O diagnóstico da falta de recursos nas áreas técnicas e a forma como Portugal e o Reino Unido estão a tentar resolver o problema estiveram em destaque numa conferência organizada pela Embaixada britânica na Fundação Portuguesa das Comunicações. O evento que decorreu no dia 11 de janeiro, durante a manhã, reuniu responsáveis pelo desenvolvimento de políticas, a academia e empresas privadas para identificar formas de colaboração e as necessidades futuras de competências em tecnologias emergentes, mas também nas competências digitais básicas para o desenvolvimento competitivo das organizações num mundo cada vez mais digital.
A indústria tecnológica do Reino Unido está atualmente avaliada em mais de 1 bilião de dólares e este é um marco que antes só tinha sido alcançado pelos Estados Unidos e pela China, como destacou Nigel Boud, Deputy Head of Mission da British Embassy Lisbon, na sessão de abertura da conferência “A UK-Portugal Dialogue: Digital Skills and Talent”. O valor é o dobro do apurado na Alemanha e cinco vezes maior do que o de França.
Mas o talento é uma das preocupações para garantir que esta área continua a crescer. “Estimamos que o nosso gap de competências digitais nos custe cerca de 63 mil milhões de libras por ano. Os empregadores dizem-nos que apenas 48% dos alunos que saem das escolas têm as competências digitais avançadas de que precisamos e identificam esta falta de talento como o maior entrave ao seu crescimento”, destaca Nigel Boud.
A questão não se coloca só em relação aos jovens que estão a entrar no mercado de trabalho mas em relação às competências de quem já está empregado. Mais de 80% dos profissionais atuais vão ainda manter-se ativos em 2030 e será necessário atualizar as suas competências e fazer formação em competências avançadas para que a nova economia possa desenvolver-se.
A necessidade de fazer o upskilling dos profissionais foi também defendida no painel “Building the digital skills of the future” que contou com Jack Watson e Claudia Varney, do Department for Science, Innovation and Technology (DSIT) no Governo do Reino Unido, Pedro Moura, Chief Growth Officer da Landing.Jobs José Pedro Antunes do INCoDe.2030 e Alexandre Nilo Fonseca, presidente da ACEPI. Segundo os oradores, ainda ninguém conseguiu resolver a equação para atrair mais profissionais para o sector, corrigindo a falta identificada de recursos e garantindo a aposta num modelo de formação ao longo da vida que possa continuar a atualizar as competências, apesar de existirem várias iniciativas nesse sentido em Portugal, e no Reino Unido.
Durante o debate, moderado por Fátima Caçador, editora do SAPO TEK, os oradores sublinharam a necessidade de um trabalho conjunto entre os organismos governamentais, as empresas e as universidades para preparar os recursos de forma a garantir as competências avançadas nas áreas de tecnologia e Inteligência Artificial, destacando ainda a necessidade de maior representação das mulheres, e igualdade de acesso para os vários grupos que tendem a não ser considerados logo no recrutamento.
No Reino Unido as iniciativas de promoção de carreiras digitais estão a ser desenvolvidas a vários níveis e Claudia Varney explica a forma como o DSIT está a estudar a questão apara agir também na redefinição do que são competências digitais, cada vez mais necessárias fora de carreiras técnicas. Em Portugal vários projetos estão ligados à iniciativa InCoDe2030, que tem trabalhado com diferentes entidades de formação, entre as quais as Universidades, para desenvolver programas no ensino e na requalificação de profissionais, como detalhou José Pedro Antunes.
Na identificação do problema foram apontadas ainda questões comportamentais, mas também culturais, que podem ser vistas como barreiras a este desenvolvimento e o trabalho tem de ser feito também ao nível dos gestores. Pedro Moura refere mesmo que alguns dos ajustes no mercado que existem atualmente em termos de congelamento de contratações se devem a más decisões das empresas tecnológicas numa altura em que contratar parecia fácil e que o dinheiro era barato.
A ideia é que as competências possam ser trabalhadas na escola, começando cada vez mais cedo, antes do ensino primário, preparando os mais novos para o raciocínio lógico, a capacidade de experimentar a programação, e apoiando os bons exemplos de evolução de carreira e oportunidades ao longo do percurso escolar.
Cibersegurança em todos os níveis de ensino
As competências de cibersegurança estão no topo da lista das mais referidas pelas empresas que identificam necessidades graves nesta área, cada vez mais importante. O tema dominou as intervenções no segundo painel da conferência, Closing the cyber skills gap, que contou com Angelos Gambitsis, especialista em Cyber Skills no Department for Science, Innovation and Technology, Pedro Xavier Mendonça, do departamento de desenvolvimento e inovação do Centro Nacional de Cibersegurança, Marco De Aguiar, Director da IGNÍT e Luís Filipe Antunes, da Universidade do Porto
A experiência no Reino Unido foi partilhada por Angelos Gambitsis, que detalhou as iniciativas desenvolvidas pela DSIT para reforçar a formação mas também a atração de talento para o Reino Unido, com a criação de guias práticos sobre como desenvolver a carreira.
A falta de recursos que permita formar e manter os jovens especialistas em Portugal, evitando que sejam atraídos para carreiras internacionais, foi apontada por vários dos especialistas no painel, que salientaram que há alguma evolução nas iniciativas das organizações nesta área mas que avançam de forma lenta, e que é essencial reforçar o investimento.
Com muito do talento português em IT a “fugir” para o estrangeiro, e para o Reino Unido em particular, a capacidade de reter os profissionais em Portugal é uma das preocupações de Marco de Aguiar, diretor da IGNIT, que admite que o pacote salarial é importante mas também o sentido de propósito e a evolução da carreira. No Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS) a falta de talento nesta área é acompanhada com os dados do Observatório de Cibersegurança e Pedro Xavier Mendonça referiu também as iniciativas desenvolvidas com o ensino superior, na C-Academy, para formação específica nas áreas intermédias e mais avançadas de forma a responder às necessidades do mercado.
Nas universidades o desenvolvimento de competências é um dos focos mas Luis Filipe Antunes, da Universidade do Porto, lembra que não basta formar pessoas especializadas em cibersegurança e defende que a formação devia ser transversal a todos os cursos técnicos, até porque só se o software for desenvolvido de base sem problemas de segurança é possível inverter a atual situação de existência de muitos bugs que são explorados por hackers.
No encerramento da sessão, Leid Zejnilovic, da Nova School of Business and Economics, destacou o interesse que existe de colaboração entre o Reino Unido e Portugal nesta área, e que foi materializado em 2022 com a assinatura de um acordo bilateral entre os dois países. Resumindo as intervenções, o professor sublinha a ideia de que é preciso agir rapidamente, e de forma proactiva, para evitar as consequências negativas da falta de profissionais, trazendo também mais mulheres para o sector onde estão muito mal representadas.
A necessidade de maior investimento para formar e manter os profissionais a trabalhar na investigação e nas organizações portuguesas foi igualmente abordada por Leid Zejnilovic que apontou a importância de fazer mais investimentos para acelerar iniciativas de fixação e upskilling que são essenciais para que a maior segurança na economia digital.
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