O Parlamento Europeu aprovou esta semana o novo pacote regulatório que quer "acabar com o faroeste digital" e que inclui a Lei dos Serviços Digitais (DSA) e a Lei dos Mercados Digitais (DMA), que pretendem a criação de um ambiente online mais seguro e mais justo, tanto para as empresas como para os cidadãos.
Logo na conferência de imprensa que se seguiu à aprovação pelo Parlamento, Christel Schaldemose e Andreas Schwab, os eurodeputados responsáveis pelos relatórios das duas leis, destacaram o impacto significativo da DSA e DMA na vida de todos os cidadãos que passam algum tempo da sua vida online, sublinhando, no entanto, que agora é preciso que a Comissão Europeia e os Estados-Membros apliquem as novas regras.
Em linha com Christel Schaldemose e Andreas Schwab, Carlos Zorrinho, relator do Regulamento dos Mercados Digitais em sede de Comissão da Indústria, Investigação e Energia, realça, em declarações enviadas ao SAPO TEK, que o acordo, a aprovação e entrada em vigor da DSA e DMA são um “passo histórico na criação de um mercado único digital inspirado pelos princípios e valores da União Europeia”.
O eurodeputado afirma que esta decisão ganha ainda mais relevância tendo em conta o atual contexto geopolítico, “refletindo os valores partilhados que incorporam a nossa identidade digital”.
“Entre as mais significativas alterações conseguidas estão a proibição da publicidade online dirigida a menores e a interoperabilidade dos serviços de mensagens sem que o consumidor seja obrigado a descarregar todas as aplicações de mensagens no seu telemóvel”, detalha Carlos Zorrinho.
Uma "vitória" com falhas
Um novo “marco na história da Internet” e uma “vitória para direitos humanos online”: é assim que a rede European Digital Rights (EDRI), que também conta com a portuguesa Associação D3 - Defesa dos Direitos Digitais, descreve a aprovação da DSA.
Nas palavras de Sebastian Becker Castellaro, assessor político da EDRi, a lei dos serviços digitais traz as ferramentas necessárias para "impor mais responsabilidade às plataformas”, mas a rede vai continuar a trabalhar para que sejam realizadas mais mudanças regulatórias.
Embora a DSA possa servir como um padrão a nível global, a EDRi defende que este é apenas o primeiro passo, pois o texto aprovado “falha em assegurar uma regulação completa de algumas das práticas online mais prejudiciais”.
Por exemplo, a proibição do uso de informação pessoal sensível para fins de publicidade direcionada só se aplica a plataformas que apresentem anúncios aos seus utilizadores. Além disso, nas medidas relativas a designs de interfaces online que induzem os utilizadores a erro, a lei acaba por excluir a questão das cookies e outros meios de monitorização.
A EDRi sublinha também que a DSA também falha ao não incluir medidas vinculativas que promovam a acessibilidade online, o que dá prioridade às empresas e à sua necessidade de lucrarem em detrimento das pessoas com deficiência.
Já no que toca à aprovação da DMA, Rick VanMeter, diretor executivo da Coalition for App Fairness (CAF), a coligação criada em 2020 em resposta às práticas da Apple na App Store, afirma que este é um “passo crítico na criação de um ecossistema aberto e justo de aplicações mobile”, esperando que inspire legisladores um pouco por todo o mundo à medida que desenvolvem regras para travar as práticas competitivas das empresas que se afirmam como “gatekeepers”.
“À medida que as pessoas dependem cada vez mais dos seus dispositivos móveis para aceder à Internet, trazer concorrência para as lojas de aplicação vai dar aos consumidores e programadores mais liberdade e impulsionar a inovação”, enfatiza o diretor executivo da CAF.
A posição da CAF contrasta com aquela que a Apple tem vindo a defender. Ainda no ano passado, Tim Cook posicionou-se contra a DMA, afirmando que as regras poderiam comprometer a segurança dos iPhones, com os utilizadores a instalarem nos seus equipamentos mais aplicações que não têm origem na App Store, numa prática conhecida como “sideloading”.
Em linha com Tim Cook, Craig Federighi, vice-presidente de desenvolvimento de software da Apple, deu a conhecer no palco do Web Summit 2021 aquilo que a Apple considerava como os principais erros da DMA, criticando a abertura da possibilidade do uso de outras lojas digitais para descarregar aplicações para o iPhone e apontando que a prática do sideloading é como “abrir as portas ao malware".
Um relatório publicado ainda este ano pelos grupos independentes de pesquisa Corporate Europe Observatory e LobbyControl, “levantou o véu” relativamente aos gastos das gigantes tecnológicas, incluindo Apple, Amazon, Google, Meta e Spotify, para tentar influenciar decisões na EU, expondo também alguns dos argumentos utilizados para tentar mudar a DSA e DMA, particularmente em áreas como anúncios e partilha de dados das plataformas com investigadores.
O SAPO TEK contactou a Google e a Meta para saber a sua posição sobre a aprovação da DSA e DMA. A gigante de Mountain View indica não tem qualquer comentário para partilhar neste momento, mas do lado da dona do Facebook já há uma reação.
Relativamente à DMA, um porta voz da Meta adianta que "vamos trabalhar com os reguladores europeus para cumprir as novas regras e garantir aos consumidores a melhor experiência possivel de produto". Já quanto à DSA fica a mesma garantia de que vai cumprir as regras e o porta voz indica que "suportamos a ambição da DSA para atualizar e fortalecer o Mercado Digital Único da União Europeia".
As instituições europeias estão prontas para controlar as Big Tech?
Os diplomas recém-aprovados, “se bem geridos, podem mudar por completo o panorama digital da União Europeia”, afirma Sara Rocha, advogada na área de Tecnologias, Media e Comunicações (TMC) da CMS Portugal, ao SAPO TEK.
“Este pacote legislativo poderá trazer uma mudança significativa no enquadramento das Big Tech e colocar a Europa na linha da frente, com capacidade para supervisionar a forma como as plataformas e os motores de busca aplicam os seus algoritmos no destaque ou bloqueio de informação”, indica.
Uma das grandes preocupações relativamente à adoção dos diplomas relaciona-se com a sua efetividade, “ou seja, se as instituições europeias estarão preparadas para controlar tecnologicamente a atuação destas Big Tech”.
Segundo Sara Rocha, no que respeita aos utilizadores, a maior preocupação “na adoção destes diplomas tem sido uma eventual perda de liberdade de expressão”. Porém, “importa recordar que este pacote legislativo não visa definir o que é ou não legal no meio digital, pretende apenas que, o que já é ilegal no meio offline não seja também possível no meio online.
“A adoção destes diplomas não implica uma limitação à liberdade de expressão, pelo contrário, visa exatamente proteger a liberdade e, em última análise, a própria democracia”, reforça Sara Rocha.
Recorde-se que cabe agora ao Conselho da União Europeia adoptar a legislação, o que deve acontecer em julho, no caso da DMA, e em setembro, no da DSA.
A primeira das leis será aplicada entre os Estados-Membros num prazo de 15 meses, ou a partir de janeiro de 2024, com as obrigações por parte das plataformas online e motores de busca a aplicarem-se mais cedo. Já a segunda será aplicada seis meses depois de entrar em vigor.
Nota da Redação: A notícia foi atualizada com a resposta da Meta às questões do SAPO TEK.
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