Quem "nasceu" primeiro nas redes sociais: Marta Bateira ou Beatriz Gosta? A resposta parece simples, mas a transição da designer de moda e rapper para a personagem no mundo digital foi tudo menos planeada.

Ainda trabalhava como designer e fazia rap nos concertos da Capicua quando entrou tardiamente no mundo digital. No início, viu o Facebook como um espaço para publicar os vídeos da Beatriz Gosta, sem grandes estratégias, e o Instagram, como um “diário” visual. Fotografava cenas do quotidiano, como a linha de montagem da fábrica onde trabalhava ou a cafetaria da aldeia.

Com o tempo, a personagem Beatriz Gosta ganhou mais vida. A ligação inicial ao público era facilitada pelas redes: “Postava no Facebook e o link para o YouTube explodia em visualizações”.

Apesar de ter trabalhado em rádio e televisão - incluindo o "5 Para a Meia-Noite” - o stand-up foi um passo que adiou durante muito tempo. “Uma coisa é gravar e editar, outra é estar frente a frente com o público e fazer aquele povo todo rir”, admite.

Não foi um início brilhante, mas também ninguém aprende a andar de bicicleta sem cair algumas vezes (esta é uma "direta" minha para a Marta Bateira...). Entre "Altos e Baixos"  -  literalmente, o espetáculo que abriu para Joana Marques e Daniel Leitão), foi ganhando confiança e em 2019, estreou o seu primeiro espetáculo solo, "Quem Acredita Vai". Desde então, já vai no segundo, “Resort, que está há dois anos em cena, “ou seja, isto já está a pedir outro espetáculo”, admite. O nervosismo, no entanto, não desaparece: “sofro sempre antes de entrar em palco”, confessa.

“Tenho esta vibe ‘muito freestyle, muito livre’, mas sou muito perfecionista, muito crítica comigo. Sofro todas as vezes que ligo a câmara e tenho de filmar. Acho muitas vezes que não vou conseguir, então isto não é assim tão prazeroso para mim como as pessoas possam pensar”.

A relação com as redes sociais, com comparações e haters pelo meio

Embora reconheça o papel crucial das redes sociais na divulgação do seu trabalho, não se considera uma influencer tradicional: “Nunca fui do tipo ‘ativa o sininho!’ ou ‘subscreve-me!’. Coloco o meu conteúdo com a melhor qualidade que consigo e promovo como posso”. O Instagram é a sua plataforma de eleição, onde fala diretamente ao público e partilha Stories com links para o YouTube.

Reflete que a pandemia marcou grandes mudanças no público. “Entrei no 'Como é Que o Bicho Mexe?' e os seguidores duplicaram”. Já a maternidade trouxe outro público, mas também afastou algum.

Antes da maternidade, a Beatriz “porra louca" Gosta atraía mulheres emancipadas e a comunidade LGBT. Depois de ser mãe, viu surgir “as mães guerreiras”, que frequentemente opinam sobre tudo, mesmo sem convite. Isso trouxe uma nova dinâmica à personagem, mas também revelou um outro lado mais reflexivo.

“Realmente estive na batalha - e estou - como mãe solo, ultrapassei vários desafios, mas às vezes parece que a ‘outra’ Beatriz era mais leve divertida e ‘esta’ ficou mais ‘pesada’. Custa-me”, confessa.

A Beatriz Gosta de antes não é a mesma de agora. O nascimento da filha foi um ponto de viragem na sua vida e no tipo de temas que abordava. “Tive muito medo - ainda tenho -, porque até hoje ainda não aceito muito bem a minha mudança”.

No entanto, sente que com esta nova temporada de vídeos “meio que” recuperou “aquele” público antigo. “Estou diferente, se calhar não estou com a mesma graça, mas também não sou a mesma pessoa. Então vamos aceitar: é aceitar que eu sou uma pessoa diferente”.

Veja na galeria imagens da Beatriz Gosta nas redes sociais

Acima de tudo, Beatriz Gosta é uma quebra tabus. Fala abertamente sobre sexualidade, maternidade, menopausa e outros temas que ainda enfrentam estigmas. “Eu sou quebra tabus total”, diz com orgulho. O humor é a ferramenta que usa para abordar questões sérias, com um toque de delírio criativo, mas sempre ancorado na verdade.

“Gosto desta coisa de falar sobre temas, sempre com um toque de verdade. Acho que esse é o meu segredo: há sempre um delírio na criação, um exagero, mas tem que ter uma base de verdade porque é aí que as pessoas se identificam".

Nos novos episódios da sua série no YouTube prova que pode ser tudo ao mesmo tempo: Marta, mãe, humorista, comunicadora. Num dos vídeos mais populares, “Os Meus Fracassos”, falou das coisas que a fazem sentir-se inferior, como não saber andar de bicicleta ou não ter um curso superior. A resposta do público foi de empatia, mostrando que a vulnerabilidade é uma ponte para a identificação.

Episódios como “O Que Eu Já Aturei de Macho” e o consultório sentimental “Lencinho de Papel”, onde aborda problemas com leveza e honestidades são outros sucessos que equilibram comédia e verdade.

Provavelmente é isso que faz da Beatriz Gosta tão especial: enquanto muitos escolhem só mostrar o lado “polido” e perfeito nas redes sociais, ela faz questão de aparecer "descabelada" e de admitir que às vezes desaparece porque esteve “na merda”.

“Nunca sou ‘a maior da minha praça’. Mostro-me vulnerável e há Identificação e representatividade nisso”.

Se por um lado as redes sociais permitem partilhar experiências e criar uma comunidade, por outro, amplificam a comparação. Marta confessa que às vezes sente-se frustrada ao ver outras vidas “perfeitas” online: “Olho para algumas pessoas e parece que têm o melhor dos dois mundos - mas pronto, eu tenho carisma” comenta e justifica a si própria num apontamento de humor que acaba sempre por a caraterizar. Para proteger-se do impulso da comparação, tenta seguir pessoas reais e silenciar o que a afeta negativamente.

E há outros desafios, nomeadamente os haters. Admite que, antes de lançar a nova temporada no YouTube, esteve perto de fazer uma pausa da internet. "No final de 2024, estava muito farta e sem forças. Posicionei-me politicamente - e nunca foi segredo que sou uma mulher de Esquerda. Vida é política, inevitavelmente, mas estava farta de levar com ódio”.

A maior exposição trouxe consigo uma onda de insultos que, muitas vezes, a abalavam profundamente. "Quando tens mais visibilidade, parece que se levanta a tampa do esgoto e sai um povo a insultar-te do piorio. Há dias em que isso te deixa mesmo mal. Nem sempre tens força para lidar com as cruzes da vida e com as frustrações de pessoas que despejam em ti as suas tristezas". Essa fase levou-a a recuar um pouco da "linha da frente", cansada de ser alvo constante.

Liberdade, gratidão e umas “guinadas” para o futuro"

Entre um ponto ou outro menos positivo, Marta Bateira não hesita em valorizar as conquistas que alcançou enquanto Beatriz Gosta, mantendo os pés bem assentes na terra. "O meu objetivo é pagar a minha casa, que ainda é do banco, e acho que vai ser até aos 80 anos", brinca, sem deixar de refletir sobre a sorte que teve na sua trajetória. "Nunca imaginei ter feito metade das coisas que fiz: trabalhei com muita gente boa, conheci pessoas incríveis, e faço os meus horários. Sou livre, e isso é a minha maior riqueza".

Apesar do caminho percorrido, não esconde que o cenário português trouxe os seus desafios. Se calhar podia ter chegado mais longe, mas num país conservador não foi possível.

"Entrei a matar, a quebrar tabus de uma forma que muita gente nunca tinha visto uma mulher fazer. Se fosse nos EUA ou no Brasil, teria sido catapultada logo. Mas cá, só agora, depois de ter sido mãe e de estar mais ‘suave’, é que certas marcas apostam em mim".

Ainda assim, o balanço é amplamente positivo. “Já fiz rádio, televisão, várias publicidades criativas, e digo o que quero, sem censura. Na RTP e na Antena 3, por exemplo, nunca me censuraram. Deixam-me ser quem sou, e isso faz-me feliz”.

Quanto ao futuro, a comediante não descarta uma “guinada” de rumo. "Ando com vontade de fazer outras coisas, mas não vou dizer o quê", provoca, deixando um toque de mistério no ar. Porém, um novo espetáculo, mais temporadas e até um podcast, já batizado de “Pobre Deslumbrada” são hipóteses. “Um podcast com conversas fluídas, a falar sobre temas variados, sozinha ou com convidados”.

"E quem sabe? Agora, nos ‘quarentas’ estamos super fresh para dar as ‘guinadas’ que quisermos dar", defendeu. "Talvez até volte a estudar", lançou. "Ando com vontade disso".