolvam produtos, que é no que gosta de trabalhar.
Realização profissional é também o que prende outros portugueses com quem falámos para este Especial, aos países que adotaram. É o caso de João Fernandes, que está no CERN na Suíça, ou de André Cruz, que ainda só está a começar a jornada, com um doutoramento na Alemanha, mas já decidiu que os próximos anos não passam por Portugal.
A pesquisa da Deloitte que auscultou os planos dos emigrantes e potenciais futuros emigrantes portugueses, permite também antecipar que a tendência de olhar para fora do país como uma possibilidade atrativa para desenvolver carreira está para durar. Um em cada quatro inquiridos no estudo admitem vir a sair de Portugal. Essa vontade é maior nas gerações mais novas, sobretudo na geração Z (48%), mas também entre a geração seguinte, os Millennials (24%).
Este artigo integra o Especial "À procura de uma vida "melhor"… porque sai cada vez mais talento qualificado de Portugal e o que encontra no destino?" com vários textos que pode ler no SAPO TEK ao longo dos próximos dias.
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