O lançamento de uma oferta de Tarifa Social de Internet foi uma das bandeiras do anterior Governo e fazia parte das propostas alinhadas no Plano de Ação para a Transição Digital com o objetivo de beneficiar cerca de 780 mil famílias. A ideia gerou contestação da parte dos operadores, teve vários modelos de aplicabilidade, desde o tráfego máximo à velocidade, e acabou por ficar definida para um pagamento máximo mensal de 5 euros mais IVA com um tráfego de internet de 15 GB com um débito de 12 Mbps no download e de 2 Mbps em upload. Mas, depois de dois anos de “processamento” no papel, a oferta viu a luz do dia a 4 de março e ao fim de um mês tinham sido feitos apenas 262 pedidos, segundo dados fornecidos pela Anacom relativos a 1 de abril.
O que explica a falta de interesse para uma proposta que pretende garantir o acesso à internet a utilizadores com menores recursos financeiros, reduzindo assim a exclusão digital? Pode ser desconhecimento da oferta? Do lado dos operadores de telecomunicações, as respostas ao SAPO TEK indicam que está a ser cumprida a lei com a disponibilização da oferta e divulgação nos seus sites, e a Anacom lançou na semana passada uma campanha que pretende divulgar a Tarifa Social de Internet, chegando a mais utilizadores, mas mesmo assim é possível que o número de aderentes continue a ser muito baixo.
Eduardo Santos, presidente da D3, afirma que “infelizmente a Tarifa Social da Internet não foi pensada para assegurar uma efetiva participação social e económica dos mais desprotegidos, mas para conseguir bons títulos de imprensa – e nisso foi um sucesso”. Em resposta ao SAPO TEK, lembra que a Tarifa Social da Internet está expressamente limitada a um contrato por agregado familiar.
“15GB a dividir por 4 elementos, durante 30 dias, dá pouco mais de 125 MB por dia, por pessoa. Com o nível de conectividade e digitalização que temos hoje em dia, é provável que isso não chegue sequer para as atualizações de software do computador”, defende Eduardo Santos.
A associação já tinha alertado para o facto do Estado português estar obrigado a lançar uma Tarifa Social de Internet pela transposição do Art. 84º n.º3 do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (Diretiva 2018/197) e deveria assegurar aos cidadãos mais necessitados a "largura de banda necessária para a participação social e económica na sociedade", mas defende que no caso português não cumpre os objetivos.
Do lado da DECO Proteste as críticas também foram sendo feitas ao longo do processo de definição da Tarifa Social de Internet e Sofia Costa, analista de mercados e especialista na área das comunicações, não tem dúvidas de que a TSI, na forma como está concebida, com as características que foram definidas, não compensa para a generalidade das famílias carenciadas. “As características definidas são insuficientes para a dimensão média do agregado familiar em Portugal”, sublinha a analista.
Esta é apenas uma das razões que aponta para a falta de adesão ao serviço, embora lembre que ainda é cedo para fazer um balanço, já que as ofertas só estão disponíveis há cerca de um mês. O facto da oferta não estar a ser destacada pelos operadores, e de não se ter permitido às famílias elegíveis a rescisão antecipada, sem custos, dos pacotes que tivessem uma fidelização a decorrer, são também outros obstáculos apontados à mobilidade para a TSI, nos qual a DECO insistiu desde o início.
Sofia Costa junta ainda a esta lista a existência do kit Escola Digital, que tem tem sido distribuído aos alunos nas escolas e que inclui o acesso à internet. “Esta medida, embora totalmente distinta por não fazer depender o acesso dos rendimentos das famílias, também “concorre” com a TSI, já que aqui estão também incluídas famílias carenciadas que acabaram por ter acesso à internet por essa via (dirigida ao aluno). Estão essas famílias e outras incluídas”, explica.
Também a APRITEL lembra que há várias opções disponíveis para os consumidores, para além do recurso à Tarifa Social. Embora admita que ainda é cedo para fazer uma avaliação da medida, Pedro Mota Soares, secretário-geral da APRITEL adianta que "de qualquer forma é importante lembrar que Portugal goza de uma elevada cobertura das Redes de Nova Geração e de redes móveis, e tem uma oferta de enorme qualidade a preços baixos, quer em fixo quer em móvel, com um grande leque de opções tarifárias".
Medida excessiva que não é necessária às famílias?
Face ao curto número de adesões, é legítimo perguntar se esta medida que parece tão necessária para a desejada inclusão digital afinal será excessiva e não vista pelos cidadãos como necessária. Os últimos números apontam para que cerca de 18% da população portuguesa continua fora da economia digital, sem acesso à internet e às ferramentas que estão disponíveis online, desde acesso a educação e informação mas também a serviços de saúde, impostos, registos e justiça.
A analista de mercados e especialista na área das comunicações da DECO Proteste discorda desta abordagem. “As famílias necessitam e muito”, defende em entrevista ao SAPO TEK. “O problema está na forma como a medida foi concebida: características técnicas insuficientes para as necessidades de um agregado médio em Portugal e a existência de uma TDT (Televisão Digital Terrestre) insuficiente que conduziu as famílias para a subscrição de pacotes com TV por subscrição incluída, cujos custos mensais estão em linha ou abaixo de uma contratação em separado de internet e televisão”.
93,4% das famílias portuguesas têm televisão paga (televisão por subscrição). Ao pretender mantê-la (como é previsível) torna-se mais caro desistir dos pacotes e contratar os serviços isoladamente, com a agravante de perderem significativamente nas características da internet.
Sofia Costa lembra que há tarifários de TV, Net e Voz, com e sem box, com uma velocidade de 30 Mbps para a internet, por pouco mais de 30 euros por mês. “Através de fibra, por exemplo, não é possível contratar um serviço de televisão por menos de 24,99 euros por mês. Some-se o custo da tarifa social de internet e do equipamento diluído por 24 meses, e o encargo mensal ultrapassa os 30 euros”, afirma.
“Quando o mercado está estruturado desta forma, em que mais vale fazer o esforço de pagar o pacote de serviços mensal (mesmo que seja caro para as famílias) porque não há forma de contratar outros serviços de forma isolada a preços mais baixos e com as mesmas características, associando depois a TSI, está tudo dito”, defende a analista da DECO Proteste.
Por isso, Sofia Costa afirma que “nestas circunstâncias não há forma da TSI vingar, mesmo que seja extremamente necessária” e defende que “era preciso garantir que as famílias tinham acesso à contratação dos outros serviços de forma isolada sem que isso representasse piores características e piores preços do que num pacote com 3 ou 4 serviços incluídos”.
“Quando um pacote com 3 serviços com 30 Mbps de velocidade de internet custa 30,99 euros por mês e contratar apenas a TV custa 24,99, não é preciso fazer muitas contas para perceber que, mesmo com uma TSI a preço reduzido, esta medida só se dirige mesmo aos poucos que ainda mantêm a TDT ou que subscrevam os reduzidos pacotes de TV por satélite, e que também não tenham já acesso à internet pela via do kit escola digital, por exemplo”, sublinha.
Considerando que a oferta só está disponível há cerca de um mês, sendo a NOWO a primeira operadora a avançar com a oferta no final de fevereiro enquanto a MEO, NOS e Vodafone arrancaram a 4 de março, existe ainda a possibilidade de o número de adesões aos serviço vir a crescer significativamente nos próximos meses? Sofia Costa diz não acreditar que os números venham a aumentar de forma significativa, pelos motivos referidos.
Dados recolhidos pela D3 mostram que as ofertas que têm sido disponibilizadas em vários países da Europa são mais reforçadas em termos de tráfego incluído e velocidade. Países como Canadá e Malta têm soluções de tarifas sociais de Internet que garantem às camadas mais desfavorecidas da população acessos com velocidades de 50Mbps/10Mbps no primeiro caso e 30Mbps/1,5Mbps no segundo, ambos sem limites de volume de tráfego. Entre as características do serviço, a elevada taxa de clientes com fidelização e a falta de conhecimento das ofertas poderá ser difícil que o número de famílias beneficiadas pela Tarifa Social de Internet seja significativo mesmo no espaço de um ano e se aproxime do valor que o Governo pretendia abranger.
Em que consiste a Tarifa Social de Internet e como usufruir?
A Tarifa Social de Internet foi pensada para abranger 780 mil famílias. A medida estava em preparação desde 2019 e pelo meio foram definidos os parâmetros relevantes, com a fixação da velocidade e níveis de serviço. A ideia é facilitar o acesso à internet de famílias com baixos rendimentos, condições que os operadores validam recorrendo a uma plataforma que a Anacom disponibiliza.
Veja o vídeo preparado pela Anacom sobre a Tarifa Social de Internet:
São elegíveis para o acesso à TSI, famílias com rendimentos anuais de 5.808 euros, tal como pessoas que beneficiem de pensões de invalidez, subsídio de desemprego, rendimento de inserção social ou pensão social de velhice.
A Tarifa Social de Internet tem uma mensalidade definida de 6,15€, com IVA incluído, para um serviço que garanta um tráfego de internet de 15 GB com um débito de 12 Mbps no download e de 2 Mbps em upload. Estes são os atributos mínimos exigidos ao tarifário, mas se os operadores quiserem disponibilizar propostas mais generosas na velocidade da ligação, ou no tráfego incluído podem fazê-lo.
Associado à tarifa pode ainda ser cobrado um valor de ativação ou aquisição de equipamentos máximo de 26,38 euros, que o cliente pode optar por pagar por inteiro ou até 24 meses.
Como requisitar a Tarifa Social de Internet?
Para beneficiar da tarifa social de Internet, o pedido deverá ser formulado junto de uma operadora. Esse pedido será depois encaminhado para a Anacom, que vai verificar se candidatura reúne todos os requisitos. Se assim for, a reguladora informará o prestador, e este terá de ativar a tarifa social no prazo máximo de 10 dias.
Todos os operadores que oferecem serviços de acesso à Internet a clientes residenciais, passam a ser obrigados a disponibilizar a tarifa social em todo o território de Portugal, desde que exista infraestrutura instalada e/ou cobertura móvel que permita prestar este serviço.
Quem pode beneficiar da Tarifa Social de Internet?
A Anacom esclarece que as pessoas e famílias que podem requisitar a taxa especial devem beneficiar:
• da pensão social de velhice ou do complemento solidário para idosos;
• do subsídio de desemprego;
• da pensão social de invalidez do regime especial ou do complemento da prestação social para inclusão;
• do rendimento social de inserção;
• do abono de família;
• e os agregados familiares com rendimento anual igual ou inferior a 5.808 euros, acrescidos de 50% por cada membro do agregado familiar que não disponha de rendimento, até um limite de 10 pessoas. Nestas famílias, se existirem estudantes universitários deslocados, a estudar noutros municípios, podem solicitar a oferta adicional de tarifa social.
O serviço de internet das ofertas dos operadores devem permitir aos utilizadores utilizar o correio eletrónico; procurar e consultar todo o tipo de informação em motores de pesquisa; utilizar ferramentas educativas e de formação; aceder a jornais ou notícias; comprar ou encomendar bens ou serviços; procurar emprego; efetuar ligações em rede, a nível profissional; utilizar serviços bancários online e serviços da Administração Pública; utilizar redes sociais e mensagens instantâneas; efetuar chamadas e videochamadas com qualidade.
Posso ter mais do que um serviço com tarifa social?
Cada consumidor ou agregado familiar só pode beneficiar de uma tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet em banda larga, pelo que não pode acumular a banda larga fixa e móvel. O Decreto Lei indica porém que os estudantes universitários, inseridos em agregados familiares que se encontrem em situações de baixo rendimento e que se desloquem para outros municípios do país para estudar, podem igualmente beneficiar da atribuição da tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet em banda larga.
Os operadores têm de divulgar essas tarifas?
Essa é uma das obrigações definidas no Decreto Lei, que refere que "as empresas que oferecem serviços de acesso à Internet em banda larga devem promover a divulgação de informação sobre a existência da tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet de banda larga e a sua aplicação aos consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais, através dos meios considerados adequados ao seu efetivo conhecimento, designadamente, nas suas páginas na Internet, em todos os pontos de atendimento presencial, sempre que preste informações sobre os serviços que oferecem, e em documentação que acompanhe as faturas enviadas aos clientes consumidores".
E se ultrapassar o plafond de dados?
É obrigatório o aviso aos utilizadores sempre que o consumo de dados atinja 80 % e 100 % do limite tráfego contratado, de modo a evitar que seja ultrapassado o valor fixo da tarifa. Para continuar a fornecer o acesso depois de se ter ultrapassado o plafond, é preciso que os operadores tenham consentimento expresso dos beneficiários.
Nota da Redação: A notícia foi atualizada com a resposta da APRITEL.
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